27- MIGALHAS NÃO MATAM FOME (KAIRON)
O Sol estava escaldante. Sentia minha pele queimar por baixo da armadura preta de couro, mesmo sob a copa de uma árvore. Eu não sabia por mais quanto tempo aguardaria Michel e Alípio naquela provocação. Eu caminhava para a marquise do portão da fortaleza, ficaria ali com os cavalos, me resguardando da quentura, porém, passos tímidos se aproximavam, me fazendo virar rapidamente para ver quem era.
Suspirei, vislumbrando a beleza perfeita. Tão pura e suave, contradizente a magia sombria que possuía. Laysla parou a uns dois metros de distância, me fitando perplexa. Algumas mechas de seus cabelos escuros balançavam sobre o seu rosto, outras se embolavam na coroa com o movimento do vento que pareceu chegar com ela.
Em questão de segundos na sua presença, sentia a moralidade que eu me esforçava para preservar sendo destruída. Juro que embora tivesse muitos motivos para não pensar na fuga, olhei o meu cavalo e cogitei fazer a proposta, pois foram tempos difíceis os últimos dias, onde tentei apagar seu rosto da minha memória, mas percebi que sua imagem jamais sairia da minha mente. Eu estava completamente apaixonado.
A bruxa fazia o meu coração acelerar, a minha respiração se atrapalhar e um sorriso bobo brotar em meu rosto por lembrar dos seus beijos e de como tocamos um ao outro dentro da gruta. Eu queria muito terminar o que começamos. Queria fazer aquilo com ela todos os dias, várias vezes por dia, até ficarmos cansados e cairmos no sono abraçados, esquecendo de todos os problemas a nossa volta. Alguma coisa nela me deixava leve. E eu gostava daquela sensação, uma mistura de alegria, esperança, excitação. Era óbvio que eu cogitava que todos esses sintomas repentinos decorressem de magia.
Se os olhos de uma bruxa eram de fato poderosos, eu tinha dúvida. Mas o meu "eu imprudente" insistia, vendo-a tão bela naquele vestido branco, para eu me aproveitar desse boato que muitos acreditavam.
Se você errar, não é sua culpa. Foi um feitiço que ela lançou, Kairon...
Porém o meu "eu ajuizado" rebatia: "Você é um pai de família, um marido. Honre a sua palavra!"
Laysla puxou a cauda do seu vestido e a jogou por cima do antebraço. Arregalei os olhos ao notar que iria se aproximar. Fiquei nervoso, não nego. Previa não dominar os meus anseios. Se ela me desse o aval, não a rejeitaria. Eu desejava ser seu. Eu queria. Isso não passaria, como eu disse para mim mesmo enquanto cavalgava até o castelo para o seu casamento. Porque o que sentia por ela, nunca senti por mais ninguém. Era caloroso demais, arrebatador, mas também, de alguma forma, inocente. Inocente no sentido de deixar a impulsividade conduzir as minhas ações como uma criança, de ter dificuldade de me acalmar internamente, de querer assumir riscos, quebrar regras, de querer tomar o brinquedo do outro. Eu queria Laysla, mas ela não era o verdadeiro brinquedo. Eu sim, me via desse jeito, como o seu fantoche, à mercê de fazer qualquer coisa que me ordenasse.
E quando parou a minha frente, com os seus olhos verdes incisivos e o rosto corado pelo Sol, sorri para ela e pedi mentalmente:
"Diz que também me quer. Diz que prefere ser minha. Diz e eu darei o melhor prazer da sua vida. Diz, Laysla..."
— Por que veio aqui? É o meu casamento... — Soltou num tom frívolo, dilacerando os meus sentimentos. A minha garganta travou, perdi o dom de lábia que eu tinha. Não sabia como falar, nem o que falar, mas deixei escapar um ruído esquisito de frustração. Ela suspirou e isso a fez ficar com um semblante sereno. — Não devia ter vindo, Kairon... — Ela continuou mais calma, depois olhou para trás, vigiando a porta do castelo.
Notando que estava vazia, me atrevi a perguntar:
— Onde estão os guardas que não detiveram a rainha de me encontrar?
Ela bufou, revirou os olhos e retrucou com deboche: — Não contarei meus segredos a alguém não confiável...
— Não confiável? — Gargalhei. — Diz a mulher que praticou magia contra mim.
