21- NOSSOS VOTOS (LAYSLA)

O grande dia chegou, eu estava acordada há duas horas me arrumando para a cerimônia que seria às nove na igreja no meio da cidade. Depois de um banho longo com ervas e lavandas, meus cabelos recebiam a atenção de dois dos melhores cabeleireiros da nobreza.

— Graças a Deus consegui terminar a tempo... — Dona Amélia entrou pela porta do quarto fazendo um estardalhaço. A costureira equilibrava nos braços estirados uma túnica branca com babados na gola, no pulso e bainha. Também tinha um cordão fino trançado da mesma cor do tecido que podia ser puxado abaixo do busto, franzido a saia.

— Para que isso? Devo colocá-la sob o vestido? — perguntei no meio de uma pausa que os cabeleireiros fizeram. Eles estavam exaustos, nunca vi o meu cabelo tão embolado quanto naquele dia, pareciam um ninho de pássaros.

— Senhorita, esse te esperará aqui no seu quarto para a noite de núpcias. Usei o tecido menos transparente possível. Não queremos as testemunhas observando mais do que devem.

— Testemunhas?! — espantei-me.

Eu me via entregue a uma pressão que foi se acumulando de uma forma inimaginável. Luigi estava certo quando disse que eu levava a sério demais. Mas como separaria as coisas? Por dois dias eu só ouvi falar sobre herdeiros, o modo que uma rainha deve agir, o quanto o povo precisava de mim, e como devia fazer o rei feliz.

Saí pelo corredor vestida apenas com a roupa pós banho. Parte do meu cabelo estava presa no alto e pelo peso, acredito que o pente estava enfiado nele. Parei em frente à porta do quarto de Luigi e dois antigos jardineiros, promovidos a soldados do rei, me impediram de entrar.

— Vossa alteza real não se encontra — avisou um deles.

— Como ousam mentir para a futura rainha? Abram logo a porta, eu quero falar com o rei! — blefei. Eu sabia que Luigi estava em algum lugar do castelo, ainda não tinha bebido do meu sangue. Poderia vasculhar por trás das passagens secretas, no entanto, o movimento de pessoas por todos os ambientes não me permitiria manter o esconderijo seguro.

Os homens de quase dois metros se olharam e se afastaram da maçaneta. E logo que abri a porta e vislumbrei Luigi sentado à escrivaninha, eles falaram parecendo ensaiados: — Ela nos obrigou, Majestade.

— Covardes! — soprei baixinho, fitando-os de esguelha.

Luigi pegou a máscara sobre a mesa e a colocou. O rei fazia de tudo para tornar impossível eu investigar a sua recuperação. Mas vi que seu rosto estava quase curado. Os buracos já tinham se fechado e nos trechos onde estavam, deram lugar aos músculos.

Aproximei-me e ele me olhou como quem diz "não devia estar se arrumando?". O seu olhar semicerrado se manteve fixo no alto do meu cabelo e eu tive a certeza do quão estranha eu estava.

— Bom dia! Em que posso te ajudar, minha noiva linda?

Bufei uma, duas, três vezes por causa do seu sarcasmo.

— Você não me contou que teremos uma plateia no quarto. Como iremos fingir a consumação, se eles estarão aqui?

— Porque não irá acontecer dessa forma. Eu mesmo já tinha esquecido desse detalhe. — Ele mentia descaradamente, percebi que o quarto estava arrumado para isso, até cadeiras tinha perto da cama, três em cada lado. Além de uma túnica branca pendurada no cabideiro.

— Não insulte a minha inteligência. Quem virá nos ver? E se eles cismarem com isso?

— Você e eu não temos família... Viriam só algumas pessoas da igreja e alguns nobres. — O Primogênito deu de ombros.

— Isso é ridículo. Não vai acontecer.

— Foi o que eu disse.. Não vai acontecer. Fica tranquila, Laysla — completou o rei, se levantando e se achegando devagar. Respirei fundo.

