A vida era aquela
No começo tudo era caos. E depois o caos se espalhou fragmentado sobre a terra em forma de existências. Antes de qualquer um de nós dois existir em matéria, o universo criou nossas consciências, quase que ao mesmo tempo. Era o início de uma nova ordem.
Nos foi dada, justamente, a capacidade de criar e, tão habituados a companhia um do outro, fizemos um trabalho em conjunto. Enquanto você inventava a mim, eu inventava você. Era uma diversão. Era a consciência recém-nascida sem a dimensão do tamanho das consequências do universo.
O tempo era presente. A vida era aquela. O mundo era apenas nós dois e a vastidão das coisas desconhecidas. Mas um momento, um crucial, a voz do universo nos deu um relógio. O tempo corria e a vida se multiplicava. E o mundo era mais vasto, coberto de outras faces. Não estávamos sozinhos. E o que era presente se tornou ontem para um de nós.
Eu vaguei na imensidão até cruzar uma porta. Não estava triste, não estava só, não estava zangada. Procurava várias coisas, porém não sabia o quê. Sonhava com o que já havia sido, mas era apenas meu primeiro dia de existência. Me distrai. Havia tantas coisas, o mundo era tanta coisa. Talvez não houvera nada antes, talvez esse antes fosse apenas um sonho febril. Me guiei pelos sinais das coisas pregadas na terra e tive uma década de insônia.
Quando cai no sono finalmente, sonhei um sonho estranho com espelhos e acordei refletindo sobre os anos passados. Me entristeci. Já não lembrava mais dos tempos da ordem e do caos, nem do meu criador- criatura, apenas caminhava para frente, apenas fazia o que as pessoas chamavam de viver. E tudo em que eu acreditei dali em diante foram nas coisas que eu podia ver. E tudo o que eu fiz dali em diante foi me perder. Até o momento em que conheci você.
Vi você e nada me acometeu. Você me viu e foi o mesmo. A sua presença não despertou minha memória e por muito tempo foi assim. Primeiro tive que sentir a sua ausência para perceber que a sua companhia me era habitual em outros tempos. E longe de você eu me perguntava: Há quanto tempo você esteve aqui? Minutos? Horas? Dias? Se juntar todos os minutos teremos um dia inteiro?
Eu estava errada. Um dia não fazia sentido. E a voz do universo me sussurrava os milênios que passara contigo. E a voz do universo me contava como criamos um ao outro e como vestígios de você perpassaram toda a minha vida e vice-versa. E eu te reconheci e você me reconheceu. E eu me reconheci em ti e você em mim. O espaço-tempo se curvou diante de nós assim que o universo não precisou dizer mais nada.
E quando fizemos atrito com nossas palavras, restauramos o caos na terra.
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Foto de capa: pintura de Joseph Lorusso
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