Um passado cheio de glórias

Nós, que estamos distantes de tudo, ou quando estamos distantes de tudo, aprendemos facilmente a olhar o mundo com lentes cor de rosa, e acreditamos que o passado é um lugar glorioso de se viver. Colecionamos dores, machucados e soluços que engolimos, cansados de tanto chorar, às vezes até sem água para chorar, porque da última vez ficamos desidratados.

A dor de agora nos faz querer olhar para o nada e quando essa possibilidade não existe, olhamos para trás, porque o que passou já foi, é passado e nós já sabemos tudo sobre ele, nós já superamos. Logo, o que passou é bom, ponto. Mesmo se quando o passado era presente, as coisas não fossem tão boas assim.

Eu temo que nossas ações desesperançosas levem-nos inconscientemente ao passado, como se ele fosse um bom lugar para se estar agora. Ele não é um bom lugar para se estar agora e sinceramente, não sei qual outro lugar seria adequado, mas essa é uma das situações em que não faz diferença, nós não podemos fazer nada sobre isso, nós não vamos voltar atrás, por mais que quisessémos.

Existem poucas formas de bom conformismo. Essa é uma delas. Evita a ansiedade. Mas, um conformismo que não precisamos é aquele que diz que estava tudo perfeitamente bem antes do grande caos. Tudo sempre esteve um grande caos, mesmo que suas origens tenham sido diversas,  sorte de quem nunca viu nada. Várias pequenas nuvens de caos sempre rondaram as cabeças daqueles que não tinham nenhum artefato para se proteger. E isso é fato.

Não tivemos um passado cheio de glórias. Tivemos conquistas pequenas, mas valorosas, mas não vencemos. Não prosperamos entes, não prosperamos agora. Éramos já miseráveis, tais quais somos hoje, sonhando pesadelos com nomes e rostos diferentes, mas sempre reféns de um triste infortúnio, que parece ser inerente ao chão e ao ar destas terras.

Eu queria que o agora fosse o melhor tempo para se estar. Mas nada vai mudar o fato de que eu estou aqui agora, miserável ou não, não sou ingrata perante a minha resistência. Ao mesmo tempo em que me recuso a apagar a dor de antes, só porque estamos muito mais feridos agora. São camadas e camadas de cortes que nunca cicatrizaram direito... E ainda esperam que estejamos bem. Qual foi a última vez que estivemos bem? Alguma fez fomos satisfatoriamente felizes. Ou apenas nos distraíamos o suficiente para não pensar em nada?

Agora temos o tédio, a insônia, a a ansiedade, assim como tínhamos o estresse, a exaustão e ansiedade. Sempre ela. E nós, sempre sem escolha, paramos quando não queremos, andamos, porque somos obrigados. Nem sabemos porquê fazemos isso. Não sabemos nada. Não nos deixam saber nada. Nunca permitiram.

Por isso me recuso a cantar as inexistentes glórias do passado, porque isso seria apagar todas as nossas antigas preocupações, que logo voltarão e elas não poderão voltar como se nunca tivessem existido antes. Nós temos que saber de cada parte, cada parte daquilo que nos falta. Temos que saber dar nome às coisas, aprender a fazer isso. Substantivar os nossos problemas e adjetiva-los e fazer frases e frases com eles até que desvendemos a solução.

É difícil. É preciso aprender muito e ensinar o dobro. É preciso ter as mãos ocupadas, para não anunciar o fim do mundo.

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Foto de capa: Audrey Hepburn e George Peppard no filme Bonequinha de luxo

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