PRÓLOGO (DAGDA)
Antes de começarem a leitura, não esqueçam que cada detalhe é importante. Leiam com calma para não ficarem perdidas! 🫠
⚔️
Desde que o mundo se transformou em mundos, a busca incessante dos humanos por realizar seus desejos foi vista como uma afronta. Os deuses se recusaram a ouvir suas orações, esquecendo-se do propósito inicial, pois os viam como raças inferiores, pequenos seres que deveriam se contentar com o pouco da terra. Porém, a deusa da criação, Danu, enxergou no julgamento egoísta uma oportunidade para ensinar aos seus protegidos algo que até então desconheciam: as dores humanas.
Os deuses experimentaram os sentimentos de forma intensa e dobrada. Ódio, tristeza, alegria, amor... E o amor, esse, foi o mais destrutivo. Danu também não me poupou, mesmo sendo eu seu filho. Tive que enfrentar grandes batalhas para recuperar o objeto que manipulava as emoções dos outros e alterava o tempo, a harpa, que fora tão cobiçada por todos, por ser o único conforto que nos restava.
Quando tomei a harpa das muitas mãos que a haviam tocado, a chamei de minha. Isso foi um erro. Eu deveria tê-la levado de volta às colinas onde minha mãe vivia, devolvê-la como ela me pedira, pois, segundo Danu, a harpa trazia mais sofrimento do que bonança. Destruir aquele instrumento acalmaria verdadeiramente os deuses, que finalmente aceitariam a lição. No entanto, eu posterguei minha missão e a guardei em meu reino por anos. Subestimei minha força e minha fraqueza. Não imaginei que, sendo um deus abençoado com sabedoria, acabaria agindo como outras divindades que brincaram com o tempo. Por mais que sofresse, não seria egoísta e colocaria milhares de vidas à mercê do meu bem-estar. Não colocaria o universo em risco, apesar de estar à beira de sucumbir após tantos ciclos reiniciados. Faltavam apenas três vidas para tudo se acabar. Todavia, me enganei.
Quando conheci Morrigan, me apaixonei perdidamente. Fiquei cego e não percebi que suas três personalidades trariam o caos.
Durante uma guerra humana, ela desceu ao mundo natural. Não suspeitei de suas intenções, afinal, ela deveria cumprir seu papel divino: escolher os vitoriosos e recolher as almas dos derrotados. No entanto, de repente, algumas criaturas sobrenaturais da floresta me procuraram, apavoradas, em meu reino, dizendo que minha esposa havia usado suas premonições para cometer um crime. Pediram que eu interferisse em seus planos. Mas, ao invés de detê-la, encobri seus rastros. Matei as testemunhas que nos vigiavam, aquelas que poderiam espalhar nosso segredo. No entanto, não percebi que a deusa dos bosques havia se transformado em animal e presenciara o massacre.
Naquele tempo, eu já havia instituído uma lei implacável: deuses e criaturas que desequilibrassem os mundos seriam punidos. Sem exceções. Não importava nome, poder ou o legado, o criminoso pagaria pelos Seus atos. Estaria sujeito à Tortura Milenar, sendo exposto por mil anos no átrio da minha morada, à mercê daqueles que desejassem fazer dele um espetáculo de sofrimento. Meu reino atraía muitos visitantes, pois era eu quem resolvia os problemas de todos. Morrigan seria esmagada por essa justiça cruel, reduzida à diversão nos eventos paraquem questionasse minha forma de governar. Apesar da minha reputação como um “bom deus”, jamais tive piedade, nem mesmo de amigos ou familiares deles. E eles se vingariam. Foi o que aconteceu, mas não com ela.
Todos aguardavam pacientemente por um deslize meu, enquanto eu me mantinha em uma luta incessante para ser justo e íntegro a cada dia. E, de fato, eu conseguia. Mas então assumi a culpa no lugar dela. Eu me culpava por não ter percebido o quanto sua esterilidade a consumia, o quanto ela a deixava incompleta. Acreditei, ingenuamente, que o nosso amor seria suficiente para curar suas feridas. Por isso, declarei que as ordens haviam sido minhas, que manipulei os sentimentos de Morrigan com uma harpa. Ninguém duvidou, Eles me torturaram para encontrar o tal artefato, o desvio de foco perfeito para ocultar a verdadeira culpada.
