Chapter 3

Em menos de uma semana elas partiram para o Blue Sea, um resort situado à beira mar da praia do centro, em Balneário Camboriú.

Elas ainda não conseguiam acreditar na imensidão daquele jardim de entrada do Resort. O paisagismo era todo elaborado por palmeiras adultas e flores coloridas. As portas de entradas eram tão grandes e altas que Alicia quase podia imaginar um caminhão passando por ali.

- Sra. Alicia Ferreira e Sra. Elizabeth Carpas? – O funcionário veio recepcioná-las com um sorriso gigante no rosto. Elas assentiram, receosas. – Sejam bem-vindas ao Blue Sea.

- Obrigada! – As duas disseram em uníssono.

O funcionário entregou a Alicia um cartão magnético para entrada do quarto, enquanto outra pessoa ia se aproximando com uma bandeja de champanhe e outra vinha com um carrinho para pegar as malas delas. Beth olhou para Alicia boquiaberta,mas ela estava tão eufórica que se jogou em cima da amiga em um abraço estabanado.

- O Blue Sea parabeniza as senhoras pelo casamento e deseja uma ótima lua-de-mel. 

O sorriso delas se congelaram no rosto. Beth piscou algumas vezes para ela como se não tivesse entendido bem as felicitações, mas Alicia logo foi esclarecendo.

- A-ah, acho que houve um engano...Nós não estamos casadas... – Alicia murmurou sem jeito.

- É, somos amigas! – Beth disse com convicção. O homem pareceu confuso, mas logo a expressão se clareou, estampando no rosto um sorriso cúmplice.

- Entendo! – O funcionário comentou com uma piscadela marota. – É ótimo ver que alguns casais ainda prezam pela amizade depois do término.

- Não! É sério... – Alicia ia reiterando o esclarecimento quando Beth colocou a mão em seu ombro, num pedido silencioso para que parasse. Ela apertou os lábios contra a vontade.

- Obrigada! – a amiga murmurou com um sorriso enquanto ia empurrando Alicia pelo corredor. Quando estavam longes o suficiente, Beth cochichou – Alicia, estamos aqui no lugar de um casal. É normal que pensem que somos um.

Alicia sabia que Beth tinha razão, ainda assim revirou os olhos, e se lembrou do traíra e da noiva. É claro que se sentia feliz por estar ali, mas ainda assim devia admitir que no fundo do peito uma certa frustração residia por vê-lo tão bem com outra pessoa.

É quase irônico perceber o quanto despejamos tanta dedicação em um relacionamento e em um parceiro para que a pessoa nos troque na primeira oportunidade.

Poxa!  Fábio tinha aberto a padaria graças à ela, que falou tanto no ouvido dele que não teve outra escolha a não ser esquecer o medo e a acomodação do antigo emprego para construir um novo empreendimento. 

E o que ela ganhara? Um belo par de chifres e uma viagem de férias. Pelo menos ganhara uma viagenzinha indenizatória, né.

Beth estalou a língua, tirando-a do devaneio e pegando o cartão magnético da mão dela para abrir a porta.

- Mas ainda assim não custava nada esclarecer... – O fio de voz de Alicia ficou entalado na garganta, de tão boquiaberta que estava com aquele quarto.

A cama king size era revestida de lençóis de seda prateados, enquanto em cima dela, as toalhas estava lindamente remodeladas para fazer alusão à dois cisnes.

As mesinhas de cabeceira serviam bombonieres lotadas de guloseimas, e ao lado da porta da varando, um cabideiro tinha dois roupões que pelo tamanho do tecido ela tinha certeza que eram felpudos.

- Isso é incrível! – Beth murmurou indo atacar um docinho.

Alicia deixou a mala na entrada para explorar a outra porta do quarto. E quando ela abriu, um linda jacuzzi de dois lugares estava cheia de pétalas de rosas. Uma baqueta ao lado sustentava duas taças.

- Beth, olha essa banheira! – Alicia cantarolou. Em um instante a amiga apareceu em seu lado.

- Alicia, acho que a gente devia agradecer ao Fábio... – Beth analisou ironicamente. Alicia soltou um riso de escárnio.

- Deus me dibre. – rebateu. Beth riu e foi até as taças, pegando-as.

- Se têm taças... 

- Tem champanhe! – Ela completou com vibração.

Beth foi até uma mini adega climatizada que ela nem tinha se dado conta da existência, e retirou uma garrafa. Alicia ajudou a amiga abrir. Pop

A rolha saiu, junto com espuma e champanhe. É, elas não eram exatamente profissionais na arte de abrir aquelas bebidas.Alicia ignorou a inexperiência e a bagunça, e serviu as duas. Beth levantou a taça.