— Magia contra você? Do que está falando? — Laysla soltou o vestido e, reflexiva, cruzou os braços. De repente suas sobrancelhas arquearam me indicando que se recordava. — Foi quando saímos da gruta, é verdade... — Ela sorriu de um jeito diferente, mais confiante, madura, orgulhosa de ser uma bruxa.
— Ingrata! Eu te mostrei como controlar sua magia. Foi uma falta de consideração e respeito. Ainda mais depois de quase termos... — As imagens de nós dois no túnel apertado novamente se tornaram vívidas na cabeça. — De quase termos... — Tentei terminar, porém meu corpo começou a desfrutar das mesmas sensações daquele dia. Laysla passou a língua pelos lábios, os umedecendo, fiquei os encarando sedentamente.
— Venha... — disse e saiu correndo para a floresta que tinha dentro dos limites do castelo. Segui, um pouco mais lento, mas a alcancei. Seus passos eram curtos em relação aos meus, devido a nossa diferença de altura. De tempos em tempos me fitava, entretanto, disfarçava toda vez que eu a flagrava. Após alguns minutos de silêncio, ela parou. — Aqui... Acho que aqui já está bom!
Laysla acertou coroa em sua cabeça. Os seus cabelos haviam se soltado por completo, estavam armados de um jeito selvagem. Ela não fazia ideia do quanto me esforçava para não agarrá-la vendo-a daquele jeito. A bruxa ofegava descompassadamente, o que levava os seus seios quase saltarem pelo decote. Reparando que eu a cobiçava, arrumou as rendas do colete por baixo do corpete.
— Não devia ter vindo ao meu casamento. Por que está aqui?
— Por mais que esteja aqui por Michel, acredito que a minha presença te favoreça. Se por acaso estourar uma guerra, sou capaz de escolher te proteger. Provavelmente foi o que fiz naquela gruta. Andei pensando muito sobre aquilo. Fui eu quem matou os meus companheiros, não foi?
Laysla assentiu e caminhou ao meu redor.
— Não se culpe por isso. Aqueles homens eram porcos nojentos. Um deles tentou me violentar, sabia?
— Disso eu lembro — Bufei constrangido, porque a imagem depravada deles poderia respingar sobre o caráter do meu povo.
Parando atrás de mim, se esticou e falou perto do meu ouvido: — Mas acredito, soldado, que hoje não defenderia nem a mim, nem ao seu rei. Do jeito que estava longe de todos, achei que escalaria o muro e fugiria apavorado com medo do meu marido.
Virei-me e prostrei. Laysla me olhou intrigada.
— Perdão, Majestade! Não me dei conta dessa minha terrível falha. — Dei uma risada e ela estalou a língua de um jeito divertido. — No entanto, se quiser, ficarei tão perto que espantarei qualquer um que queira se aproximar, inclusive o seu marido. — Levantei e estapeei a calça, retirando a poeira acumulada nas regiões dos joelhos. — E só para deixar registrado.... Eu não tenho medo dele.
A bruxa não disse nada, voltou a andar e só me restou segui-la. Dessa vez fui eu que fiquei retraído. A sua falta de reação à minha brincadeira perspicaz me deixou inseguro. Mas queria aproveitar o momento. Tentei reformular algumas frases que ensaiei quando em casa delirava com ela e torcia para ter uma chance de um dia poder dizê-las. Pois bem, essa era a chance que o destino me dava. Porém uma pergunta tosca escorregou para fora da minha boca: — Qual a sua cor favorita?
Merda, isso não é prioridade!, enquanto em minha mente resmungava, respirei fundo.
Laysla franziu a testa. Tinha me achado um cara estranho, com certeza. Todavia, aquela pergunta até tinha um fundamento. Se por acaso ficássemos juntos, me certificaria de presenteá-la com flores na sua cor favorita todos os dias das nossas vidas.
— Bom... — Ela levou o indicador à boca. — Eu acho que gosto de preta...
— Preta? — exclamei alto demais para o meu gosto e ela soltou uma risada na mesma altura, me deixando mais confortável.
Eu me perguntava: Onde diabos de lugar eu encontraria uma flor nessa cor? E já entendia que a bruxa era uma pessoa difícil de agradar. Mas eu não devia me preocupar com isso. Não tinha que ficar vivendo através de sonhos. A realidade era que em breve eu voltaria para a Amice e a rainha teria uma noite longa e prazerosa ao lado do vampiro. Eu só sei que eu ardia em ciúmes. Que inveja, meu Deus!