Submeti-me a toda forma de violação, mas permiti que ela realizasse o seu desejo mais profundo. Quando os mil anos finalmente passaram e eu fui libertado, tudo o que queria era o conforto de seus braços. Contudo, ela já não era a mesma. Amargurada, vivia atormentada pelas consequências do que havia feito, incapaz de esquecer. O amor, a saudade e o luto se dobraram sobre ela, sufocando-a. Foi então que, pela primeira vez, decidi usar a harpa. Desenterrei-a do jardim. Suas cordas emaranhadas nas raízes de uma velha árvore que parecia se recusar a entregá-la. Foi uma tarefa penosa, mas eu precisava apagar o passado de Morrigan.
Infelizmente, ela percebeu. Naquela noite, enquanto estávamos deitados lado a lado, alisei seus cabelos pretos, algo que não fazia há anos. A deusa estava de costas, mas se virou de repente e se sentou, apanhando-me desprevenido. Não consegui esconder o objeto por completo sob meu corpo. Tentei me esclarecer, convencê-la de que seria melhor para nós dois se voltássemos no tempo, mas ela se revoltou
Como era possível que a mulher que dizia me amar, tivesse me visto passar longos anos sendo punido injustamente e ainda cogitasse repetir o mesmo erro? Porque era isso que aconteceria novamente se ela mantivesse o instrumento em sua posse. A deusa da guerra havia enlouquecido, consumida pela dor da perda. A criança que tomou para si, que cresceu sob seus cuidados, não era eterna como nós, deuses. Ela havia morrido há séculos.
Eu não podia mais viver atormentado pelo receio de que ela me roubasse a harpa. Embora a amasse, naquele momento, a odiei, pois foi ela quem abriu meus olhos. Nunca mais seria o Dagda se continuasse a suportar as expressões de compaixão nos rostos dos meus amigos e os sorrisos de escárnio nos lábios dos meus inimigos. Esse era o motivo principal para não resistir à paz que a harpa podia me dar.
Por isso, a ignorei. Voltei no tempo, arranquei dela o dom da premonição, como já havia feito com outros deuses, e, por fim, manipulei seus sentimentos. Prever o futuro, para Morrigan, tornou-se apenas um presente raro que o Universo lhe concedia ocasionalmente. Eu precisava garantir que seus impulsos não me condenassem novamente por seus próprios erros.
No entanto, nada saiu como eu havia planejado. De alguma forma, os lindos olhos negros, razoavelmente inocentes da deusa, começaram a refletir o que testemunharam em outra vida. Neles, eu me via torturado, imundo, como um ser maldito e rejeitado, preso e prostrado no átrio do meu próprio reino. Era tão real, tão palpável, tão insuportavelmente doloroso.
Tive que me afastar inúmeras vezes, inventar mentiras, passar horas nos braços de amantes, permitindo que seus carinhos me distraíssem e renovassem minha confiança antes de voltar para Morrigan e lhe dar o que me pedia. Com elas, eu era facilmente o antigo deus poderoso. Mas com Morrigan... Com Morrigan, eu era apenas um excelente ator.
Minha esposa passou muito tempo sozinha, implorando insistentemente por amor. Eu a amava da única forma que sabia: entregando migalhas, como um covarde. Com o vazio em nossa casa, o silêncio a tomou, dando espaço para que seus ouvidos aguçados de deusa captassem o lamento de um jovem rei no mundo mortal.
— Oh, grande deusa Morrigan... — Luigi murmurava no templo que erguera para ela. — Encha-me com a sua sede de guerra. Não me permita acordar, algum dia, conformado com a injustiça cometida contra meu pai, porque estou perto disso. Não tenho mais forças... Eu preciso cumprir essa vingança. Tenho que vingá-lo para que, no Paraíso, chegue a notícia do que fiz por ele. Quero que ele sinta orgulho do filho que nunca conheceu, da criança que jamais segurou nos braços. — A voz do rei tremia enquanto suplicava. — Oh, deusa da guerra e da morte, eu te imploro... Que a sua lança afiada seja a espada em minhas mãos, perfurando os corações dos meus inimigos, arrancando seus gritos e conduzindo suas almas a um final trágico. Cubra-me com o seu escudo, proteja-me de todo ataque que venha dos quatro cantos deste vasto mundo. E eu serei eternamente grato a ti, minha deusa...
