Chapter 7

- Não é paixão, é desejo! – Alicia deu de ombros. – E eu estava na seca maior tempão.

- Aham, me engana que eu gosto, Alicia... Semana retrasada coloquei um amigo gatinho na sua cola e você o dispensou. Lembra?

- Claro! Ele tinha acabado de terminar um relacionamento, só conseguia choramingar sobre a ex.

- Você estava do mesmo jeito por Fabinho. – A amiga devolveu. Alicia revirou os olhos.

- Esquece esse traste, Beth!

- Esquecer nada! Devíamos era endeusar ele, ou você já se esqueceu que é por causa dele e da Maria Padeira que estamos nesse resort?

- É...mas isso não muda o fato de que ele me traiu.

- Mas ameniza, Lícia. Agora vamos. – Beth jogou uma toalha para Alicia. – Arruma esse ninho de magafagafa que está esse seu cabelo.

- Por quê?

- Porque nós vamos sair, e ao contrário de você, eu sei escolher muito bem meus boys.... Juan me deu dois ingressos para um passeio. - Beth cantarolou, rodopiando em direção ao banheiro. Alicia riu, mas tinha de concordar.

Depois do que ela tinha passado na última semana, não tinha dúvidas de que Beth estava correta. Ela se arrumou e seguiu a amiga para a praia.

- Qual é o passeio que a gente vai fazer?

- É surpresa, Lícia. - Beth comentou, focando o olhar no horizonte.

Um guia apareceu acompanhado de um grupo de hóspedes, Beth disse que elas duas iriam se juntar a eles. As amigas seguiram o guia, que ia explicando a história de Santa Catariana e de Balneário Camboriú. 

Depois de ter caminhado metade da praia, eles subiram em um deck onde o guia ia mostrando as variedades de peixinhos que nadavam por ali. Alicia olhou de esguelha um barco grande ia se aproximando com uma música havaiana. Quando o barco parou ao lado delas, a amiga exclamou:

- SURPRESA!

A expressão de Alicia nublou. Ela sabia que não dava para confiar nas surpresas de Beth.

- Eu não vou não.

- Ah, Lícia! Estamos em São Cantarina, num resort... se permita conhecer algo novo.

- Beth, eu até quero. Mas você sabe... não gosto de barcos. Se eu entrar ai vou acabar com o passeio de todo mundo, inclusive o seu. Vai ser horrível! Por isso vou ficar aqui, e está tudo bem. Vou aproveitar a piscina.

A amiga baixou o olhar, decepcionada.

Estava uma manhã tão incrível, e ela sabia que um passeio de barco naquele dia seria magnífico. O dia começara exatamente assim quando aos 14 anos o pai decidira levá-la junto para pescar no barquinho da família.

A pescaria sempre fora uma atividade de família. Passado do avô para o pai, e do pai pra ela. E Alicia sempre amara pescar. O sossego e a maresia eram o sinônimo de paz e bem estar. 

Mas como o avô dizia: o mar sempre tivera suas próprias vontades. Um dia estava para peixe, no outro, o anzol não encontrava nada, apenas um vazio na profundeza de correntes marítimas.

Alicia ainda se lembrava de sentir a direção do vento mudar, de contemplar as ondas aumentando gradativamente, de sentir a chuva fina cair em cima deles.

Alicia pedira tantas vezes para o pai desistir, afinal, eles poderiam voltar outro dia. Mas seu Armando tinha uma serenidade e persistência de jó. Porém, ainda que a paciência dele fosse muito maior que a mudança de tempo, não era maior que as ondas, que começaram a bater no casco, empurrando-os em direção às pedras.

Seu pai sabia o que aconteceria por fim, do mesmo modo que sabia o que tinham de fazer pra sobreviver.

- Eu vou pular, e você logo vem atrás. Pode ser?  – ele transparecia calma. 

- M-mas e o nosso barco? 

- Nossa segurança é mais importante, filha. - ele se levantou e segurou as mãos dela entre as suas, o balanço do barco fazendo-os perder o equilíbrio.  - Vamos? 

Alicia negou com a cabeça, sentindo as pernas balançarem feito duas varas. O pai sorriu e a abraçou. 

A ideia dele era esperá-la na superfície. Mas não. Alicia não conseguiria pular enquanto achasse que estava mergulhando nos braços da morte. E ela não conseguiu, até o último minuto em que o pai fora obrigado a pegá-la nos braços e pular junto dela.

Alicia afundou, se debatendo para voltar a superfície.  Quando finalmente conseguiu, estava quase sem ar.  As ondas açoitavam seu rosto, fazendo-a engolir a água salgada. Ela tossia, tentando regurgitar o sal que queimava os pulmões enquanto buscava se manter na margem, ainda que a correnteza se embrenhasse no seu corpo feito cordas.

- ALICIA! - a voz do pai a chamou. Ela procurou em volta, mais somente ondas e mais ondas estavam ali, se esforçando para afundá-la.

- PAI! 

- Continue me chamando, eu vou até você!

- P-pai... - Uma onda quebrou em cima dela . - pai...p - Outra onda. - p...- Alicia afundou, descendo gradativamente ao fundo do mar.

Ela acordou, em algum dia ou momento do qual não se lembrava, bem como não fazia ideia de como o pai a salvara. Alicia perguntara como seu resgate havia sido feito, mas seu Armando só respondia que aquilo não era importante. Tudo o que ela deveria fazer era agradecer por ter conseguido uma segunda chance e estar sã e salva, sem sequela alguma. 

