16- QUEM ELE ERA (LAYSLA)


Oi, amigas. Tudo bem? Se você leu o capítulo 15 logo que postei, primeiro eu quero avisar que eu mudei um trechinho no final. Não mudou nenhum acontecimento. É só questão de deixar mais bem dividida a história. E agora, boa leitura!


No escuro, o lobisomem se distanciava... O monstro, o homem e o caçador...

Eu tentava assimilar o que tinha ocorrido, compreender o porquê dos meus sentimentos se equivocarem, quando tinha tanta certeza de que era o rei que eu queria.

Foi mesmo real? A fuga, a magia, o beijo, todo aquele desejo? Não, não parecia real... Não podia ser...

Olhei para minhas mãos e com os polegares esfreguei as pontas dos outros dedos. Eles ainda carregavam a textura de sua pele. Nos meus lábios tinha o gosto dos seus lábios. E o cheiro do seu suor impregnava a túnica que eu vestia do rei. Arfei, apavorada. Eu era uma traidora.

A culpa me consumiu, porque de algum modo eu permiti que minha cabeça não pensasse em mais nada. Ela foi um completo vazio, sendo enchida apenas pelo o que acontecia naquele espaço e tempo, esquecendo do que realmente importava para mim: a vida de Luigi.

Mas... Por acaso eu tive escolha?, me perguntava, vendo o lobisomem parar a sua corrida, se virar e olhar para mim. Não dava para enxergá-lo com clareza, apenas sua silhueta. Entretanto, ficou ali como um predador, me observava por entre os troncos das árvores.

— Não... Ele me manipulou... — sussurrei.

Não existia outra explicação. Não me soou justo o desconhecido, que mais parecia alguém íntimo de uma vida inteira, dizer que meus olhos eram capazes de enfeitiçar, quando foram os deles que desempenharam esse papel.

Eu fui tão burra!

Nervosa, ofegava. Lembrei do seu peso sobre meu corpo, dos seus toques maliciosos me guiando a perdição, do seu hálito quente em meu pescoço, enquanto sua voz rouca preenchia meus ouvidos. Foi em meio aos seus encantamentos que a pergunta de Morrigan surgiu na ponta da minha língua. Quase a soltei alto, mas guardei-a só para mim, fiz assim também a sua resposta.

— Eu amo o rei, eu amo o rei... — repetia como mantra. Mas uma voz dentro de mim me julgava.

É agora que você diz? Depois de se esfregar com outro homem na gruta, Laysla?

Comecei a chorar me sentindo fraca. Se Luigi saísse vivo dessa batalha, não me acharia digna do seu amor. Eu o perderia. Na verdade, ele me mataria. Mas jamais aceitaria vê-lo morto para me livrar desse fim. Eu tinha que fazer alguma coisa para ajudá-lo.

E foi então que o lobisomem se dispersou. Apesar de ainda estar parado, mudou de foco. Lógico, investiguei o que roubou a sua atenção, porém meus olhos humanos não capturaram com nitidez o corredor estreito e nebuloso na estrada, pois o Sol surgia por trás das montanhas e ofuscava a minha visão.

Deveria ser uma simples neblina no caminho, portanto resolvi ignorar, visto que não teria outra chance. Necessitava de um refém para barganhar pela vida do rei. O lobisomem, distraído, era um alvo fácil. E eu sabia o quão importante era para o seu povo. Kairon certamente não cogitava que usaria a magia que me ensinou a dominar contra ele, porém já desfrutando de uma pequena força sendo gerada no meu interior, iniciei:

— A sua dor retornará... Mais intensa, triplicada...

Os pós de pedra no chão se ergueram alguns centímetros e vibravam quase que imperceptíveis. As folhas secas se juntaram a eles e foram percorrendo sorrateiramente pelo gramado carregando a praga em busca do hospedeiro. Estava sedenta para vê-lo agonizando, mas quando Kairon me encarou de volta, a luminosidade da manhã batia em seu rosto, destacando os olhos amarelos, agora, entristecidos. Ele sabia o que eu fazia? Não tinha certeza, Mas o lupino se virou de costas e me deixou. Cheguei a avançar alguns passos, pois estava longe demais para o feitiço de uma bruxa amadora o alcançar.

Obcecada, descia para a floresta, mas desfrutei de um calafrio na espinha. Parei, envolta numa sensação esquisita de um mau pressentimento e olhei novamente para a estrada. A nuvem de fumaça se aproximava, trazendo um cheiro forte nauseante: alguma coisa morta queimava. Dentro dela, vislumbrei o rei, vestido com uma armadura de aço que derretia em contato com o fogo que brotava pelo seu corpo. Ele tinha os olhos azuis arregalados por trás da máscara, revelando que algo terrível sucederia.

Eu sabia, o Sol era sua fraqueza, logo corri para ele. Por mais que meus passos fossem de uma mera humana, cada segundo era precioso. Eu precisava... Eu tinha que senti-lo ao menos uma vez, mesmo que para isso me queimasse, porque em breve se tornaria pó e se perderia para sempre no balançar do vento.