Talvez, se eu tivesse aprendido a lidar com os meus próprios traumas... Talvez estivesse em casa, preenchendo-a com nossos risos de alegria. Talvez, desse jeito, a voz do rei jamais tivesse alcançado seus ouvidos.
Morrigan não se lembrou que já o conhecia de outros tempos, porque a vida anterior a essa foi apagada da sua memória. Foi doloroso saber que tentando salvar o nosso amor, a fiz cair numa paixão doentia.
Juro que pensei em fazer novamente o uso da harpa quando a recuperei, pois tinha ciúmes daquela relação esdrúxula, a qual me fez entender o que Morrigan sentia quando descobria o meu envolvimento com outras mulheres. Só não compreendi como por diversas vezes conseguiu perdoar as minhas traições.
O instrumento de fato trouxe mais sofrimento do que bonança, como a deusa-mãe avisou. Tentado, segurava o objeto nas mãos e mentalizava os momentos mais felizes que minha ex-esposa e eu passamos juntos. Todavia, na sabedoria encontrei uma forma de me impedir de dedilhar aquelas benditas cordas. Amaldiçoei todos futuros mestres da harpa.
— O mestre tocará as reluzentes cordas para alcançar uma nova vida, mas se surpreenderá com o poder que ganhará: o que liberta a mente das conexões mais profundas, a que ele ama, apenas com um mero toque.
Conformado de que não podia mais reviver o passado, me afastei ao máximo de Luigi e Morrigan. Estava fragilizado, embora me esforçasse para não demonstrar. No entanto, quando previ o futuro da mulher que eu amava, uma morte lenta na Travessia, condenada a viver eternamente entre os mortos como uma divindade repudiada, presa em um reino que perderia por causa da menina que adotaria, soube que precisava interferir. Para protegê-la da bruxa, forjei o caçador.
Mas cometi um erro. Não considerei que o amor entre Laysla e Kairon arruinaria os meus planos. A ligação deles era antiga, profunda, forte o suficiente para atravessar os tempos. Por sorte, Laysla também possuía outra ligação, e foi a essa que recorri. Estava certo de que, por causa da bruxa, o vampiro voltaria no tempo e, ao fazer isso, salvaria o destino da deusa que o destruíra. E foi exatamente o que ele fez.
E assim começou o novo ciclo. O penúltimo dos mil ciclos que a harpa podia nos conceder. Desta vez, o sofrimento parecia mais brando, quase insignificante. Era como uma pitada de pimenta em um prato insosso, apenas o suficiente para lembrar que a dor ainda estava lá.
Laysla e Kairon foram felizes. Tiveram um filho, que lhes deu netos, e uma grande família para povoar o mundo após suas mortes. Morrigan e eu nos reconciliamos, quando lhe implorei que me ajudasse a criar a órfã de uma banshee que, aos gritos, anunciou sua própria morte enquanto dava à luz perto dos portais da minha morada. Tudo parecia calmo, equilibrado entre os mundos, cheio de esperança. A harpa ainda era procurada, mas deixá-la no castelo de um vampiro parecia menos óbvio do que no reino de um deus. Luigi estava em silêncio, cumprindo a solidão que prometera.
Mas então, inesperadamente, senti a vibração sob meus pés. Um terremoto estranho, que carregava magia nos grãos de terra que se erguiam com o movimento contrário do Universo. No nosso quarto, olhei para minha esposa, que ninava nossa pequena filha, e lhe disse o quanto as amava. Mas não tive tempo de ouvir a resposta que começava a formar em seus lábios, pois tudo se estabilizou no instante em que Luigi, ambicionando o amor da bruxa, desperdiçou o último ciclo.
“Agora é a minha vez de fazê-la feliz...”, a voz do vampiro ecoou em meus ouvidos por segundos eternos. Quando tudo se ajustou novamente, eu não estava mais em minha casa. Agora, me encontrava no meio de uma floresta, cercado por druidesas. E chorei, pois não era mais a vida que eu queria ter.
Luigi provocou minha fúria mais profunda. Eu me vingaria.
A mente de vocês ficou assim?🤯
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top