14- A GENTE VAI MORRER (LAYSLA)


Eu não queria olhar para trás, porque iria fraquejar. Ouvir os seus passos e senti-los vibrando no chão, me dava uma certa vantagem sobre ele. O caçador não corria. Era como se tivesse certeza de que iria me pegar. De tempos em tempos ele arrastava a lâmina do machado no chão e me abalava completamente.

De repente, quase chegando na entrada, observei um vulto passar por ela. Parei, forcei meus olhos a interpretar a silhueta, mas de onde eu estava, só deu para ver que os cabelos eram longos.

— Luigi... — Sussurrei. Porém não me respondeu. Uma coisa eu sabia, não era o vampiro. Do contrário teria me escutado com seus ouvidos potentes e me atendido no mesmo instante.

Tudo ficou mais estranho. Houve um silêncio repentino. Não consegui detectar a presença do caçador, nem descobrir quem nos acompanhava na gruta àquela hora. Então me encostei na parede de pedra, numa área protuberante e irregular, a qual me permitiu ficar com o corpo parcialmente dentro dela, depois me abaixei.

As minhas vistas já se acostumavam novamente ao escuro. Por conta disso, imaginei que a pessoa que estava adiante também podia me observar. Assim como os olhos dourados do caçador, eles sim, com toda certeza do mundo, deviam ser capazes de ver até o que tínhamos por debaixo da roupa. Eram assustadores.

Fiquei alguns minutos encolhida no canto, ao mesmo tempo que eu tinha medo, sentia como se desperdiçasse uma oportunidade. Eu assistia os morcegos voltando do jardim por uma direção diferente da entrada que eu conhecia. Queria seguir esse caminho e me libertar sem ser vista, porque a minha intuição me dizia que o homem na entrada não era coisa boa. Não podia passar por ele.

Esfreguei os olhos, respirei fundo e observei tudo a minha volta. Ninguém parecia me procurar, a sombra indicava que a pessoa tinha se sentado no chão e o caçador... Bom... Do caçador eu não sabia. Será que tinha desistido da sua brincadeira maldosa? Cogitei estar segura por um momento.

Apressada, passei em um salto para a parede oposta e aguardei por um tempo que outro grupo de morcegos retornassem a sua casa. Mas não vieram. Diante da falta de sorte, resolvi caminhar por conta própria.

Cheguei perto do local onde conversei com Luigi na tarde anterior. Nele havia uma coluna natural de pedra, que tinha o formato triangular, cuja base era mais fina do que a parte de cima. Ela ficava junto à parede, bloqueando a visão do caminho por onde eu iria virar. Porém, sobrava um pequeno espaço entre elas onde só uma criança conseguiria atravessar.

Quando eu passava pela coluna, dobrando a direita, vi que o caminho que eu seguiria me levaria a um buraco há uns dois metros do chão. Corri para ele e tentei escalar com cuidado apoiando os pés nas reentrâncias. Mas ouvir vozes masculinas, nervosa, comecei a subir mais rápido. Eu já apoiava minhas mãos na entrada do buraco e dava um certo impulso para finalmente me esconder, mas ao ouvir pela boca dos sujeitos o nome de Luigi e a palavra "morrer" na mesma frase, meus planos mudaram. Olhei para trás apavorada, desci e fui espiar. Pela fresta entre a coluna e a parede, percebi que havia duas pessoas. E logo em seguida, vieram mais outras, uma delas carregando tocha. Fiquei preocupada com a situação. Na gruta, além do caçador, quatro homens cochichavam bem baixinho sobre o rei. Eles não eram seus soldados. Pelo pouco que vi dos trajes, devido a luminosidade que trouxeram, eram surrados e nada pomposo. Até os mais humildes funcionários do castelo tinham roupas melhores.

Eu não tinha ideia de onde o rei estava, nem se quatro pessoas como eles seriam capazes de destruir um vampiro. Querendo descobrir o que planejavam, me enfiei entre a coluna e a parede, a ponto de sentir meus seios esmagando. Não dava para entrar mais, então parei, respirei fundo, tentando amenizar a pressão que desfrutava no peito e também me concentrar na conversa.

— Ele já foi há um tempo, vi quando saiu... — avisou um dos últimos que entraram.

— E a garota? — indagou o que estava a mais tempo na gruta. Parecia ser um tipo de líder.