- Isso merece um brinde! – A amiga bradou. Alicia deu de ombros, e ergueu a taça dela também.

- Então... às nossas miniférias! – Alicia comentou com um sorrisinho.

- Aos ex-namorados, ao Mercúrio Retrógrado... – Beth começou a numerar os motivos delas estarem ali. Alicia deu-lhe um olhar enviesado, no qual a amiga soltou uma gargalhada. – O que foi?

- Ao nosso futuro! – Alicia se sobrepôs a comemoração de Beth enquanto estalava a taça na dela e pensava no planeta vermelho, rogando para que ele ficasse bem longe.

Depois, ela foi até a sacada, e abriu as persianas. A claridade adentrou o quarto, expondo alguns raios solares da manhã. O mar se estendia adiante, emoldurado pelo céu azul celeste acima.

- Acho que não vou embora daqui nunca mais. – Alicia disse com um suspiro, se virando para a amiga, que mexia em alguns papéis que estavam em cima de uma das cabeceiras.

- Você acredita que aqui tem até um mini zoológico?! – A amiga perguntou, levantando os braços como se estivesse em uma montanha russa imaginária. Sabendo o que aquilo significava, Alicia soltou um arquejo. - Eu mal posso esperar para ver as cobras! – Beth gritou com uma animação imbatível na voz.

A amiga era um pouco exótica. De alguma maneira que ela nunca havia entendido, Beth amava cobras, do mesmo jeito que o homem tem como melhor amigo o cachorro. Elas só não tinham tido uma cobra ainda porque Alicia tinha pavor de serpentes, e se visse uma se rastejando por aí, era capaz de ficar se coçando por uma semana inteira.

Mas ainda assim, a paixão de Beth por serpentes não diminuíra nem um pouquinho. E para amenizar a tara, a amiga tatuou uma cobra que ia do ombro até a costela. 

- Eu não vejo a hora de cair na piscina! – Alicia tentou mudar o foco.

- Nananinanão, meu bem. Já sei o que está querendo fazer, e você não vai fugir da obrigação de acompanhar a sua amiga até o zoológico. – Beth ralhou, com o indicador levantado na direção dela.

- Ah, Beth! Não podemos fazer isso, sei lá, amanhã?

- Nem pensar! Vamos hoje mesmo, antes de ir pra piscina. – Beth estava determinada. Alicia afundou o corpo na cama com uma careta de tristeza. Beth empurrou a mala na direção dela. – Vamos! Troca logo de roupa.

- Mas...e a jacuzzi? – Alicia apelou com um beicinho.

- É climatizada, e vai estar do mesmo jeito de noite. – Beth argumentou. Alicia se deu por vencida.

Beth fez um coque frouxo no cabelo cacheado e vestiu uma saída de praia de tricô. Já ela, deixou os cabelos encaracolados soltos, que estavam quase tão grandes quanto um véu. No corpo, enrolou uma canga mesmo. Seu bolso vazio não estava deixando margem pra comprar saída de praia, quem dirá uma de tricô.

As duas saíram do quarto e seguiram por um caminho de bangalôs à esquerda, onde uma plaquinha indicava que era o zoológico. Elas passaram por macacos, aves, e quando finalmente chegaram na atração principal da amiga, Alicia estava com o corpo trêmulo, garganta seca e de saco cheio.

- Olha essa aqui! – Beth apontou uma cobra verde magrela, que se enroscava lentamente num graveto. Alicia sentiu a entranha se apertar ao mesmo tempo que um comichão começava no corpo. 

- Er...linda, né? A cor do Hulk. - Ela coçou levemente os braços.

- Você é uma péssima mentirosa. Por que não vai beber uma água ali? - Beth indicou um bebedouro com o queixo. - Talvez melhore essa sua cor pálida.

- A única coisa que irá melhora minha cor pálida é sair daqui, mas você não me libera. – Alicia mencionou, passando o polegar pelo botão da saída de emergência, numa ânsia louca de acioná-lo e sair correndo.

- Aff, menina dramática. Vai logo. – A amiga a despachou, gesticulando efusivamente para a saída. Alicia levantou os braços pro céu. – Daqui a pouco te encontro na piscina.

Ela só faltava saltitar no caminho para a piscina, mas antes que chegasse em seu destino, o som do mar lhe chamou. À beira da areia, as ondas batiam preguiçosamente. Ela entrou na pequena trilha que terminava no mar.

A areia recebeu seus pés, numa caricia fofa e fresca. Alicia andou até a água, sentindo o calor do sol na pele. Quando a água recebeu os pés dela, um calafrio lhe percorreu.

