24- LOBO DE PRESENTE (LUIGI)
Michel... Traidor...
No instinto, puxei Laysla e a resguardei em minha retaguarda. Ela apertava meus braços com apreensão, observei que os seus dedos e unhas escureciam.
— Laysla, não... — murmurei, preocupado. Ela não podia usar magia na frente dos nobres e dos sacerdotes da igreja, nos colocaria em risco.
— Felicidades ao casal! — disse meu irmão se aproximando. No entanto, o penetra trouxe com ele duas outras companhias que surgiram logo em seguida: Kairon e Alípio.
O caçador encarou a bruxa e de imediato ela suspirou. Suas mãos se afrouxaram e se distanciou alguns passos de mim. Eu soube que cada segundo que passava, tendo ele a sua frente, eu a perdia.
Kairon tentava mirar outro lugar, mas não conseguia. Seus olhos sempre voltavam para ela. Ele se esforçava para vê-la ao meu lado, tentando se convencer de que ela nunca seria sua. E eu me esforçava para não saber o que ele pensava sobre ela, no entanto, eu falhava. Era inexplicável como os sentimentos dos dois ultrapassaram a barreira dos ciclos.
Todavia, eu precisava ser frio quanto essa situação, então tive que ignorá-los. Com um olhar meticuloso, apesar de ainda não estar de noite, comecei a varredura do local me certificando de que tínhamos prata suficiente no casamento: os talheres, os jarros, as espadas nas mãos dos meus soldados, minha máscara, até mesmo em nossas roupas. Tudo foi pensado. Não saberíamos onde, nem em que circunstâncias estaríamos, caso algum lobisomem resolvesse aparecer. Por isso, um fio na costura ou no bordado do vestido de Laysla e no meu gibão, podia ser bem útil.
— Não recebi o convite — Michel parando face a face comigo, me provocou. Os convidados ficaram tensos. Embora boa parte da nobreza o conhecesse como o comandante do meu exército, era notório o combate que se firmava por poder.
Suas vestimentas, tanto as dos outros dois mostravam força. Estavam bem equipados com armaduras feitas de couro e aço. Além de armas. Eles carregavam uma espada e uma besta nas costas. Cada um deles.
— Foi uma cerimônia feita às pressas. Meus mensageiros te procuraram pelos reinos que te ofereci, mas não o encontraram. Talvez estivesse perambulando em terras que não me pertenciam. Vá saber!
Meu irmão soltou uma risada abafada, colocando uma das mãos na bainha da espada presa a sua cintura. Não tive medo, ele e Alípio não eram um problema naquele momento, somente o caçador. Kairon agora sabia se transformar mesmo de dia. E como eu tinha algo que desejava fortemente, podia ser o seu estopim.
Mas eu vi em sua mente que se martirizava por cobiçá-la. Tinha vontade de ir embora e eu ajudaria a decidir por isso. Então iniciei o meu discurso:
— Bom... — Abri os braços e andei lentamente sobre o platô de uma ponta para a outra. — Como vocês podem ver, hoje é o dia mais importante das nossas vidas. — Fui até Laysla e a puxei pelo pulso, forçando-a estar ao meu lado. Ela, com raiva da minha atitude, uniu as sobrancelhas numa só linha e semicerrou as vistas marejadas. — A rainha e eu estamos muito felizes e gratos por vocês fazerem parte da nossa história. Vocês contribuíram para que literalmente o meu sonho se tornasse real, na procura da minha prometida. Aqui, na frente de todos, quero aproveitar para agradecer ao meu melhor soldado. — Apontei-Michel e sorri sarcasticamente. Ele assentiu para mim e depois para alguns dos convidados que o parabenizaram com gestos silenciosos. — Foi ele que encontrou a minha maior riqueza, a minha esposa. — Virei para Laysla e de forma bruta, agarrei-a pela cintura e finalmente a beijei. Um beijo duro, sem sentimentos bons, sem sabor. Ela ameaçou me empurrar, mas permaneceu por consideração ao nosso trato. Os olhos abertos esbugalhados, quase me fuzilavam. Porém demorei a recuar, enquanto eu sentia o cheiro do outro, a manteria presa em meus braços. E como o esperava, o caçador não suportou nossa felicidade. Soltei a bruxa e imediatamente conferi o lugar em que se encontrava anteriormente e somente Alípio ocupava ele. O meu plano tinha funcionado. Estaríamos seguros enquanto ele estivesse longe. — Agora, homens e mulheres do meu reino, o pátio está aberto para a valsa. Dancem, dancem! — Fiz um sinal para os músicos voltarem a tocar.