— Nada da bruxa. Eu já conferi no quarto dele e no dela... Só encontrei uma mulher caída. Acho que foi o rei que a matou... — respondeu o que carregava a tocha. Engoli em seco, eles pareciam saber tudo sobre nós. — Será que a essa hora o pessoal e o Alípio deram um jeito nele?

Luigi me abandonou para ir a uma emboscada, constatei, com os olhos marejados.

— Não sei. Mas a gente pode encontrar o Kairon primeiro... Daí fica mais fácil pegar a bruxa. Temos que levar ela o quanto antes. Se o Luigi conseguir tomar a harpa, temos ela como garantia — Definitivamente esse era o líder. Pelo menos falava como um.

— Não gosto da ideia de sair com uma bruxa... — O penúltimo murmurou.

— Você preferiu isso a virar lobisomem. Agora assuma o seu papel! — ameaçou o líder.

— Eu... Eu... Eu vou me acalmar — retrucou de volta.

— Isso aí. As cordas já estão aqui comigo. Lembrou de pegar o capuz? — perguntou o que tinha a tocha. Os quatro se entreolharam intrigados.

— Seu trouxa! — O líder deu um tapa na nuca do penúltimo. — Tira a sua camisa! Vamos cobrir os olhos da garota com ela.

— Olha... Michel só falou para tapar a boca. Ela não sabe fazer muita coisa que ele disse...

Então Michel é um soldado traidor?, fiquei impactada.

O líder outra vez orientou:

— Michel ainda não é nosso rei! Não sabe tudo... Vamos fazer do nosso jeito por precaução... Outra coisa, sem matar ela. Senão eu mato quem fizer essa burrice. Ela é a nossa garantia.. Não esqueçam.

Saber que me matar não era a intenção não me aliviou os nervos. Por quanto tempo ficaria viva? E quanto a Luigi? Recordei o que Morrigan disse, "muitos morrerão".

— Vamos lá. Cadê as suas tochas? Deixa eu acendê-las... — Os quatro se preparavam.

— Ruben não apareceu até agora. A gente espera ele?

— Aquele covarde deve ter fugido — pensou o líder, sobre um homem esquartejado a alguns metros de distância deles.

Eles estavam prestes a avançar. E passava da minha hora de fugir. Então tentei sair. Tentei novamente... Mais outra vez e nada... Eu tinha ficado presa. O que eu faria agora?

Meu coração, com as suas palpitações altas e aceleradas, atrapalhava o meu raciocínio. Não dava para pensar, a minha cabeça parecia que ia explodir. Foi quando comecei a me debater, vendo cada vez mais a movimentação deles, porque quase não havia penumbra na gruta. Eu tinha que sair! Eu precisava! Porém quanto mais eu me mexia, mais a agonia me assombrava e eu perdia as esperanças. Do que adiantava ser uma bruxa, se não sabia usar poderes?

— Kairon! — Chamavam, enquanto passavam pela coluna. Qualquer um que olhasse para trás, para dar só uma conferida, me enxergaria facilmente. — Lá no final do túnel tem uma luz, deve ser onde ele está... Acho que é o calabouço. Vamos mais rápido! — Ordenou o líder e todos correram.

Eu olhei para o outro lado, foi triste visualizar a saída tão perto e não poder fazer nada. Apavorada, fechei os olhos, lembrando da primeira vez que eu senti aquela força sombria invadindo as minhas entranhas. Eu estava com medo, sozinha pela primeira vez no mundo, sentindo uma dor imensurável no peito porque tinha perdido minha mãe. Só queria consertar todas as coisas e sabia que não havia nada que eu pudesse fazer. Eu me senti impotente. Foi quando gritei por me sentir fraca. E era como eu me sentia nesse momento. Vendo que Luigi estava indo para uma emboscada e eu seria uma das iscas. Todos estavam temerosos quanto a mim. Por que eu não me enxergava do mesmo jeito?

— Kairon! Você está aí? — Novamente gritaram.

A raiva e frustração foi crescendo, se misturava ao medo de perder outra pessoa que amava e somada ao ódio daqueles homens destinados a fazer o que fosse preciso para me capturar... Todos aqueles sentimentos fervilhando no meu interior... De repente, meu corpo enrijeceu. Eu não tinha ideia do que ocorria, mas ele se dobrava para trás, impondo uma força extraordinária contra a coluna de pedra. Eu não sentia dor, pelo contrário, me sentia renovada. Mas ouvia os ruídos dos meus ossos estalando, as costelas pareciam se abrir, como se eu estivesse cheia demais para permanecer naquele espaço. Coloquei as minhas mãos sobre a coluna e comecei a empurrar para frente. A gruta estremecia e eu vislumbrava o meu objetivo: deixar aquele lugar. Eu não me importava se toda ela ruíria. O que eu precisava naquele instante era escapar.