A água estava gelada, muito gelada. Ela deu meia volta, e quando ia retornar o caminho para ir para piscina, percebeu.

Perto do mar, havia um barranco mínimo. Alguns sons baixos e animalescos ressoavam junto às ondas. Quando Alicia viu o que acontecia ali, o coração amoleceu.

Tartaruguinhas quebravam seus ovos, abrindo os olhos e sentindo pela primeira vez a vida. Algumas já estavam a caminho do mar, numa corrida quase que angustiante.

Ela chegou mais perto, observando uma tartaruguinha que tentava ultrapassar o barranco pelo caminho mais alto. Alicia se ajoelhou no chão, e ajudou a pequenina, colocando-a no caminho mais fácil.

A mesma ajuda milagrosa e externa que ela tinha esperanças que caísse do céu.

Alicia acompanhou a guerreirinha até o mar, quando essa corajosamente desapareceu sob as ondas, a caminho de um universo gigante, completamente desconhecido e assustador. Seus olhos marejaram. Ela suspirou, limpando uma lágrima.

Sentindo que uma torrente de emoções estava pronta para se debelar, ela levantou-se de supetão, e sua fuga de si mesma seria completamente eficaz se não tivesse trombado em algo.

- ! – ela murmurou, retrocedendo alguns passos de maneira cambaleante. Um par de mãos quentes lhe apoiou.

- Me desculpa... você está bem? – Uma voz masculina indagou. Ela levantou os olhos e sorriu.

- Tudo bem. Acho que foi eu quem causei esse encontrão... – a voz de Alicia desapareceu. A sua frente havia um homem alto, de óculos escuros e peitoral nu. Ele sorriu de volta depois de soltá-la.

- Vi que você estava observando as tartarugas...É lindo testemunhar isso, né? Sempre me emociono também.

- É sim. – ela concordou, notando a figura de uma tartaruga no boné dele – Ah, então é um projeto! Você que o coordena?

- Não, sou apenas um dos muitos membros espalhados pelo Brasil. – ele explicou. O homem esfregou uma mão na outra, e depois no short. Alguns grãos de areia se espalharam. Ele tirou os óculos escuros e estendeu a mão. – Sou Roberto.

- Alicia. – Ela respondeu, aceitando o cumprimento firme dele. Os olhos claros de Roberto miraram os dela com um brilho jovial e...conhecido. Os olhos de Alicia se arregalaram.

Roberto a encarou por um longo momento. Ela sorriu um pouco e puxou a mão. O momento pareceu se estender por um período infinito, quando ele finalmente falou.

- Seu rosto é tão familiar...

Ah não.

- Eu nem sou daqui, só estou a passe...- Alicia ia dizendo de forma atabalhoada quando sentiu as bochechas queimarem.

- Não, tenho certeza. Nunca me esqueço de um rosto. – Roberto disse, pendendo a cabeça numa análise desconfortável. – E o seu... - Ele ergueu os dedos, como se estivesse acariciando seu rosto mentalmente.

- Ah, meu rosto é muito comum. Com certeza é isso.

- Alicia...Alicia! – Ele exclamou. Maldito Mercúrio retrógrado. – Sou o Beto, lembra? Estudamos juntos no ensino fundamental e médio.

E como poderia se esquecer? Beto, o grandão. Um popular tóxico da escola, que infelizmente era um ex crush também, deixando evidente o péssimo gosto dela para homens.

Beto até era legal no início, quando ela havia se apresentado a turma no primeiro dia, com a voz trêmula e as pernas magras balançando feito duas varas verdes. Ele a ajudara, exibindo um sorriso gigante de apoio, que não só a deu coragem, como também aquecera seu coração.

Alicia era tão infantil, boba e inocente que não percebera que ele estava ganhando a confiança dela por algo fútil: uma aposta. Afinal, como um popular como ele, que tinha todas as patricinhas aos seus pés, iria gostar da novata de aparelho e sardas no rosto?

Naquela época, Beto tinha os cabelos longos, estilo Bonde da Stronda, a banda da época. Era só ele balançar aqueles malditos cabelos e piscar aqueles olhos claros que ela e toda a escola se derretia. 

Ele a chamara para fazer trabalho em dupla, a convidara para a mesa dos populares...Até o dia que Andrews, amigo de Beto sorriu para ela, e tudo desmoronou.

Andrews tentara lhe avisar com seu sorriso sem graça. Mas ela não se dera conta que ao lado da cantina Beto estava aos beijos com a melhor amiga dela à época, Olivia.

