26- A GAROTA DELE (KAIRON)
Eu não podia estar mais triste com tudo que acontecia. Alguma parte de mim ainda tinha esperança de uma reviravolta na história. Talvez Laysla se desse conta de que Luigi não era tão bom quanto imaginava. Ou quem sabe se eu tivesse coragem de ir até lá e encontrasse uma maneira de contar como eu estava perdido depois que nós nos conhecemos... Quem sabe assim ela admitisse estar do mesmo jeito?
Mas tudo isso para quê?, me perguntava, já que não tinha nada para oferecer, tampouco fugiria com ela para viver um romance improvável longe de casa. Eu tinha que honrar os meus compromissos. A minha casa seria onde estivesse meu filho Henry e a minha... Eu não conseguia nem mais chamar Amice de esposa.
— Droga! — Bufei, parecendo relinchar feito um dos nossos cavalos presos sob a sombra, junto ao portão da muralha.
Encontrava-me parado embaixo de uma árvore na área externa do castelo. Tinha acabado de ver Laysla ao lado do rei, usando uma coroa. Ela agora era a rainha, porém a coroa que carregava na cabeça, cheia de pedras preciosas, não brilhava tanto quanto os seus olhos quando me viram, apesar de tristes.
— Eu não estou louco! É óbvio que também sente algo por mim. Eu não devia ter vindo... Não devia... — cruzei os braços, andando de um lado ao outro, negando com a cabeça. Lembrava de como fui parar naquela situação, torcendo para a anulação do casamento da bruxa com o inimigo do meu povo. — E em pensar que vimos esse vampiro como uma solução para as nossas terras... Inacreditável! — gargalhei ironicamente com a minha fala solitária.
Antes de sermos invadidos por um povo desconhecido, de termos as vilas queimadas e destruídas, de vermos nossos familiares e animais sendo mortos, tínhamos esperança de que o único parente do Conde Augusto assumiria o seu papel, pois sozinhos jamais poderíamos nos manter seguros de ataques. Porém Luigi não demonstrou interesse algum.
Alípio e eu tentamos, lideramos os rebeldes, mas foi necessário nos afastar de onde nascemos, crescemos e enterramos os nossos entes queridos. Vivemos como nômades pela floresta, fugindo do ataque covarde do exército estrangeiro. Eles estavam fortemente armados. E o nosso grupo tinha apenas 3 lobisomens, sendo um deles um idoso que perdia a visão, o nosso pai. Isso não podia durar muito tempo, estávamos longe das plantações. Sentir fome foi terrível, mas ver os nossos filhos pedir pela comida e não ter de onde tirar, nos fez enlouquecer. Foi aí que a coragem de burlar a lei e enfrentar o perigo surgiu.
A arte de roubar e de enganar eram fáceis demais para mim. Passamos de trabalhadores de terras para ladrões experientes em poucas semanas. Eu não lembro direito quando ouvimos pela primeira vez sobre o tesouro do rei Luigi, mas sei que achamos algo impossível de ser furtado. O seu castelo era uma fortaleza. Já tínhamos sondado, quando pensamos em bater nas suas portas para pedirmos ajuda. Contudo, com o tempo os boatos foram sendo propagados e, além de temer uma disputa pelo objeto, meu ouvido foi se acostumando à ideia. Então, assim que Alípio me contou que teríamos apoio de um traidor da corte, persuadi o nosso grupo a nos apoiarem. O nosso destino mudaria, porque o tesouro, a harpa com o poder de manipular qualquer pessoa, nos deixaria ricos.
Entretanto, o vislumbre inicial foi se apagando, dando lugar a questionamentos coerentes: Por qual motivo esse traidor nos procurou?
Perguntei a Alípio que era o único que se encontrava com ele, enquanto eu permanecia no acampamento o protegendo com os outros rebeldes. Nunca tive a informação da identidade do homem. Apenas sabia que usava uma capa, a qual cobria metade do seu rosto. Foi então que meu irmão revelou que o tal homem não era um simples traidor, ele tinha grande influência por várias terras, era um excelente cavaleiro, falava como um rei e queria ser um. Segundo o desconhecido, ele tinha uma ligação direta com Dagda, seríamos abençoados com a sua fartura quando estivéssemos debaixo da sua liderança. Confesso que pensei em desistir por não saber nada sobre essa divindade.