— Minha nossa! O que aconteceu aqui?!

Aqueles homens tinham encontrado o amigo morto. O próximo passo seria achar seu assassino. Pelo visto, eu estava sozinha entre eles. Era óbvio que me achariam culpada.

— Ai, meu Deus! Meu Deus! Quem fez isso?

— Vamos embora daqui! Vamos logo!

Os passos deles acelerados, indicavam que me encontrariam em breve.

Concentrei-me e na mesma hora minha garganta começou a dilatar, senti imediatamente o meu pescoço esquentando e a sua quentura subir pelo maxilar. Ao endireitar o meu corpo, me colocando numa posição ereta, notei meus antebraços e mãos completamente negros, despendendo uma fumaça preta pelas unhas.

Eu sou poderosa..., finalmente confiava.

Então eu empurrei a coluna novamente, mas quando abria a minha boca para gritar, taparam-na. Revoltada, não pensei duas vezes, mordi a palma da mão, mesmo sem saber a quem pertencia. O rosnado rouco e encorpado dedurou quem era. Olhei de relance e vi seu rosto se aproximando do meu, com aqueles olhos dourados tomados de fúria. Sua mão firme continuou na minha boca, de igual modo, continuei me esforçando para a estrutura ruir. O caçador meneou a cabeça com um semblante sarcástico e, com um gesto extremamente rápido, fincou o machado na coluna, segurando-o pelo cabo. Ele a mantinha de pé, mas já via alguns destroços caírem do alto da gruta.

— Pare com isso, bruxa! Espera! — sussurrou, me deixando confusa do que fazer.

Assim que os homens surgiram no local em que estávamos, o caçador retirou o seu machado, levando a coluna despencar sobre dois deles.

Fitei-o, sem compreender aquela atitude que meramente induzia que estava do meu lado, mas virei para frente, pulei as pedras que um dia compuseram a coluna, indo em direção ao jardim. Eu já o via, quando o acesso para ele começou a desmoronar.

— Não vai dar tempo... Não vai... — Constatei que precisava desistir, do contrário, eu morreria. Olhando para cima, tentava me afugentar dos pedaços de rochas que despencavam me arrastando pela parede um tanto enfraquecida. Os morcegos fugiram pelo caminho que dava para o buraco. Aquele ponto parecia estável, diferente de onde o caçador esquartejava o que sobraram daqueles homens.

— Ei! Você precisa sair daí! — gritei e ele me olhou.

A expressão no seu rosto era a de uma pessoa desorientada. Nitidamente não sabia o que acontecia, não lembrava de nada. Ele olhava para mim, para os seus amigos no chão, depois para seu corpo ensanguentado, buscando uma resposta. Então corri até ele e o puxei pelo braço, entretanto, o arrancou de minha posse. Parei e suspirei. Ficamos um de frente para o outro, como se o tempo tivesse congelado, como se não houvesse mais perigo.

Vendo-o cabisbaixo, por suspeitar que a tragédia vinha dele, me compadeci. Eu conhecia esse sentimento. Aqueles homens, apesar de serem meus inimigos, eram seus companheiros. Segurei a sua mão e ele a encarou com tristeza.

— A gente vai morrer se continuarmos aqui, Kairon...

Dizer o seu nome teve um efeito inesperado. Ele assentiu com a cabeça algumas vezes, como se aos poucos recobrasse a consciência. Então soltou o machado no chão e fomos caminhando de mãos dadas pela lateral até chegarmos na entrada do buraco onde me esconderia anteriormente.

— Eu não sei se é seguro... — Acovardei-me, vendo que o buraco era estreito e talvez ali não coubesse nós dois ao mesmo tempo. Kairon deu de ombros e subiu sem considerar a questão. Logo estendeu sua mão, a qual tinha a marca da minha mordida, e fez um gesto para que eu a segurasse. — E se ele desmoronar?

— Onde está, já está desmoronando. Aqui talvez tenhamos alguma chance. Deve ser um túnel, uma outra saída... — Ele tinha razão, foi por onde os morcegos saíram. Eu lhe entreguei a minha mão e Kairon me mostrou um sorriso. Dessa vez, era tão reconfortante que notei suas covinhas nas bochechas. Não resisti, sorri de volta por achá-las cativantes, enquanto me ajudava a subir. 

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