39- RATOS E TREPADEIRAS (LAYSLA)

Eu observava cada detalhe do chão áspero e empoeirado, evitando qualquer chance de tropeçar enquanto carregava o candelabro cheio de velas acesas pelo labirinto de madeira. O caminho atrás serpenteava em zigue-zague, ora se estreitando, ora se alargando. Mas, onde cheguei, não havia como seguir em frente. Era necessário desviar o cômodo, subindo entre o forro e o telhado.

Ripas de madeira fixas na parede formavam uma escada vertical improvisada, mas os degraus não tinham espaçamento constante. Algumas ripas estavam deterioradas, faltando pedaços, e as inteiras pareciam bambas. Seria impossível escalá-las usando apenas uma das mãos. Apaguei todas as velas, retirei uma do candelabro e a segurei com os dentes. Reacenderia a chama com magia quando estivesse no alto.

Quase no topo, cercada pela escuridão, senti que estava sendo observada. Olhei para cima e vi um vulto. Uma cabeça rente ao piso desapareceu rapidamente. Um frio sufocante percorreu minha espinha, fazendo-me escorregar, mas consegui me firmar, embora sentisse dores nos quadris e na lombar.

Havia alguém ali. Porém o susto veio não apenas pela presença inesperada, o intruso tinha galhadas na cabeça, como um animal.

Ao alcançar o alto, estalei os dedos, e a vela iluminou o lugar. Tudo ficou ainda mais intrigante. Pegadas pequenas marcavam a poeira espessa no chão.

- Quem está aí? - indaguei, seguindo as pegadas. Não houve resposta.

Continuei hesitante. As tábuas de madeira rangiam sob meus pés, ameaçando ceder. O espaço se estreitava cada vez mais, exigindo que eu me abaixasse. Definitivamente, não era um lugar para adultos, a menos que fossem tão baixos quanto crianças. O cheiro de mofo tornava tudo ainda mais desconfortável.

Sem ouvir nada além dos meus passos e a minha respiração ofegante, comecei a questionar se a presença estranha era fruto da minha imaginação. Mas as pegadas... elas estavam ali, nítidas e recentes.

- Não, Laysla... É real...

Já era hora de descer. Avistei uma portinhola abaixo, que certamente me levaria ao quarto da falecida rainha Madelen. Sentei na borda, inclinei a vela e deixei pingar a cera derretida, fixando-a no forro para iluminar o ambiente enquanto descia. Coloquei o pé esquerdo no primeiro degrau, ignorando o ensinamento de minha mãe, que dizia para sempre começar algo com o pé direito. A mente da Laysla vampira dominava a da menina ingênua que crescera na montanha. Errei. Errei feio por não lembrar das palavras de Dilara.

O degrau se partiu. Agarrei-me à extremidade do forro, mantendo os antebraços sobre ele enquanto fazia força para subir. Mentalizei os degraus quebrados se unindo. Minha magia poderia repará-los, desde que os pedaços estivessem no mesmo lugar. Mas antes que pudesse verificar o progresso, o ar ao meu redor ficou pesado e quente. A vela apagou e puxaram as minhas pernas.

Senti como se galhos finos e ásperos subissem e entrelaçassem pelas minhas coxas. Não podia ceder. Fechei os olhos, deixando minha magia fluir, pronta para atacar, se fosse necessário. Enquanto isso, me impulsionava para cima. No entanto, na extremidade irregular do forro, rocei o meu busto já arranhado e gritei. Gritei ao sentir um líquido quente escorrendo entre meus seios. Eu estava sangrando.

A dor me desestabilizou, prejudicando minha concentração. A ardência era insuportável, mas continuei me esforçando. Contudo, o que crescia debaixo da minha túnica me imobilizava, me prendendo como se fosse em um casulo. Os galhos cheios de folhas brotavam pela gola e mangas da minha roupa, alcançando rapidamente o meu pescoço e mãos. Fechei a boca para impedir que aquilo entrasse e me sufocasse. Mas sabia que, se fosse coberta por inteiro, a falta de ar seria inevitável.

Logo meus olhos foram tapados, e eu me entreguei ao desconhecido, perdendo o controle do corpo.

Caí, mas o impacto não veio. O casulo de galhos amorteceu a minha queda e se dissipou imediatamente.

- Era para me proteger? - sussurrei, me erguendo.

Pequenos pontos de luz flutuavam ao meu redor. Fiz um giro completo e, em um canto apertado, cercado por trepadeiras, eu a vi.

- Você?

- Sim...