Quanto mais o dia do golpe se aproximava, meu coração se alarmava, dando a sensação de mau pressentimento. Eu não confiava em nada que Alípio trazia sobre ele. Então na madrugada que antecedeu ao roubo, fui até uma parte isolada da floresta, me ajoelhei pedindo a confirmação a Dagda de que estaria conosco. Chamei por ele, e um cervo enorme apareceu, tinham os chifres reluzentes e retorcidos que mais pareciam arabescos orientais.
Ergui-me calmamente com receio de afugentá-lo, mas permaneceu comigo, bem quieto. Em seguida, alisei o seu dorso de pelos castanhos macios e fui subindo até tocar o seu focinho. Os grandes olhos azuis refletiam o meu rosto. No entanto, me vi com os olhos dourados. Eu estava em um lugar diferente. Parecia um alto de um monte e atrás de mim uma tenda iluminada do lado de dentro. Nela, a sombra de uma mulher se destacava, grávida, gesticulando como se falasse com outra pessoa. Mas nitidamente estava sozinha. O medo da mulher era quase palpável, senti um calafrio como se o transferisse para mim. De repente, escutei um sussurro em meu ouvido: — Sim...
A resposta que eu precisava não podia ser mais clara. Fui agraciado pela visita da divindade, senti como se me desse a liberdade para perguntar por algo a mais. Era sobre o futuro rei. Podíamos entregar a nossa confiança em suas mãos? No entanto, um ruído me fez sair do transe. Fitei a minha retaguarda e me deparei com meu filho surgir por entre as árvores.
— Henry, deveria estar com a sua mãe... — falei no tom de repreensão. Ele, bocejando e esfregando os olhos de sono, veio em minha direção e me abraçou. Fiquei tão arrependido, porque com os tempos difíceis raramente vivíamos momentos juntos. Abaixei-me, ficando com rosto próximo do seu.
— O senhor vai mesmo embora amanhã? — Ele indagou apreensivo. Não era justo um menino de sete anos passar a infância fugindo da morte. Suspirei.
— Eu vou, mas eu vou voltar logo. Seu tio e eu vamos recuperar a nossa vila, a nossa vida... — Fiz essa promessa, contando com a resposta de quem pensei ser Dagda.
Apesar das instruções do roubo dadas pelo traidor tê-lo tornado o mais fácil de todos e de nelas estarem indicadas cada portas, janelas e cadeados abertos, levei mais tempo do que esperava para reencontrar minha família. E quando soube, depois que retornei para a vila, que o responsável por essa demora se tornaria, constatei a minha suspeita.
Michel agora era o meu líder, me escolheu como um dos cavaleiros fieis, após dizer que a minha prisão não passou de uma triste estratégia:
— Foi uma distração, meu caro. Eu sei que deve ter sido péssimo, mas conhecendo Luigi, nunca te mataria já que pensava que você sabia onde estava a harpa.
Só que não foi Luigi que me amarrou no seu cavalo e me arrastou pela estrada, seu desgraçado!, pensava, certo de que Michel quis que eu morresse.
— Penso que subestimou Luigi, estive perto de morrer várias vezes, vossa Majestade. — Fui sarcástico. Ele ainda não tinha sido consagrado a rei, não estava no seu castelo, mas sim dentro de uma tenda no meio da minha vila e junto com ele se abrigava uma velha de pele pálida e cabelos ondulados, com um cheiro ferroso igual a de um vampiro. Vi que me encarava morbidamente. Não chegaria perto.
Michel deu de ombros e gargalhou, arqueando as duas sobrancelhas exageradamente grandes: — Talvez se não tivesse sido arrogante, nem tivesse ameaçado a garota dele...
A garota dele...
A garota que reinava em minha cabeça.
A garota que eu veria se casar com outro, porque o meu líder me designou a função de protegê-lo nesse dia.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top