13- UM, DOIS, TRÊS, QUATRO... DEZ! LÁ VOU EU... (LAYSLA)
— Quem é você, que me insulta sem me conhecer?
— Quem disse que não te conheço, bruxa? Você me defendeu na estrada.
No primeiro momento, franzi a testa, recriminando o seu atrevimento. Porém depois, desconfiei que não era o prisioneiro.
— Não sei se devo acreditar em você... — confrontei-o e ele permaneceu calado. Andando na ponta dos pés, cheguei no início de um túnel, enxerguei uma luz fraca e imaginei que fosse o seu fim. — Não acho que seja o mesmo moço da estrada. Essa voz parece mais a de um monstro, não a de um homem.
— Hum... — Ele murmurou. — Se você for uma bruxa medrosa e imprestável, pode ir embora. — Ele conseguiu me provocar com aquela fala. Sacudi a cabeça, descrente do que eu faria. Segui pelo túnel e já chegava perto da saída. — Bruxa, a sua ajuda é muito bem vinda nesse momento. Sei que não foi embora. Estou sentindo o seu cheiro. Já está aqui... — Ele tinha razão. Respirei fundo, tomando coragem, eu estava encostada atrás do portal rústico feito de pedras. Observava o local de teto curvilíneo, com celas gradeadas dos dois lados e ao fundo, uma porta de madeira. Outra coisa que me chamou a atenção foi que no chão uma sombra descrevia perfeitamente como era enorme esse monstro. Isso me deixou trêmula. — Ei, mademoiselle... Não vou te fazer mal... — Ele bufou. Cutuquei a barra da túnica de tanto nervoso que eu sentia. — Você não é covarde...
Eu sou sim..., pensei.
— Chegue mais perto, por favor... Eu só preciso que tire a minha dor. Pode fazer isso?
Não respondi. Esperei alguns segundos, então escutei novamente o seu grunhido. O monstro falava a verdade, estava sofrendo. Decidida a ajudá-lo, soltei o ar comprimido nos meus pulmões e me atirei rapidamente no recinto antes que a vontade de desistir retornasse. Foi quando vislumbrei aquele ser estranho de quase três metros de estatura. Sua cabeça, semelhante a de um lobo, era gigante, assim como seu corpo coberto por pelos. Seus dentes afiados ficavam aparentes conforme ofegava. Ele me dava medo, mas ao mesmo tempo, por estar com os olhos fechados, mostrava que minha presença o afetava. Por que não me olhava?
— Você é o lobisomem e também é o homem na estrada? — sussurrei. Ele assentiu. Mordi o lábio, encucada.
Observei seus dedos fechados em volta das hastes de ferro da cela e visualizei o tamanho das garras. Aproximei-me, comparando nossas diferenças de altura. Minha cabeça chegava um pouco abaixo do seu peito. Eu seria uma presa fácil para ele, caso estivesse solto.
— Bruxa?
— Oi! Ainda estou aqui.
— Eu sei... Não vai começar?
— É que... Eu quero saber como são os seus olhos. Qual é a cor? — revelei de repente.
— Por que pergunta isso, quando deveria se preocupar com o que me aflige?
— Eles são vermelhos? — ignorei-o. Percebi que sua fisionomia mudou. Provavelmente não gostou da minha intromissão.
— Não perca tempo com isso... Comece a sua magia logo! — ordenou ele.
Achando um absurdo, retruquei, desaforada:
— Quem é você para exigir alguma coisa de mim? Eu sou a futura rainha e você... Você é só um prisioneiro. Deveria estar sendo simpático comigo... Tentar me agradar... Por que não abre logo os seus olhos? Eles são verdes? Azuis? Pretos?
— Bruxa! — Ele me calou, avançando com uma de suas mãos para fora da cela e agarrando o meu pescoço. Fiquei estática com os olhos arregalados e marejados. O lobisomem me ergueu, mas sem tirar meus pés do chão. Logo aproximou o focinho da grade perto do meu rosto. — Você não sabe o poder que os olhos de uma bruxa tem?
— N-Não... — disse, trêmula.
— Eles são capazes de atrair para si quem ela desejar...
— Isso é... É bobeira.
