Chapter 8
- Como o quê? - Alicia ficou curiosa.
- Hum... Você por cima de mim...
- Beto! – ela exclamou. Ele riu, colocando os óculos escuros em cima dos cabelos castanhos claros. – Aquilo nem deveria ter acontecido.
- Mas aconteceu. – ele lembrou. – duas vezes.
- Mas não deveria ter acontecido. – foi categórica. - Anda, me fala logo o motivo de você ter me chamado.
Beto a pegou pela mão, guiando-a por um corredor pequeno até a popa do convés do barco. Ali havia um enorme aquário, com três tartarugas médias dentro.
- Que lindas... Por que elas estão aí dentro?
- Estavam doentes, mas agora que estão saudáveis serão devolvidas à natureza. Esse barco costuma deixá-las em alta mar... Para agradar os turistas. – ele revirou os olhos. – Olha está aqui. – Beto apontou para um aquário que estava à direita. Nele, somente uma tartaruga nadava. – Eu a chamo de Vitória.
- Ela parece tão só... Por que não está junto com as outras?
- É porque ela tem um gênio meio difícil com os machos. – ele indicou o aquário grande com as outras três tartarugas. – Vitória apareceu lá na praia ontem de noite com uma sacola de plástico amarrada na barbatana.
- Tadinha... - murmurou. Porém, ligando os pontos, Alicia se sentiu mais mal.
- Por isso você cancelou o encontro...
- Não só por isso. Mas sim, foi uma das causas.
- Você é misterioso... – ela notou. Beto deu de ombros, e continuou a contemplar Vitória.
- Como se sente? - Beto tomou a mão dela, e olhou as pernas femininas. – Não está mais tremendo, e sua mão já não está tão gelada.
Ela olhou as próprias mãos e pernas, percebendo que por alguns minutos havia esquecido do barco, do medo e do trauma.
- Por isso me chamou aqui... – Alicia concluiu com um sorriso largo no rosto. Beto deu uma piscadela cúmplice.
- Minha mãe também tem medo de barcos, mas quando a distraímos, o medo... passa.
- Roberto! – uma voz masculina chamou Beto. Ela se virou e olhou o homem que vinha vindo. Os olhos de Alicia se arregalaram em reconhecimento.
- Ricardo? – o barman da noite passada estava na frente deles.
- Oi Guria! – ele a cumprimentou com um beijo na bochecha. – Está tudo bem?
Ela assentiu para a pergunta que todo mundo faz por educação e não para saber a resposta verdadeira. Mas imagina se ela dissesse a verdade?
Sairia algo como, "Oi Ricardo, eu tenho um medo insano de barcos, estou com a cabeça pesada, e com um planeta vermelho no cangote... E, ah, por que mesmo você me deixou sozinha com Beto ontem?" Fora isso, tudo bem.
Alicia sorriu sem graça, e murmurou um simples:
- Bem...
- Maravilha! – Ricardo exclamou exageradamente e se virou para Beto. – Então mano, o elenco já está pronto.
- Obrigado, Tom. Já levo as coisas lá para cima. – Beto respondeu. Ué, quem era aquele homem? Ricardo ou Tom voltou pelo corredor e subiu as escadas. Alicia abriu os braços, confusa – Tom Charles, ator espanhol. – Beto se antecipou a pergunta dela.
- Por que ele se apresentou como Ricardo, falando que era um barman?
- A festa da erva é como uma ocasião em que você pode ser qualquer um... Virou uma tradição para a companhia Awards Vitar. – ele respondeu, pendendo a cabeça. - Esse foi o outro motivo pelo qual cancelei nosso encontro...Mas não adiantou muito, né?
- Se tivesse me dito a verdade, quem sabe adiantaria? – ela cruzou os braços e franziu o cenho. Beto meneou a cabeça rindo, e se abaixou, pegando uma caixa grande.
- Alicia, pode me ajuda aqui? – ele indicou a outra caixa com a cabeça. Ela assentiu.
Os dois subiram com as caixas. Tom veio até eles e as abriu, tirando alguns equipamentos de mergulho e repassando a outras pessoas. Juan, companhia de Beth, estava entre eles.
Sem coragem para andar de volta a amiga, ela se sentou por ali mesmo e abraçou uma viga que sustentava o teto da embarcação.
O barco ancorou perto de uma ilha, e alguns passageiros se apressaram para mergulhar. Beth surgiu ao lado dela.
- Vamos?