— Agora é minha vez de fazer uma pergunta. — Laysla colocou as mãos na cintura, mostrando-se empolgada com a ideia de nos conhecermos. Dei de ombros e sentei numa raiz sobressalente de uma árvore, admirando o seu jeitinho de andar saltitante vindo ao meu encontro. — Vamos lá! O que quer saber? Seja criativa.
Laysla sentou ao meu lado e me encarou. Sua fisionomia mudou bruscamente, ficou muito séria.
— Está feliz, Kairon, com o novo rei? — iniciou, me mostrando o real motivo de estarmos ali. Não era por mim, não tinha sentimentos guardados como eu. Era como se eu fosse uma de suas peças em um tabuleiro de jogo. Meneei a cabeça, pensativo. Jogaria o seu jogo, já que era o que queria.
— O seu rei está tão desesperado por ter perdido os seus soldados que mandou a sua esposa se vender por um pouco de informação? — Um sorriso vitorioso com uma lufada de ar se desprendeu da minha boca ao vê-la ficando vermelha de raiva.
De repente, ao invés da resposta esperada cheia de farpas, ganhei um tapa bem estalado no rosto. A bruxa arfava, parecendo decepcionada com a minha afronta. Fiquei calado por um tempo, indeciso do que era o certo a se fazer. Eu devia pedir desculpas? Devia ignorar tudo e voltar para frente do castelo? Devia desabafar as minhas insatisfações sobre Michel?
— Me desculpa pela agressão. — Ela se antecipou.
— Sou eu que tenho que te pedir desculpas, eu te ofendi. Fui desrespeitoso... Me desculpa... — Toquei a sua mão, apoiada sobre a raiz, e ela observou o carinho.
— Eu esqueço que somos inimigos acima de tudo — falou, girando a mão afagada e entrelaçando os nossos dedos. Seu gesto indicou que desejava o oposto. — Existem coisas que provavelmente não sabe sobre Michel. E certamente elas te fariam odiá-lo.
— De fato tenho algumas ressalvas a respeito dele. Mas como você mesma disse, somos inimigos, não sei até onde posso te contar. Do contrário coloco meu povo em perigo, entende?
— Kairon... — Ela ergueu o olhar ingênuo que eu conhecia. — Não quero mal para o seu povo. Mas eu sei que batalhas virão e eu desejo que as boas pessoas estejam do lado certo. O seu rei traiu o próprio irmão, autorizou matar todos do seu antigo exército... Não é confiável, Kairon. Precisa enxergar isso.
Segurei o meu espanto ao descobrir o parentesco de Luigi e Michel, porém, quanto aos soldados mortos não conseguiu a minha comoção: — Esses homens me torturaram por quase um mês, não fiquei triste quando voltei para casa e os vi pendurados nos postes espalhados pela vila. Mas confesso que não concordei com essa ação afrontosa. Tinham crianças ali... Eles brincavam perto deles, como se nada as abalasse. Acho que já naturalizavam aquele ato cruel. Eu... Eu.. Eu não quero que meu filho perca a inocência antes do tempo.
— Não, claro que não... — Amuada, Laysla respirou fundo e parou de falar por um momento. Os seus cabelos penderam, tapando a visão que tinha do seu rosto quando ela reclinou a cabeça. Segurei ainda mais firme a sua mão.
— O que quer de mim, Laysla?
— Sinceramente eu quero tanta coisa de você, mas seria egoísmo falar.
— Eu não me importo, seja egoísta. Fale o que seu coração está pedindo. — Movi algumas de suas mechas de cabelo para trás da sua orelha. Precisava vê-la, sentir o que sentia.
— Não seria justo com você, nem com Luigi.
— Quer me manter na sua vida em segredo, é isso?
Ela fez uma careta de dúvida, logo suspeitei que meus pensamentos foram por um caminho errado. Se tivesse um buraco no chão, eu enfiaria minha cabeça dentro dele e a enterraria. Fiquei envergonhado por sugerir que me pedia para ser seu amante. Mas não dava para voltar no tempo e retirar as minhas palavras. Na verdade, eu não queria. Estava na hora de lembrá-la que eu a desejava.