Luigi moveu as poucas mechas de cabelos penteadas para trás dos ombros, me puxou pela cintura, encarando o lado direito do pescoço e suspendeu um pouco a máscara, deixando somente a boca de fora.

— Posso? — Ele lambeu os próprios lábios, já curados, os quais eu encarei em dúvida se estavam mais bonitos do que antes da queimadura.

Assenti, já desfrutando mentalmente de uma prévia sensação da mordida, que era dolorosa, agoniante, mas muito prazerosa. O rei cravou seus caninos em minha jugular e eu senti os seus lábios friccionando a minha pele. O seu toque gelado brasando todo o meu corpo. O modo como suas mãos me acomodavam em seus braços, determinavam que naquele momento eu era sua propriedade, a sua presa. E a minha quietude dizia que eu queria tanto isso quanto ele. Ficávamos confortáveis enquanto permanecíamos nessa posição.

Assim que terminou de me sugar, limpou a boca nas costas da mão e voltou à escrivaninha para escrever. Luigi se concentrou, parecia ter esquecido em instantes da minha presença no quarto. Não pude conter a minha curiosidade, o que tinha naquele papel que anulou as trocas de olhares envergonhados e seduzentes que ocorriam após a sucção?

— É uma carta? — indaguei, me esticando para frente. Ele guardou a pena num estojo de madeira, tampou o pote de tinta, depois sacudiu a folha para que secasse a escrita.

— São os meus votos... Já escreveu os seus?

A minha resposta foi um sorriso sem jeito. Com todo aquele reboliço era óbvio que deixaria alguma coisa passar. Retornei para o meu quarto e enquanto me adornavam com joias espalhadas por todo o corpo, tentei rascunhar o que diria. Mas nenhuma frase saiu. Na verdade, escrevi apenas o nome do noivo. Tive um bloqueio criativo e certamente era o que também aconteceria se eu cogitasse improvisar na frente dos convidados.

Quando me vi sozinha, comecei a andar de um lado ao outro no quarto, vestida como uma noiva real, esbravejando alguns palavrões cabeludos. Não era do meu feitio, mas as circunstâncias pediam por aquilo.

— Luigi, eu... eu... eu sou grata por... Ai, merda... Você é grata pelo quê, Laysla? — Apavorada, fechei os olhos e amassei o papel molhado pelo suor das minhas mãos.

Foi então que lembrei do manuscrito. Eu tinha escondido as folhas no dossel. A estrutura, com quatro hastes de madeira, tinha na base retangular superior cortinas presas a ela, que me protegiam de mosquitos e do frio, mas também camuflavam a caixa escura que coloquei no alto do lado interno.

Subi no colchão e peguei. Retirei das experiências que tivemos em outras vidas algo sincero. Foi um pequeno trecho, apenas para não passar em branco, mas vindo do coração.

Ouvi a batida na porta e paralisei, estava na hora, eu sabia. Vinham me buscar para cerimônia. Fui até a mesa e me apossei do buquê de lírios da paz que a criada adolescente colheu naquela manhã para mim. O Sol estava tinindo. Olhei pela janela antes de sair para o destino final. A recepção, montada no jardim, tinha mesas com lindos arranjos arrumados conforme o rei ordenou. Meu coração batia na garganta, me fazendo ofegar com lágrimas nos olhos.

— Senhorita, ainda está aí? — perguntaram do lado de fora. Não vou negar que em alguns momentos eu imaginei como seria fugir. Eles foram raros, mas existiram.

— É só um casamento de mentirinha... Não leve a sério demais, Laysla... — balbuciei para mim mesma, ajeitei a minha coroa de flores e o cabelo parcialmente solto para trás dos ombros e e saí, sendo direcionada para a carruagem que me levaria a igreja na cidade, me esquecendo completamente dos papéis do manuscrito em cima da cama. 

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