— Talvez seja, mas prefiro não me arriscar... — respondeu com as pálpebras bem fechadas. — Os meus olhos são amarelos. Um amarelo forte e brilhante... — finalizou, me descendo com cuidado e depois se virando de costas para mim.
Fiquei assustada com as feridas de queimaduras, que deixava sua carne exposta e sem pelos, iam dos ombros até a lombar.
— Olha bem para isso, futura rainha. Veja como o rei tem se divertido por esses dias.
Desviei o meu olhar, desfrutando de um aperto na garganta. Eu não concordava com aquilo, mas, também, precisava confiar em Luigi. Há poucas horas ele havia me salvado de uma criada traidora. Talvez punir a besta fosse o correto a se fazer.
— Se o rei fez isso, é porque mereceu! — rebati.
O lobisomem moveu o rosto ligeiramente para o lado, como se me olhasse por cima dos ombros, mas não abriu os seus olhos, se manteve firme no que . Porém, nitidamente estava possesso, rosnava como uma fera raivosa.
Dei alguns passos para trás, receosa do que era capaz de fazer. No entanto, esbarrei em alguém, que me segurou pelos ombros e em seguida me empurrou no chão. Não consegui ver quem era, pois, rápido, ele se lançou sobre mim e travou o meu rosto com seu antebraço, quando bati minha testa no solo de pedra. Minha visão embaralhou no mesmo instante.
— Não me toca... Não me toca... — pedi, sentindo uma de suas mãos subindo minha túnica.
— Ei, fica quietinha, puta — Ele disse com os lábios encostados em meu ouvido.
Eu nunca tinha ouvido aquela voz no castelo, não era alguém que eu conhecia. Percebi que estava certa quando o lobisomem abriu os olhos e confrontou o sujeito com sua voz inquietante:
— O que está fazendo, Rubem? Solte logo ela!
Ele era um dos seus? Fiquei desolada. Qual era a intenção deles comigo? Me matar?
Como ele teve coragem de julgar Luigi? Fez isso para me confundir? Para confiar nele e libertá-lo?
— Kairon, o seu irmão me mandou te buscar e levar a garota.
O lupino esmurrou a grade e o repreendeu:
— Seu estúpido, com certeza ele não te mandou estuprar ela! Isso é repugnante!
— Que mal tem eu aproveitar um pouco? Já faz mais de um mês que eu não toco numa mulher. Isso é culpa desse seu plano louco!
Imediatamente olhei para a cela e a besta esquivou o seu semblante envergonhado. Tudo o que acontecia era por causa dele.
Eu estava a ponto de ser violada, sendo tocada por uma mão grossa e nojenta, também sentindo um bafo quente de bebida no meu pescoço. Mas o movimento que o desconhecido fazia em descer a sua calça era o que mais me apavorava.
O lobisomem urrou, porém o seu amigo estava obstinado, nada o pararia.
— Por favor, não... — Eu implorava, torcendo para que o vampiro chegasse e me salvasse. Por mim ele podia matar os dois e deixar seus corpos em pedaços, expostos e espalhados pelas praças públicas. Seria o meu primeiro recado para quem quisesse nos atacar. Nunca mais eu iria questionar os métodos perversos do rei, eram eles que nos manteriam protegidos.
Fechei os olhos, buscando dentro de mim aquela força que era capaz de abalar as estruturas. No entanto, se manteve escondida no meu interior. Eu ainda não tinha controle sobre ela. E quando abri os olhos, procurando outra solução, talvez uma pedra pelo chão. Na verdade, qualquer coisa... Enxerguei um metal enterrado no piso perto da escada de acesso a porta.
Testando novas maneiras de agir como uma bruxa poderosa, balbuciei enquanto mentalizava o objeto vindo em minha direção: — Eu tenho poderes... Sou uma bruxa. Venha para mim... Venha...
Estiquei o braço e continuei pedindo. O objeto começou a subir, vi que era um machado. Ele era desenterrado do chão, como se uma força invisível o arrancasse. Aliviada, abri minha mão pronta para agarrá-lo, mas ao invés de vir na minha direção ele se ergueu, passando direto por mim numa velocidade sobrehumana. E antes que eu pudesse conferir para onde ele tinha ido, o peso em minhas costas desapareceu, dando lugar a um líquido espesso se derramando por todo meu corpo. Olhei para o lado e vislumbrei um mar de sangue.
