Escolha

A vida e a morte sempre foram mistérios para qualquer ser humano já existente.

A ansiedade causada pelo que é o pós-morte já deve ter te corroído em algum momento da sua vida, trazendo para você receio, angústia, o medo de nunca mais olhar para alguém que ama, ouvir uma risada ou sentir um abraço.

Mas em algum momento dos seus anos de vida, você já deve ter pensado: "e se eu fizesse uma escolha?"

Uma escolha capaz de te livrar de tudo aquilo que até aqui te aflige.

Se você tem uma escolha e pode fazê-la, o que acha que faria?

Eu sou Pete Pongsakorn e hoje quero que você entenda a minha escolha.

_________________________

A vida não chega para você como uma brincadeira.

Ela chega como a Lua com suas fases.

Como o Sol trazendo a luz.

E como o Eclipse levando-te direto para a escuridão.

A vida e a morte sempre caminharam juntas, tal qual um belo casal de mãos dadas que a qualquer momento pode ocorrer o divórcio.

E é nessa separação que ocorre as dores, aquelas que só existem para dois tipos.

Um, é você quem fica e sente a partida.

Dois, é você quem vai e teme o que acontece por lá.

Porém, em algum momento você já desejou por esse divórcio ao menos uma vez na sua vida.

E tudo bem.

Era como eu costumava pensar até que entendi que tal separação tornou-se minha esperança.

Com tantas coisas acontecendo em minha vida eu mal tive tempo para senti-las.

Achei que estava tudo bem não sentir.

Que isso era algo bom, afinal sentimentos são uma droga.

Uma total bagunça desnecessária.

Você se irrita por besteira, chora por menos, briga por burrice, fica triste por nada ou sente-se vazio, insuficiente, incompleto e totalmente perdido na vida.

A famosa ansiedade.

Para quê tanta merda? Afinal, eu já tinha problemas demais para lidar.

Com o passar dos anos a dor tornou-se minha companheira, estando presente dentro ou fora de mim.

Dentro quando meu pai transformou-se em vilão quando era meu exemplo de herói.

Quando meu irmão que me protegia virou-se contra mim apenas por me ver beijando um garoto.

Quando não fui suficiente para manter minha mãe viva.

Quando vovô descobriu o câncer e mais uma vez, me vi morrendo.

E fora quando eu entendi que já estava morto a muito tempo.

Não importa quantas pedras me joguem ou há quantos julgamentos serei condenado, pois nada mais importa para uma alma cuja existência perdeu-se dentro de si tornando-a em breu.

A luz deixou de brilhar a muito tempo.

De repente eu me vi como um robô obedecendo aos comandos do dia a dia, da rotina caótica e frustrante.

"Brincar", me distrair, prazer já não era mais satisfatório.

Uma doce ilusão amarga para a qual me obriguei a pertencer com a desculpa de que valia a pena continuar por aqui.

Uma ácida alusão.

A mentira mais dolorosa não vem daqueles em quem você confia.

Ela vem de você mesmo quando está sozinho no escuro de um quarto solitário, mesmo que somente você saiba tudo o que suportou e o quanto dói. E ainda assim, você escolhe esconder o que sente e mente todos os dias para a sua alma, dizendo que está tudo bem, pois tais dores não são importantes se ninguém mais se importa.

Você é a maior mentira.

É você quem se trai.

E é você quem se mata.

Quando entendi isso eu poderia mudar, tentar e trocar as mentiras por tentativa e eu fiz.

Porém, mais uma vez alguém me traiu e sequer fui eu mesmo.

Eu resolvi desistir de uma vez.

Apenas esperar até que vovô fosse para que eu também pudesse ir.

E de repente ele chegou...

Vegas trouxe sua luz junto consigo e a arrastou para dentro da minha vida.

Ele segurou em minha mão e escolheu não soltar.

Esteve comigo ainda que eu mesmo não quisesse estar, tal como agora.

Ele consegue me fazer sorrir ainda que não existam motivos.

Ele consegue me fazer esquecer um pouco do que carrego apenas ao admirá-lo.

Ele é admiravelmente lindo, tanto por fora quanto por dentro.

Vegas é como a imagem de alguém que você acompanha pelas redes sociais e sonha poder estar junto.

Ele é a brisa leve da manhã que te faz querer voltar a dormir mais um pouco.

A leveza da vida que te faz querer viver.

Mas infelizmente, para alguém como eu, esse desejo não se tornou mais possível.

Ainda que ele seja tudo aquilo que um dia eu almejava ser, infelizmente ele chegou quando nada mais me faz querer ficar.

A presença dele em minha vida me fez perceber que o meu caos é atrativo demais e ainda que ele não mereça, ela irá alcançá-lo.