O pai não tivera a mesma sorte, pois devido o esforço de ter que pular tão perto das pedras, o tronco fora jogado em direção àquelas. O braço direito se ferira tanto com o esforço do nado ,do peso da filha, e do baque seco na pedraria,  que perdera gradativamente o movimento do braço. E não tivera fisioterapia alguma que pudera reverter o dano. 

O pai não sabia.Mas ela também guardava uma sequela gigante, a emocional. 

Só de estar ali perto, suas pernas já tremiam. Então quando finalmente a amiga entendeu, ela girou nos calcanhares, querendo ir o mais longe possível... Se não fosse a parede de músculos com o qual ela tinha colidido. Ela levou as mãos à cabeça.

- Ai!

- Alicia? – A voz de Beto ressoou nos ouvidos dela no mesmo instante que as mãos dele a sustentaram.

Ah, não.

- É, amiga. Concordo que seja o Mercúrio Retrógrado mesmo... – Beth murmurou com um sorriso.

- Está tudo bem? – Beto perguntou para Alicia, ignorando o comentário de Beth.

- Tá sim... – ela massageou a cabeça. – Beto, você por acaso esta me seguindo?

- Quê? – ele riu. – Eu que deveria perguntar... é você que sempre aparece no meu trabalho.

- Trabalha num barco?

- Não, eu sou voluntário no resgate de tartarugas. Te falei ontem, lembra? - Os olhos dele a procuraram, provocantes. Ela devolveu um olhar de aviso. Ele riu. – Não vai para o passeio?

- Ah, não... tenho um lance negativo com os barcos. – ela explicou sem jeito.

- Não, você tem que ir com a gente. – ele a pegou pela mão.

- Isso, Beto! – A amiga comemorou, já dentro do barco.

- Não, não, não... – ela começou a reclamar enquanto era puxada para ponte improvisada que ligava o deck ao barco. – Me solta, Beto!

- Vem, Alicia. Não vou desistir de levá-la...

- Eu tenho medo! – ela o olhou desesperada.

- Eu estou com você. - Ele colocou as mãos dela em cima do coração dele. - Olha pra mim.  Eu prometo que nada de ruim vai acontecer, nem que eu tenho que nadar com você nos braços até a praia.

A última frase não surtiu o efeito esperado, porque ela se alarmou ainda mais.  Beth se abanou, com um olhar fofo no rosto. 

- Olhe pra mim, Alicia. - ele ergueu o queixo dela. - Atravessaremos essa ponte juntos... Um passo de cada vez. 

- Beto... - ela meneou a cabeça, dando passos diminutos em direção contrária. 

Não importa o que ele fizesse, Alicia não funcionava assim. Como no dia da tragédia com o pai, ela só fez o que era necessário quando forçada. Como se tivesse entendido tudo sobre ela, os olhos de Beto semicerraram em desafio. 

- Vai me fazer pegá-la no colo?

- O quê? Não! – Ela tentou correr. Ele a segurou. Pareciam duas crianças brigando.

- Galera! – Beto a soltou e gritou para o pessoal que já estava acomodado ao barco. – Essa moça aqui ao meu lado se chama Alicia. Eu quero muito que ela aproveite esse dia maravilhoso com a gente, vocês me ajudariam a convencê-la de que esse vai ser o melhor passeio que ela já fez na vida?

Alicia queria encontrar qualquer coisa que pudesse esconder o rosto vermelho dela. As pessoas se levantaram animadas, e começaram:

- ALICIA! ALICIA!

Beto estendeu a mão para ela, que devia estar com cara de choro. Alicia balançou a cabeça efusivamente, tentando negar de forma discreta.

- Confia em mim. – ele pediu. Ela olhou para baixo e percebeu que já estava em cima da ponte, com a água os rodeando. Sem saída, segurou firme a mão dele. – Confia?

- Sim! Confio em você. – ela estava desesperada - Me tire daqui!! - Beto a segurou pela cintura, a levantando e colocando em cima do barco.

- Se eu soubesse que para fazer você entrar em um barco era só chamar pelo Beto... – Beth sibilou, ao lado de um homem bronzeado. – Alicia, esse é Juan. Ele é de Porto Rico, mas está aqui junto com a companhia fazendo o filme.

Alicia deu um sorriso trêmulo e apertou a mão de Juan, ainda tentando se acostumar ao balanço do barco que se distanciava gradativamente do deck.

- Alicia! – Beto chamou ela da escada do convés, desaparecendo lá dentro. Alicia se arrastou a passos trôpegos para a escada. Beto a esperava lá embaixo com a mão estendida. Ela passou direto por ele.

- Vai ficar chateada comigo?

- Eu queria ficar lá, Beto.Meu lugar não é aqui... é na terra firme. – ela mencionou, com os braços cruzados. Ele pendeu a cabeça, a analisando com o olhar curioso. – O que foi?

- Você fica linda com medo.

- Argh! – ela gesticulou como se aquilo não tivesse importância.

- Por medo de barcos que você não ia nos passeios de verão da escola?

No ensino médio, durante as férias de verão, a escola costumava fazer uma viagem para ilha de Paquetá. Todos os alunos adoravam, mas ela não participou de nenhum passeio. 

- Você se lembra disso? – ela perguntou, as sobrancelhas arqueadas.

- Você se surpreenderia com as coisas que eu lembro. – ele balançou as sobrancelhas sugestivamente. 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top