Não perdi tempo ouvindo o som do machado esquartejando um corpo, rastejei para o mais distante que consegui e tentei me levantar. Eu temia ser a próxima vítima e também, o que veria. Porém minhas pernas bambas, não permitiram que eu fugisse.
Logo me virei e dei de cara com uma cena que me causou repulsa. O lobisomem não era mais um lobisomem. Já tinha voltado à forma de um homem, mas ainda assim, não parecia humano, tinha esguarçado a grade e se libertado sem ajuda de ninguém. Ele, nu, com o corpo respingado de sangue, arrancava as tripas do meu agressor e eu via o prazer que tinha nos seus olhos dourados. Continuava descontrolado, despedaçando o desgraçado com muita fúria.
Tapei minha boca, mas mesmo assim, um soluço do tamanho pavor que eu possuía escapuliu. Baixo, todavia, alto demais para os seus ouvidos sobrenaturais. Ele levantou o rosto e sorriu de um jeito esquisito para mim. Aquele sorriso mexeu comigo. Eu tinha o visto em algum lugar. Talvez em um dos meus piores pesadelos.
Aquele homem alto, com os músculos dos braços, pernas e abdômen extremamente definidos, cujas veias saltavam sobre a pele suada, veio caminhando na minha direção. Os cabelos castanhos bagunçados, na altura do queixo, cobriam parcialmente os seus olhos, os quais me encaravam com muita ambição. Ele arrastava o machado no piso e eu andava de ré, olhava para porta de madeira na minha retaguarda, sabendo que se ela estivesse fechada não teria para onde fugir. Eu estava cercada. Seria impossível contornar o assassino. Era grande demais, ocupava mais da metade do corredor.
Assim que eu subi uns degraus da escada que dava para a porta e toquei a maçaneta, constatei que estava trancada. Comecei a chorar, socando-a, no entanto, ninguém a abriu. Perdi a esperança, quando as mãos grandes e firmes daquele homem apertaram a minha cintura. Num gesto rápido, ele me puxou e me desceu da escada, me girou e me pôs de frente para ele, me olhando fixamente nos olhos. Agora ele não tinha receio do que o olhar de uma bruxa podia fazê-lo?
— O que vai fazer comigo? Vai me matar? — Arfei.
Ele suspendeu o machado, encostou a lâmina em meu pescoço e logo respondeu com um timbre mais rouco do que quando um lobisomem:
— Brincar... Vou brincar com você...
Não consegui compreender. Piscando os olhos algumas vezes pela ansiedade, tentei analisar o machado. Eu não podia respirar, pois qualquer movimento brusco o faria me cortar. Ele deslizou o objeto até a altura do meu peito, onde batia acelerado o meu coração. E com aquele maldito sorriso, sem um pingo de piedade, debochou:
— Tum... Tum... Tum... Tum... O seu coração é barulhento! Está nervosa, Laysla?
Encarei-o, surpresa. Como sabia meu nome?
— Eu vou fechar os olhos e contar até dez, depois vou sair atrás de você — Ele avisou.
Suspirei, exausta com tudo que acontecia naquela única noite.
— Por que está fazendo isso comigo? — indaguei com a voz embargada.
— Porque eu sou um caçador — concluiu, escondendo os olhos dourados com uma das mãos e se encostando na grade de uma das celas. — Vamos, bruxa, se concentre...
O quê? Ele está falando sério? É para eu correr?
— Um...
Tirei os sapatos. Eles eram grandes demais para os meus pés, eu tropeçaria de novo.
— Dois...
Avancei e saltei o corpo destroçado.
— Três...
Corri. Corri no breu que ampliava o horror que vivia.
— Quatro...
Foi então que eu o ouvi gargalhar, pois planejava burlar a própria regra da contagem.
— Dez... Lá vou eu, bruxa.
Nunca imaginei que eu pudesse me apaixonar por alguém nessa situação, mas foi exatamente o que aconteceu.
Ahhh... O caçador finalmente chegou pra ficar.
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