Capítulo Dois
14 de fevereiro de 2019.
Londres, Inglaterra, Reino Unido.
Viro a direta e aproveito que o carro está parado no semáforo para poder observar a noite, e sorrio secamente com meu infortúnio, em contrapartida às pessoas que caminham frenéticas para o centro da cidade; tornando-se peças elegantes em meio as luzes dos postes e lojas.
Como se não bastasse o estresse de estar fora de casa perdi metade da minha tese de mestrado mais cedo. Não desse jeito que você está pensando. Um cachorro não comeu meu pendrive ou eu apaguei sem querer. Meu orientador simplesmente disse que não estava bom. Desconsiderando assim minhas noites mal dormidas e minhas crises incontáveis de ansiedade, ou seja, todo o esforço que eu tive em mais de um mês!
Normalmente eu faço o caminho da Regent St até meu apartamento pela via principal, mas, terça-feira é o dia em que deixo o Zian na casa de Mark que por coincidência é meu ex. Me aproximo do centro da pista sinalizando que vou entrar na Greenwich Street. A rua me lembra um pouco o cenário de Coraline, mesmo caráter nublado e sombrio. É a rua perfeita para uma cena perdida de Harry Potter. Os postes claream um pouco não somente a rua, mas, as janelas das casas e posso bisbilhotar quadros e jantares em poucos segundos.
Estaciono em frente a casa de Mark e ao descer do carro sou invadida pelo cheiro doce de frango, fazendo com que meu estômago se revolte em minha barriga. "Logo, logo estaremos em casa e eu vou poder encher você". Outro ronco grita, como o choro de uma criança que entende que em casa não terá algo tão bom quanto o que aquela vitrine da loja de doces ostentava.
Aproximo da porta e toco a campainha. Enquanto espero olho para meus pés, levantando meus dedos dentro da bota que está molhada na ponta. Outra coisa sobre Londres que ainda não me acostumei: chuva! Uma rajada de vento corta o ar e meu corpo se arrepia fazendo com que eu me chacoalhe.
— Ellie, ei - Mark diz abrindo a porta e instantâneamente sou tomada pelo jato quente do aquecedor a gás; o cheiro da comida fazendo meu estômago gritar novamente — Está esperando a muito tempo? Desculpa se demorei para ouvir.
Corro o olho rapidamente para o interior da sala, e observo que em cima da mesa além do frango e de batatas que pareciam estar extremamente coradas, há uma garrafa de vinho e duas taças. Ele está com visita. Provavelmente uma feminina, é claro. Afinal, hoje é dia dos namorados e eu estou aqui precisando que meu ex me faça o favor de ficar com meu cachorro às terças-feiras.
— Zian!!!!! - enrijeço minhas pernas e me preparo para o que vem a seguir: sou acaricida por uma língua frenética como que diz: "Saudade de você mamãe".
-— Assim eu fico com ciúme — Mark diz meio sério, depois sorri para nosso cachorro que olha meio desconfiado dando uma lambida em sua mão como se entendesse o que ele acabara de dizer.
— Obrigada por ter ficado com ele Mark, as terças são sempre mais difíceis por passar o dia inteiro no campus e a ideia de deixar Zian preso no apartamento durante todo o dia não me agrada.
-— Sem problemas Ellie, eu e o Zian nós divertimos muito hoje não foi garotão?
-— Ah é? Posso saber o que vocês fizeram hoje? — ergo uma sombrancelha e olho desconfiada para os dois. Zian abaixa a cabeça e Mark solta uma gargalhada.
— Nada demais, apenas demos um passeio pelo parque e depois viemos para casa.
Olho novamente para a mesa. Minha suspeita estava certa. Mark está com alguém. Ele segue meu olhar e paira sobre a garota sentada ao fundo, ela acena para mim e sorri para ele.
— Obrigada mais uma vez Mark, mas, realmente tenho que ir pra casa, foi um dia bem cansativo e amanhã tem mais - Digo já me afastando da porta. A verdade é que Zian é nosso único laço já que o adotamos juntos.
- Bom.. então até a próxima terça-feira Zian... Ellie...
- Até! - digo já fechando o portão do lado de fora.
Droga, eu sabia que isso aconteceria uma hora ou outra e por mais que eu tentasse me preparar para o momento a sensação é sempre diferente do que nosso cérebro consegue supor. O que me dói é a sensação de que estou presa. Não a alguém, mas, em mim mesma. Na insegurança de tentar de novo. Amor não é pra ser duro e inflexível, mas, generoso. Se tem uma coisa que aprendi com Jacob Oliver em suas músicas é que amor em sua verdadeira essência pode nos ajudar a transformar. O problema é quando esperamos que esse amor nos seja dado por alguém, e não por nós mesmos. Antes de querer algo e sentir que estou me aventurando pela vida eu preciso semear a plantinha do amor em mim. Talvez depois de estar bem eu consiga amar de novo.
— Até lá eu tenho você não é Zian? — Digo me abaixando enquanto prendo o cinto na cadeirinha dele.
Foi muito complicado encontrar algo em que Zian coubesse. Talvez por que não haja dispositivos feitos para cachorros de grande porte; como um Golden Retriver. Por causa disso optei por uma cadeirinha de uma criança de sete anos.
— Qual música você quer ouvir hoje? - Zian late e depois uiva — Isso aí meu amor, já entendi o recado — olho para trás e sorrio.
Dou play e a música preenche cada canto do carro, primeiro o instrumental e logo em seguida a voz de Jacob Oliver entra em cena.
— Seu coraçãooooooooooo, meu coraçãoooooooooo.... — canto alto a medida que damos partida.
Converto para a esquerda e volto para o início da Greenwich Street. Corro o olho pelo relógio no painel do carro e vejo que já se passa das 21:00 p.m. Talvez meu estômago terá que aguentar um pouco mais e se contentar com a ideia de que sua próxima refeição será o café da manhã. Ergo minha cabeça para frente a fim de ter uma visão maior pelo vidro e noto que as casas do início da rua já estão com suas luzes apagadas. Abaixo o volume do som e aperto um pouco mais o volante. Olho pelo espelho do carro pelo e meu companheiro de aventura mantém a atenção no vidro.
Chego ao final da rua e dou preferência ao carro que já estava na rotatória. Sinto um arrepio e meu estômago se contraí. O frio que antes instalara em minhas mãos corre agora por minhas veias. “De todos os lugares para ter uma crise de ansiedade meu corpo tinha que escolher justamente o meio do trânsito?”
Mapear minhas emoções, na tentativa de encontrar o gatilho que fizera ascender minha ansiedade nunca foi fácil.
É então que ouço um estrondo e imediatamente paro o carro com meu coração martelando aos ouvidos.
“EU BATI EM ALGO? OU PIOR, EU ATROPELEI UMA PESSOA?”
— AAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!
“Deixe-me entrar, por favor!”
A pressão em meu peito se intensifica. Durante segundos não escuto nada além das batidas fortes e aceleradas do meu coração. Sugo o ar e ele queima ao entrar em meu nariz. Zian está latindo alto. Minha cabeça dói o suficiente para beirar o insuportável. “Não, eu não posso estar sendo assaltada agora”.
Um nó se forma em minha garganta e empurro o choro pra dentro de mim. Preciso encontrar uma forma de sair inteira e viva disso tudo, mas, não posso sair daqui sem antes pensar em uma forma de tirar Zian também.
#1264 palavras.
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