- O que... o que é você? - perguntei, observando as mudanças em seu corpo. Apesar delas, ainda podia reconhecê-la.

- A pergunta correta é quem sou eu? - respondeu, com uma voz também alterada.

Usando um vestido majestoso verde-musgo e manto marrom preso nos braços, a criada adolescente vinha em minha direção. Ela amadurecia diante dos meus olhos, parecendo ter cerca de 30 anos. Mas o que mais me chamou atenção foram as galhadas retorcidas em arabescos em sua cabeça, como as do...

- Você é aquele cervo! - exclamei, impactada.

Ela sorriu com graciosidade.

- Tenho muitas formas, Laysla... - disse antes de se transformar em um enorme rato. Instintivamente recuei, desconfiada. Mas os vagalumes a envolveram. Suas luzes intensas ofuscaram meus olhos, me obrigando a cobri-los. - Estive com você durante muito tempo... - Ao ouvir a sua voz doce feminina, cogitei que já tivesse retornado a sua forma humana, logo voltei a observá-la.

- Era você... o rato roendo meu pé naquela noite?

- Eu estava te chamando. Senti que Morrigan se aproximava, Laysla.

Bufei e cruzei os braços: - Não dava para me chamar como humana? Por que todo esse mistério? Formas de animais, plantas... Se aparecesse assim como está agora, eu teria entendido com certeza.

A mulher ficou quieta por alguns segundos, parecia em dúvida se me devia uma resposta.

- Talvez, se eu não estivesse em perigo... - disse, com seus olhos azuis fixos nos meus refletindo uma densa floresta sombria. - Eles precisam acreditar que estou morta...

- Eles quem? Quem é você?

Hesitante, ela revelou: - Flidais...

Meu coração acelerou, fiquei boquiaberta. Flidais, a deusa do bosque. A entidade que invoquei em outra vida, junto com as wiccanas. Foi ela que me ajudou a invadir a mente de Kairon, a entender o que se passava com ele quando o espírito do caçador o possuía.

- Eu te conheço... - Minha voz saiu trêmula.

- De outros tempos.

- Todos os deuses sabem? Sobre nossas outras vidas?

- Não, Laysla. Isso é impossível. Eles só sabem das próprias vidas quando voltam no tempo. Quanto às vidas dos outros... Só se for da família de Dagda ou se alguém que sabe contar a eles.

- Dagda? Então você... - gaguejei. - Você é da família dele? Amiga dele?

Flidais se virou e me lançou um olhar por cima dos ombros antes de voltar para o canto estreito onde estava anteriormente. Ali, no encontro das paredes, havia uma porta tão discreta que eu nem sequer havia notado. Antes de atravessá-la sem a necessidade de abri-la, sua voz ecoou:

- Sou e não sou...

Semicerrei os olhos, mirando-a como se fosse um alvo. Corri até a porta e tentei abri-la, mas estava trancada com magia. Eu pude sentir.

- Flidais! - gritei, entretanto, não me respondeu. Repeti esse processo algumas vezes, sacudindo a porta e até mesmo me lançando sobre ela. Mas só pioraram as dores no corpo.

Exausta, sentei no chão, aguardando o seu retorno, me dando conta de que em todos os momentos em que me visitou sempre esteve me ajudando. Diferente de Dagda, Flidais não era inimiga. Não podia ser.

Ali parada por um bom tempo, confiando na sua boa índole, acabei pegando no sono.

De repente um peso sobre a minha perna me acordou, abri os olhos e me deparei com um rato. Não me atentei que podia ser a divindade. Logo o empurrei, mas em seguida, envergonhada, pedi desculpas.

Estranhei nada ter acontecido. O rato simplesmente caminhou pelos cantinhos de uma das paredes e se juntou aos outros. Havia muitos deles. Que nojo! Aquele equívoco pelo menos serviu para alertar de uma infestação que Luigi e eu tínhamos que lidar.

Os animais foram se distanciando, e um deles olhou para trás, bem dentro dos meus olhos.

- É ela... - soltei uma risada incrédula.

Levantei-me, determinada a capturá-la e obrigá-la a contar o que sabia. Contudo, outra ratazana avançou sobre mim, fazendo-me cambalear e esbarrar na parede oposta. O som de madeira rangendo e a portinhola para o quarto de Madelen se abriu.

A conversa com Flidais me fez esquecer de investigá-lo. O cheiro que emanava dali aguçou minha curiosidade. Mas eu quase vomitava.

Intrigada, pela abertura a um metro e meio do chão, saltei para dentro do cômodo.

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