Enraivecida, Alicia foi até a amiga e tirou satisfações. É claro que ela não tinha nada com Beto, mas a amiga sabia que ela gostava dele. Então como pudera magoá-la daquele jeito?

- Você achou que ele gostava de você? – Olivia perguntou com um berro no meio do refeitório. – Tudo o que Beto fez, foi por mim... Como você pode ter sido idiota e não ter se dado conta da aposta? – Olivia soltou uma gargalhada estrondosa.

- Q-que aposta?

- Se ele te conquistasse, teria a mim.

- M-mas... por quê?

- Porque você, Alicia – Olivia apontou pra ela. - Sempre se achou mais do que é... Exibia seu sorriso aparelhado e essas pernas magras se achando a Gisele Bündchen. Estou fazendo isso para te colocar no seu lugar, para você perceber que não passa de um mísero...nada!

Destruída, ela foi empurrada por Beto no chão do refeitório. Gritos e risadas explodiram. Ela passou a ser chamada de garça, sardenta. Até lhe fizeram uma musiquinha, que tinha como refrão: "Alicia Emília, perna de garcinha".

Por causa dele, de Olivia e da aposta idiota, ela passara o ensino fundamental e médio enclausurada, assustada demais com o bullying sofrido para poder se expor e confiar em alguém novamente.

Alicia balançou a cabeça, afugentando as lembranças.

- Lembro... – A animação com o reencontro com certeza não tinha sobressaído na voz dela. Beto riu.

- Tudo bem. – ele levantou as mãos grandes em sinal de rendição. – Não a culpo por não ficar feliz com a minha aparição.

De certo, aparição era a palavra mais exata, porque Beto era um fantasma do passado, e fazia parte da caixinha das coisas que ela queria esquecer. E estava quase conseguindo, se não fosse revê-lo naquele corpo muito maior e com mais três quilos de puro músculo.

Ela deu um sorriso amarelo.

- Não faz mal... – gesticulou ela. – Isso está no passado.

Era para estar, né.

- Ah, não. Por favor, eu insisto em me desculpar...

- Não, que isso. Não tem o que desculpar, sério. Eu até já esqueci! – deu um sorriso nervoso. Por que de repente todo mundo estava querendo se desculpar com ela?

- Você está sorrindo da mesma maneira que sorria quando eu te chamava de pernas de garças...

Os olhos dela se arregalaram um pouco.

- Você ainda lembra disso? – Perguntou abismada. No mesmo instante ele apontou para ela.

- Te peguei! Sabia que não tinha esquecido. – ele disse, sorrindo. Alicia apertou os olhos. – Então...

- Alicia! – Beth gritou da trilha de onde ela tinha saído. - Pelo amor de Deus! Eu quase emiti um alerta de desaparecimento. Você quer me matar do coração?! – A amiga vinha na direção deles pisando duro.

- Beto, essa é a Beth, minha amiga. – Ela apontou para a amiga que estava com o rosto roxo de raiva. Tadinha, o gênio ariano não a deixava nem por um minuto sequer. Beto e Beth se cumprimentaram.

- Agora eu tenho que voltar lá no hall. Fiz quase todos os funcionários procurarem junto comigo... – Beth colocou a mão na cabeça, a meneando.

- Ah, eu vou com você! – Alicia se ofereceu. – Assim eles terão certeza que eu estou sã e salva. – Soltou uma risadinha. – Então, Beto. Foi um prazer revê-lo!

Ela estendeu a mão, mas Beto a puxou para um abraço apertado. Alicia engoliu em seco quando ela colou na pele quente e dura dele.

- Estamos combinados? – ele perguntou quando a soltou, ainda segurando a mão dela.

- Combinados? - franziu o cenho.

- Vou compensar você. – Beto disse, a encarando. Alicia piscou, sem entender. Ele explicou. – Alicia, não acho que tenha sido coincidência ter te encontrado aqui. Eu nunca fico no mesmo lugar por mais de dois dias, e agora que eu ficarei quatro, gostaria de te rever mais vezes, lembrar dos velhos tempos... quer dizer, deixar o passado para trás e fazer um futuro com você. 




Olá pessoas, o que acharam do novo cap? Espero que tenham gostado <3 

Mas me digam, qual a primeira impressão que vocês tiveram do Beto? Alicia merece dar uma chance a ele? 

Alguns adendos: a história aqui contada reúne elementos reais e fictícios. Por exemplo, Balneário Camboriú existe (é e lindo!), bem como a praia do centro. Mas o resort Blue Sea e o projeto de tartaruguinhas foi inventado. 

Até o prox cap, pessoinhas. 

Beijos!

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