— Só para você saber, Laysla, eu estaria disposto se quisesse. Mas não sei se seria seguro para você... Seu marido poderia mandar te matar.
Ela me fitou rapidamente, as vistas marejadas, surpresa. Nada no seu semblante esclarecia o que eu precisava saber.
Diz que me quer, por favor..., torcia, entretanto, nada ela dizia. Apenas arfava, apreensiva.
Suas lágrimas começaram a escorrer. Descobri naquele momento que não suportava vê-la triste. Com isso, me ajoelhei diante dela. Foi inevitável acariciar as suas bochechas e enxugá-las.
A bruxa segurou meu rosto com as duas mãos e encostou a sua testa na minha.
— Kairon, você tem um filho...
— Eu sei. E por isso vou deixar de viver?
— Não quero destruir a sua família... — Soluçava.
Engoli em seco, angustiado. Eu tinha noção de que o que eu pedia era errado, no entanto, me privaria de ser feliz para estar certo?
— Vossa Majestade tem me atormentado todos os meus dias e noites. A sua imagem não sai da minha mente. Eu faço planos com você, eu sonho com você... Eu... Eu queria ter te conhecido antes... Antes de você e eu termos nos casado... Eu não sei mais o que fazer... Não consigo mais ficar perto da minha esposa... Ela me toca e eu... Eu preciso sair de perto.. Eu sei que vou me sentir culpado, se... — Sacudia a cabeça, mas ela, cuidadosa, permanecia a segurando com carinho. — Prefiro migalhas a nada, Laysla...
— Migalhas não matam a fome, e você merece um banquete.
A bruxa me confundia com as suas palavras. Se eu merecia a melhor parte, valia a pena perguntar: — Por acaso, então posso te ter por inteira?
Não me respondeu, todavia, seu choro aumentou. Fechei meus olhos e a abracei forte. O seu corpo pequeno e frágil cabia perfeitamente em meus braços. Eu esfregava as suas costas na tentativa de acalmá-la, quando por dentro eu estava em pânico. Queria ser o seu escolhido, mas sabia que não era. Então fiquei o máximo que me permitiu agarrado a ela, para que o couro da minha armadura guardasse o seu cheiro.
— Eu quero um beijo. Pelo menos um — sussurrei em seu ouvido.
Laysla virou o rosto com dificuldade, mostrava-se amedrontada e insegura. Ainda assim, seus lábios se entreabriram convidativos, fomentando a minha busca por prazer. Minha língua ansiosa pelo seu gosto invadiu a sua boca, envolvendo a sua desesperadamente. Suas mãos massageavam meus ombros, encontrando a alça que prendia a balestra como obstáculo. Não pensei muito, soltei a arma no chão e me sem deixar de beijá-la, também desafivelei o cinto, no qual prendia a espada. A bruxa ousou fazer mais, soltava as fivelas da couraça que eu usava. Assim que terminou, me afastei, precisava tirar aquela peça pela cabeça. Depois ela puxou minha camisa, me deixando com o abdômen completamente exposto.
— Você é tão perfeito — disse com a voz embargada, deslizando suas unhas pelo peito. — Senti saudade de você!
— Nossa! Eu também senti... Senti como se fizéssemos parte um do outro... E as nossas almas fossem apenas uma, e de repente alguém foi lá e arrancou um pedaço... Doeu demais ficar longe de você. Eu te amo.
Ao finalizar minha frase, ela me puxou para mais perto. Havia um algo a mais em seus olhos. Uma certeza de que nada no mundo nos afastaria.
— Se eu te dissesse que em outras vidas nós vivemos juntos, acreditaria?
— Na verdade, explicaria o porquê de eu amar você logo que te vi. E se considerarmos que o que estou sentindo veio transportado de outros tempos, então o que acontece para você deve ser semelhante. O que sentia por mim, você sabe? Você me ama?
Com um leve sorriso, ela assentiu. Não contive o misto de emoções que fervilhava em meu peito, avancei sobre ela com um beijo violento. Com esforço, Laysla escorregava o corpo para frente, descendo de cima da raiz da árvore, enquanto a inclinava ao mesmo tempo até se deitar. Então minhas mãos foram direto na barra do seu vestido e louco para saborear outras partes do seu corpo, levantei a sua saia até a cintura. Laysla não me negou, pelo o contrário, ela gemia precipitadamente, me deixando mais excitado.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top