Laysla arrancou o seu pulso das minhas mãos, as lágrimas escorrendo no rosto, o corpo trêmulo. Eu não soube o que dizer, o que precisava ser feito, foi feito.
Com a voz embargada e murmurando por entre os dentes, avisou: — Vou para o meu quarto. E não venha atrás de mim...
A rainha saiu andando, a renda do seu vestido carregava pétalas de rosas vermelhas que decoravam o chão para a nossa dança. Olhei a minha volta, Michel interagia com o pessoal que conhecia, como se o seu objetivo real fosse celebrar a minha união. Os outros convidados dançavam, enquanto Alípio parecia uma estátua enorme parada na porta do salão. O irmão de Kairon também era forte e alto como ele. Deveria ser coisa de lobo.
Passei pelo meio da valsa e me aproximei do soldado que ficou à frente dos cuidados daquele evento, dei as ordens de matar qualquer um que iniciasse um confronto.
— Gaspard, se por acaso perder a sua espada, use algo de prata, não esqueça disso — enfatizei, tocando o seu ombro. O homem em questão tinha sido o meu tutor, o principal cavaleiro do exército do meu pai, que me ajudou a comandar o reino quando não pude assumir o trono por ser um mero adolescente.
Deixei o jardim, observando por cima do ombro a silhueta de Alípio me vigiando, porém ele se manteve estático. Não estava naquele momento em ataque, mas sim, na defesa do seu rei, se precisasse.
Quando saí do campo de visão das pessoas, acelerei os passos com a velocidade de um vampiro e voltei ao disfarce quando chegava ao lado dos meus novos guardas no hall principal.
Do portão, vislumbrei Kairon, sozinho, com os braços cruzados, revivendo as memórias do que teve com a minha esposa dentro da gruta. Eu queria avançar sobre ele, obrigá-lo a apagar tudo que teve com Laysla. Fazê-lo esquecer que ela existia. Estava colérico de ciúmes, porém saber que o que ele lembrava não era nem dez por cento de suas vidas juntos, me confortava.
Eu precisava consertar as coisas com ela. Então me afastei dos guardas e me teletransportei para o corredor, em frente ao seu quarto. Bati na porta, mas não atendeu.
— Laysla, precisamos conversar. Eu tenho uma explicação para o que fiz. Me desculpa ter te usado.
Nada de resposta. Então bati mais uma vez na porta, depois outra vez e outra e outra.
Agucei os meus sentidos e estranhei o silêncio exagerado. Embora seu cheiro estivesse presente, era suave. Isso poderia significar algo. Óbvio que os seus pertences mascarariam a sua ausência, pois os seus lençois, roupas, toalhas, todos tinham o seu aroma entranhado neles.
Não pude evitar, cogitando a sua fuga, invadi o quarto e me deparei com um fato assustador: eu estava certo.
A bruxa deixou a porta secreta escancarada, nem fez questão de ocultar. Fiquei sem reação no primeiro instante, não dava para acreditar que me abandonava naquela altura. Observei a túnica no cabideiro feita para a nossa noite de núpcias e ódio percorreu todas as veias do meu corpo. Aos berros, lancei alguns dos seus objetos contra a parede. O espelho, o candelabro, virei o armário com suas roupas no chão.
Saía para o corredor, a fim de buscá-la à força. E foi quando o vento que entrou pela janela do seu quarto soprou alguns papéis para fora dele. As quatro folhas dançaram sobre as minhas botas, depois percorreram rumo à escada. Corri e peguei uma por uma. Imaginando que fosse uma carta de uma despedida premeditada.
Os dois combinaram..., supus estarrecido, enfiando os papéis no bolso do gibão. Tentei me teletransportar algumas vezes, porém o efeito do sangue de Laysla havia acabado. Entrei em pânico, visto que agora eu estava fadado a morrer pelo Sol. Era tudo que eles precisavam para se distanciar do castelo.