Então no choque dos nossos corpos, conheci a sua fúria. Com um movimento ligeiro e agressivo, me puxou. Senti-me como uma boneca de palha, mole em seus braços, tendo a gola da túnica rasgada até um pouco abaixo dos seios. Ele me queimava, eu gemia, gritava. Ele era bruto, suas unhas também me machucavam. Luigi afastou o meu ombro do pescoço, me fazendo ouvir o estalar de meus ossos, encaixando ali o seu rosto. Logo, me debruçou para trás e, em seguida, vi sua máscara dourada ser jogada ao chão. Ele iria me atacar, eu sabia. Meu coração aumentou o ritmo das batidas, tornou-se dificultoso respirar. Além de envenenada pela fumaça, agora, seu braço pressionava minhas costelas nos pulmões. Soltei um grunhido agudo me preparando para o pior. Mas ao experimentar o seu beijo doloroso e perfurante na jugular, o grito em minha garganta travou.

O fogo que nos afligia cessou imediatamente, mas o desconforto e as terríveis alucinações, decorrente da mordida me fez questionar sua promessa de proteção. Ainda não conseguia interpretar o que eu via, mas nada parecia falso, imaginação.

Tentei me soltar das suas garras, entretanto, quanto mais eu o empurrava, as suas enormes presas me dilaceravam. Tive medo, pois, enquanto sentia meu sangue borbulhando em sua boca, visitava cada vez mais o seu mundo sombrio.

— Recém-nascidas mortas... — balbuciei em prantos. A visão era perturbadora. Um mar de sangue e as mães debruçadas sobre ele choravam.

De repente, no meio de tantos corpos de crianças, eu vi um adulto sendo esquartejado por um garoto de costas. E quando o assassino se virou, o reconheci. Estava mais jovem, magro, porém os olhos dourados por trás dos cabelos entregavam quem era. — Kairon...

Ao escutar o nome dele, Luigi me soltou.

Tonta e com as vistas embaçadas, consegui distinguir o vulto a minha frente se dirigir a minha direita e se abaixar, provavelmente pegava a máscara no chão. Eu queria estar longe dele, por isso me afastava, tropeçando nas próprias pernas e nos pedriscos, nem ligava com os cortes que ganhava pela falta de destreza na sola do pé. Talvez ir para a beira de um rio que passava ali por perto era o que eu imaginava, buscar alívio nas águas para as queimaduras nos braços, costas, barrigas, pescoço... Porque a magia, com meus sentimentos conturbados, com certeza não funcionaria. Não sentia nem o resquício da sua presença no meu corpo.

O rei se ergueu, mas não veio até mim, ficou parado, como se aguardasse alguma coisa.

Foi então que a dor de cabeça e vertigem me apossaram, me encurvei, prestes a cair, desestabilizada por tamanha gastura, mas Luigi se aproximou e me segurou.

— Não toque em mim! — gritei e ele, contrariado, fez o que pedi.

— Laysla, eu posso explicar... — soprou, com uma voz mansa, contraditória ao monstro que me apresentou. Ignorei e me virei de costas. Não queria encará-lo quando minhas vistas voltassem ao normal, estava profundamente magoada.

— Por que ainda está vivo?

— Você queria que eu morresse?! — exaltou-se.

— Não... Eu... — Arfei e o olhei de esguelha. — Eu pensei que o Sol te mataria.

— Não porque seu sangue me salvou. O seu sangue é diferente, mas é só para mim...

— Porque temos uma ligação... — completei, sem perceber. No entanto, me desliguei da conversa, analisando disfarçadamente o estado que ficou o rei. Com os olhos menos nublados, notei os seus cabelos chamuscados e, agora, ralos. Os fios caíam sobre a máscara que segurava com uma mão bastante debilitada pela queimadura. Engoli em seco, angustiada. Era compreensível o motivo da sua atitude. Todavia, outra coisa me preocupava: — Eu vou me transformar?

— Não... Claro que não — Ele se achegou, porém eu ainda não conseguia estar perto, tinha algo obscuro que circundava nossa relação. Algo que eu não tinha decifrado.

— Eu me sinto diferente. Se isso já não é a transformação, o que é? Me sinto sufocada... Como se eu estivesse presa em um corpo que não é meu. Quem eu sou? — falei baixinho.

— Você? — perguntou com a voz embargada. — Você é a minha Laysla. Não mudou, por isso eu te amo. Vai ser sempre assim. Sempre...

Aquilo soou um tanto doentio. Sacudi a cabeça em negação, não era simples como fazia parecer, porque a cada segundo que passava, surgiam imagens em minha mente, semelhantes a cacos espalhados. O rei estava nelas. Eu precisava reuni-las depressa, dar um sentido a tudo aquilo, era o que meu coração e alma imploravam para minha consciência.

De repente, como em um piscar de olhos, minha mente clareou.

Eu soube quem Luigi era para mim.

O desgraçado voltou no tempo. 

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