Alucinação
O pânico ocupa as minhas horas. A maior parte delas. Todas elas. E faz meu coração sentir o que nunca senti antes: o sopro. O sopro vem, o sopro volta. A cabeça dói mais que o corpo, até o momento em que o corpo entende que deve doer mais do que a cabeça. E a realidade é um grande fragmento do absurdo, ela é tudo, menos verossímil ao que foi antes.
Pensei ver uma névoa se formar a um palmo da minha vista, mas nada realmente aparece quando estamos falando de escrita. Uma nuvem de ideias se formou e escorreu ao chão como um líquido espesso, que por fim congelou com aquele sopro de morte. Tantas mudanças de estado. O que temos aqui? Temos um cadáver de poeta. E ele está de pé. E ele parece vivo. E ele parece querer falar comigo, mas eu nunca sei quando as pessoas querem falar comigo de verdade.
Eu me arrasto aos pés do trovador, me agarro às suas vestes, aos tornozelos de seus pés calçados, às coxas de suas pernas longas, até chegar às mãos de seus braços... Face a face. Não há coragem em mim para encarar gente viva, por isso eu encaro o poeta morto e seus lábios azuis. 21 anos, 21 anos de existência terrena, mais dois séculos incompletos de diálogo travado com os que aqui ficaram. "Por que está tão triste?" Ele me pergunta. Mais dois séculos incompletos de diálogo travado com os vivos. E ele esperava que eu estivesse feliz? Dois séculos não foram o suficiente para se alcançar o que é que desejava a humanidade. Há um século festejávamos o final da grande guerra. E o que fizemos depois disso? O que estamos fazendo agora?
"Por que eu tenho que suprir minha solitude com você?" Eu disse. "E faz mal?" "Bem também não deve fazer, só porque vi meu nome em algo que escreveu... Não significa que está falando comigo agora." "Mas não é isso que fazem os poetas mortos? Respondem a tudo o que veio antes e conversam com tudo o que veio depois? Você é o depois. O antes já passou. Temos agora."
21 anos de existência finda e eu com quase 21 anos olhando aquela figura. Logo logo eu seria mais velha do que ele e ele sempre seria mais velho do que eu. "Você quer que eu te leve." Eu deveria olhá-lo com espanto, mas não havia mais espanto no meu corpo. "Não" Falei com a mesma expressão no rosto. "Eu tenho que responder o meu antes, mesmo sentindo que o meu antes não passou, mesmo sentindo que há mil coisas para se responder imediatamente nesse agora." "Agora" "Agora".
O fantasma se foi. E o agora ainda não passou.
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Foto de capa: Lauren Wilmshurst
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