— Guardas! Guardas! — gritei. E sem querer chamei toda atenção dos visitantes para mim. Alguns dos soldados dispostos no jardim chegaram correndo, com as espadas colocadas em posição de ataque. Michel e Alípio também se aproximaram intrigados com a confusão estabelecida. — Preparem as carruagens! Andem! Sejam rápidos!
— Onde está a sua esposa? — Meu irmão perguntava, com um semblante satisfeito. Fitei-o com um olhar incisivo, me recordando de tudo que eu presenciei na noite em que meu exército foi abatido pelos lobisomens. Dessa vez eu não teria pena, o mataria nessa vida com gosto, sem nenhum pingo de remorso.
Ignorando a sua pergunta, marchei para o Hall quando ouvi o som agudo das ferraduras dos cavalos ficando mais alto. Só que para a minha tristeza, o Sol estava a pino. Não havia sombra alguma para onde quer que eu olhasse.
A carruagem parou diante de mim, num curto espaço de apenas quatro metros, mas não pude ir. Fiquei me perguntando se valia a pena o risco. Eu me queimaria, me tornaria novamente um monstro. Isso se eu não morresse por alguém que em todo tempo me menosprezou.
Ela nunca vai me amar..., A realidade foi mostrada da pior forma. Não consegui segurar por mais tempo as lágrimas.
Senti uma mão pesar em meu ombro, Michel praticamente encostou a boca em meu ouvido e, debochado, sussurrou: — Espero que a sua noiva esteja se divertindo com o lobo que trouxe de presente para ela. E os seus, trago outra noite, já tem muita coisa para se preocupar, irmão...
Estava desnorteado demais para revidar sua provocação. Assim que ele e Alípio partiram, ordenei aos convidados que se retirassem. Os padres e o Bispo insistiram em esperar um pouco mais, orariam por mim, pediram que eu tivesse esperança de que a rainha voltaria.
De frente para eles gargalhei, lendo nas suas mentes pervertidas o real motivo: aqueles velhos safados só estavam ansiosos para presenciarem a consumação do matrimônio. Vi que três dos cinco praticavam o sexo dentro da igreja com as fiéis, apesar de ter feito os votos de castidade. Em seguida, contendo a risada que credibilizava a minha fama de louco, falei:
— Minha esposa não foi embora, reverendo. Ela só tem como costume o passeio pela floresta. Como cresceu isolada no alto de uma montanha, ainda não se sente relaxada em meio a tantas pessoas. Agradeço as orações, mas não são necessárias. Não se preocupem. Ela está bem, eu só gostaria de tê-la acompanhado... — menti, por mais que a odiasse naquele momento, não suportaria ser surpreendido com a sua morte, caso alguém tomasse as minhas dores, cogitando o seu adultério. — Mandarei o lençol manchado de sangue a vocês. E se deem satisfeito por isso.
Desolado, tranquei-me em meu aposento. Os falatórios que corriam sussurrados de ouvido em ouvido diminuíram. Restaram apenas as hipóteses que meus funcionários criavam sobre o surto que viram. Mas com eles eu já estava acostumado.
Só então parei, me sentei na escrivaninha, observando o grande quadro de Laysla pendurado na parede. Enfim tomei coragem e abri o que pensei ser a carta deixada para mim. Iria descobrir de uma vez por todas o motivo da bruxa escolher me fazer sofrer.
Folheei os papéis, percebi que estava equivocado. Não era uma carta.
Reconheci os personagens do livro "Meu caçador e eu", a ficção que Laysla escreveu nos outros tempos. Mas parecia diferente, aquilo aguçou a minha curiosidade, porque era sobre a vida que eu não tive muito acesso, a que teve ao lado de Kairon.
Tirei a máscara, esfreguei o meu rosto, joguei-me para trás na poltrona, reflexivo.
Eu devia mesmo ler aquilo justamente no dia em que perdi de novo ela para ele?
Pela primeira vez consciente, após me sentir humilhado, decidi por um ponto final na nossa história, onde me via amando sozinho por toda a eternidade.
Cruzei as pernas e elevei os papéis mais próximos do rosto. Leria, porque talvez sabendo o quão perfeito foram um para o outro, depois de todo o sofrimento que eu causei a eles, eu aceitasse o destino imperfeito que eu merecia.
Logo, um trecho específico sobressaltou aos meus olhos.
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