Conversa com um sabe-tudo
Não sei o que aconteceu nesses últimos dias, sinto que minha consciência tem migrado de ideia à ideia, de história à história, que de tão fragmentada só uma parte se mantém comigo e que todas as outras fugiram assustadas com elas e comigo mim mesma. Como pode, se semana passada eu ainda maldizia o homem que hoje está sentado na minha cama? Entre vírgulas ironizava com sutileza o que ele dizia, fazia graça do que ele era, do que ele dizia, só não lhe insultava o intelecto, pois sabia que ele era mesmo brilhante e eu não poderia nunca insultá-lo, não verdadeiramente. E agora, está aqui, deitado comigo.
Mesmo que não esteja corporificado, mesmo que esteja só pela metade da metade da consciência, ou qualquer outro nome que decida dar à ela, independente de qualquer que seja o nome desse lugar ou estado ou instância em que venham a nascer as ideias, eu sei que ele está aqui, rindo da minha cara, felicíssimo com a ausência da felicidade. Deus! Como fui tola, estupidamente tola. Como não percebi que estava sendo fraca? Como não percebi o que eu quis, se é que quis o que penso que queria. Se tive prazer em alguma coisa, se pensei em o ter. Ele deve saber! De alguma forma já o sabe! Mesmo quieto, deitado, fechado, de capa dura, ele ainda tem muito a dizer. Ele já disse o mundo. Eu é que não sei, eu que não ouvi, ou não quis ouvir. O mundo já sabe, o mundo todo já ouviu.
Mas não admito. Não agora. Mesmo prestes a admitir agora, não admito. Não quero que recaia sobre ele todas as respostas do universo, nem ver que nos braços dele estão todas as coisas que eu preciso: um amparo para minha mente. Eu faço uma autoavaliação, eu escrevo, mesmo sabendo que tudo o que eu escrevo ele já disse muito mais esclarecidamente muito antes de eu nascer. Por que seu caráter de sabe-tudo me inquieta? Por quê? E o que acontece se recair sobre sua figura todas as respostas do universo? Qual a dor que sentirei lendo minhas respostas no corpus dos fragmentos da sua mente. É tão difícil admitir? Ou é bom ficar em uma pseudo negação de ironia. Pelo menos com a ironia eu posso me divertir.
Por falar em diversão, temos a ignorância, confortável e divertida, que atrai e repele. Não, não posso me dar ao luxo de seguir esses caminhos, tenho que seguir pelo outro lado, o lado que dói, o lado que machuca. O lado que me faz duvidar de tudo o que um dia eu já pensei saber. O lado dele. E ao lado dele. E depois de ler mais um pouco poderei falar: não, não sei nada, absolutamente nada e aprendi muito.
Fechei o livro. O odeio tanto que agora é meu livro de cabeceira.
_______________________________________
Foto de capa: Tippi Hedren em imagem promocional de "Os pássaros"
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top