- Nem pensar. – ela balançou a cabeça.
- Vou ter de chamar Beto? – a amiga ameaçou. Alicia devolveu um olhar desinteressado.
- Chama, ué! Ele não vai me fazer entrar nessa água...
- Mas é claro que você vai entrar comigo ! – Beto exclamou perto do ouvido dela. Alicia se sobressaltou, levando uma mão ao coração. Ele já estava com um óculos na cabeça e um par de pé de pato na mão.
- Beto, Beto... Você já deveria ter entrado a muito tempo em nossas vidas. – Beth cantarolou. – Então eu vou indo, encontro vocês dois lá embaixo.
A amiga pulou de um trampolim que estava na popa do barco. Beto foi para frente de Alicia e se sentou.
- Então, me diga por que não vai entrar. – Ele pediu.
- Não vou porquê... não gosto de nadar em mar.
- É como uma piscina.
- Com muitos metros de profundidade e água alcalina. – ela completou, fazendo ficar evidentes as grandes diferenças.
- Tem certeza de que esta é a verdade? – ele chegou um pouco mais perto. Intimidada, Alicia mordeu os lábios, sibilando um baixo "sim". - Tudo bem então. Por que você não tira a roupa e aproveita o sol lá em cima?
- É um boa ideia". – se soubesse que convencê-lo era tão fácil assim, já tinha tentado antes. Alicia tirou a blusa e o short, colocando-os dobrados em cima da bolsa da amiga. – Tchau, Beto. Até depois... – ela ia se encaminhando para o teto do barco.
- Alicia, você sabe nadar?
- Claro que sim, que pergunta é... - Beto correu até ela e a pegou no colo. – BETO, NÃOOO!
Eles caíram na água. Alicia sentiu o corpo afundar na imensidão azul. Ela se debatia feito peixe fora d'água à procura de oxigênio. Mas então, uma mão que nem tinha visto a rodeou pela cintura.
Beto a colou no corpo dele. Alicia começou a tossir, tentando colocar a água que tinha bebido pra fora. Beto gargalhou.
- Você poderia ter me matado, sabia!
- Eu prometi que nada de ruim aconteceria com você.
- Beto, eu... eu tenho trauma.
- Eu sei.- ele respondeu, a surpreendendo. – Mas... vamos deixar rolar, tá?
Era incrível o modo como ele a matinha junto a si sem que afundassem. Alicia sabia nadar, mas daquele jeito, talvez só Cesar Cielo e Beto.
Ela tirou os cabelos do rosto e olhou abaixo deles, sentindo um tremor estranho subir pelas pernas.
- Alicia, olha pra mim. – Beto pediu. Ela engoliu em seco, sem conseguir tirar os olhos do poço azul sem fundo. – Alicia... – Ele lhe segurou o queixo.
- Beto, eu acho que tenho que... – Ela começava a balbuciar com a voz tremida quando os olhos dele a prenderam. A luz solar que refletia em Beto tornavam seus olhos uma mistura infinita de tons azuis.
- Vai ser difícil não querer fazer amor com você de novo se continuar me olhando assim... – ele mencionou, com a boca muito perto. Instintivamente, ela umedeceu os lábios.
- Urgh! Pelo amor de Deus , não comecem com isso aqui na água – Beth mencionou, nadando feito cachorrinho até eles. Beto riu. Alicia sentiu as bochechas queimarem.
- Beth, toma conta dela? Eu já volto. Preciso ficar de olho no pessoal do elenco.
- Eu sei me cuidar sozinha, Beto. – ela deu um tapinha no ombro. Quando Beto tirou as mãos da cintura dela, o nado de Alicia vacilou.
- Tô vendo... – Beth ralhou, parecendo um cachorrinho nadando em círculo perto dela. As mãos de Beto lhe deram algum apoio antes de a soltar novamente. – Já vou dizendo que não posso te ajudar, Alicia. Só sei levar eu mesma no nado cachorrinho, e para de palhaçada que eu sei que você sabe nadar muito bem.
- No raso. – Alicia complementou.
- É tudo a mesma coisa. – a amiga disse. Beto piscou, e a braçadas largas se distanciou delas.
- Ai Beth... se acontecer algo comigo...
- Eu chamo o Beto, pode deixar.
- Ei, eu não ia dizer isso! – ela murmurou com as sobrancelhas unidas. - Por que agora você fica se referindo a ele como...sei lá, um pau pra toda obra?
- Não sei. – A amiga disse. – Mas achei essa expressão bem tendenciosa... É isso o que ele está sendo? - As sobrancelhas de Beth se mexeram sugestivamente.
Alicia meneou a cabeça, tentando se concentrar na paisagem linda e sem nenhum vestígio de vento ou mudança de tempo. Os olhos dela percorreram o mar, e pararam nas pessoas reunidas a alguns metros deles.
- O que eles estão fazendo, hein?
- Juan me disse que é uma cena do filme. Tentaram fazer na piscina de ondas, mas por algum motivo, aqui ficaria melhor. – A amiga explicou meio dispersa.
- Hum... você e Juan, o que me diz? – Alicia indagou. Beth suspirou, fingindo pensar.
- Ele é legal, sabe? Tao generoso e carinhoso...
- Elizabeth! Você está caidinha pelo porto-riquenho. – Alicia estava boquiaberta. A amiga revirou os olhos.
- Não é para tanto, Alicia. É só um amor de verão, ou... um amor de viagem. Não temos uma história como você e o Beto.
- Beth, quando foi que a conversa se direcionou para eu e Beto?
- Desculpa, Lícia! É que sei lá, você não para nem um pouquinho para pensar na sorte que foi encontrá-lo aqui? – Beth a perguntou com os olhos em alerta para qualquer vestígio de verdade no rosto de Alicia. – Não parece coisa... do destino?
- Tá bom. Supondo que tenha sido o destino, o que eu exatamente teria que fazer?
- Aproveitar! Esse é o nosso segundo dia aqui. Só teremos mais dois... – a amiga parecia suplicar. Alicia tentou entender.
- E o que "aproveitar" significa para você?
A amiga lhe deu um olhar de puro deboche, no qual ela dizia "tudo". Alicia riu.
- Eu não posso fazer isso, Beth! Nem o conheço direito.
- Porque não quer! Está o tempo todo tentando afastá-lo. – Beth estava lhe dando uma bronca. – Sei que ele é um fantasma do passado e tal, mas olha só: Eu moro com contigo há dois anos e nunca tinha te visto nadar em mar aberto. Mesmo quando suplicava para você ir em passeios de barco comigo... Beto está com você por um dia e fez mais do que eu consegui em anos!
- Ele só é insistente, Beth. Não vejo nada demais nisso. – Ela não estava entendendo. Beth soltou uma lufada de ar.
- Nunca vi mais teimosa...
- Mi amor. – Juan chamou Beth, acenando na direção delas.
- Mi amorrrrrr – Alicia remendou o ficante da amiga. Beth revirou os olhos e foi nadando até ele.
Alicia se viu sozinha ao lado da embarcação que eles estavam. Ela respirou fundo, se mantendo na superfície através do movimento das pernas. O mar estava como uma piscina, apenas algumas marolas sobressaiam.
Ela boiou, mantendo o olhar fixo no céu azul. Tentava pensar em qualquer coisa que não fosse o mundo marítimo embaixo dela, qualquer coisa que fosse mais forte do que o medo de passar novamente por um trauma tão grande quanto o que havia passado com o pai.
Alicia fechou os olhos, e quando os abriu, só conseguia ter na imaginação ele.
Beto era como a personificação do passado atrás dela, fazendo-a resolver coisas na marra. Problemas que estavam enterrados e quase esquecidos: traumas, amores passados, bulying...
Bullying infelizmente é algo que muitos jovens perpassam na vida, e apesar de ser uma violência tremenda, a marca que ele deixa nas pessoas se diferencia a depender da perspectiva da vítima.
Como Beth, se tivesse tido uma postura mais proativa dos acontecimentos ruins, talvez não sentisse tanto ressentimento de Beto. Ou ainda, se conseguisse encontrar uma maneira de evitar que memórias traumáticas não voltassem à mente, talvez se sentisse mais segura para superá-las.
Talvez...talvez...
A verdade é que Alicia era como sempre fora. Não uma personalidade do tipo Gabriela, cantando para Deus e o mundo que havia nascido assim e sempre seria assim.
Alicia sempre fora coração, em cada coisa mínima que fazia, mesmo quando se rebelava e queria jogar tudo para o alto. E quando colocamos alma nas atitudes, tudo se torna muito pessoal e difícil.
E curar um coração pode ser mais trabalhoso que curar uma mente. Mas não impossível. Sua mãe sempre dizia que o remédio para curar o coração, é amor. Mas o que é o amor, senão o remédio para curar tudo?
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