Eu poderia me esforçar e mudar para tentar evitar que isso aconteça, mas como desejar tal coisa quando não desejo mais nada?

Ele não merece quem me tornei.

E já não é mais sobre mudar por alguém, mas sobre perceber que eu só estava meramente bem, com ele por perto, pois voltando a estar só o caos voltava a ser minha companhia.

São amargos demais para uma gota de adoçante.

Decidido quanto a isso, após a última crise sinto que não posso mais.

O peso da culpa junto a vergonha somado a todas as dores acorrentadas em meu ser, apenas aumenta o anseio pelo descansar.

Depois que Vegas decide deitar-se comigo e entre seu cochilo mais pesado, levanto-me para decidir onde será meu último ato.

Gostaria que minha última visão fosse ele, mas irá traumatiza-lo demais quando acordar.

Talvez o jardim?

A sala?

A cozinha? Seria como um grande pedido de desculpas e a metáfora para finalizar toda a dor junto aos cacos do desastre.

Uma grande limpeza.

Gostaria que o peso dentro de mim fosse a saudade que sentirei, porém é apenas o amargor que está aqui a anos motivando-me a continuar.

O desejo de se libertar é superior a qualquer outra emoção, pois não tenho forças nem para tentar não fazer.

⚠️

Com a faca em mãos, meu pulso torna-se a corda de um violino onde a vareta, aqui denominada lâmina, percorre profundamente a corda sanguínea mais importante do objeto que ouso chamar de corpo.

⚠️


Tenho o vovô desde os meus dezoito anos, quando ele tomou total controle sobre meus cuidados.

Ele esteve aqui durante essa trajetória dolorosa de superação que ouso chamar de vida.

Mas, como já disse uma vez, eu não queria superar, mas viver genuinamente, como qualquer criança deveria.

Tal como minha felicidade, ele também se perdeu no emaranhado caos amargo, solitário, doloroso, angustiante e infeliz que existe dentro do meu ser, fazendo-me agarrá-lo como minha motivação.

O único motivo para continuar a viver.

Até que eu conheci o Vegas.

Ah... O Vegas... Ele é um grande cara, não acham? Posso sorrir apenas por lembrar seu rosto.

Posso sentir a saudade que meus dedos trêmulos sentem de sua pele.

Posso sentir seu cheiro que por meses foi meu calmante inconscientemente.

Ah, ele... Posso garantir que foi a melhor coisa que já me aconteceu em meus vinte e cinco anos de vida. Mas o que são dois meses de alegria comparados a vinte e quatro anos e dez meses de dor?

Eu te respondo: nada.

Quando se está nadando em um oceano frio, fundo e completamente negro por muito tempo, você já não sabe como é sentir a alegria em avistar a areia na beira da praia.

Embora seja uma visão bela, a esperança dentro de você não existe, uma vez que ela se perdeu entre as águas dentro do seu ser, talvez até mesmo tenha escorrido através de seus olhos.

Um último suspiro é tudo o que acontece até que eu finalmente solte o fio que me prendia nesta vida.

☁️

Não vejo nada, nem uma escolha, nem uma pressão, nem uma opção ou direção e, por algum motivo, algo aqui dentro se sente leve por isso.

Com um longo suspiro sinto que estou consciente.

Minha mente ainda está girando e há um enjoou embrulhando meu estômago.

Sinto a consciência presente, porém meu corpo demora a respondê-la.

Abro os olhos com muito esforço e lentidão, logo os fechando.

Há muita claridade aqui.

Forço novamente minhas pálpebras a abrirem-se desta vez, mais lento ainda, pois já sei o que me aguarda.

Pisco algumas vezes para que minhas orbes possam se acostumar com a luz.

Olho ao redor constatando a única coisa que há aqui. Luz.

Não sei onde estou.

O lugar é completamente branco iluminado. Não há saída ou sequer direção.

Percebo que estou deitado em uma maca branca.

Através de um grande esforço consigo mover minhas pernas e erguer os joelhos.

Com movimentos forçados me apoio sobre os cotovelos, por fim conseguindo me levantar.

Onde estou?...

Minha respiração está pesada, porém presente.

Tenho uma sensação de angústia percorrendo meu corpo, mas não sei o porquê.

Meu cérebro comanda minhas pernas para que comecem a caminhar.

Movo minha cabeça para os lados a procura de algum lugar para ir.

Não há nada.

Absolutamente nada.

Nenhuma direção.

Olho para trás e já não vejo mais a cama.

A claridade faz meus olhos arderem.

Minha cabeça lateja. Uma sensação de raio corroendo as veias dentro dela.

Não seu por quanto tempo andei, mas há um sinal de esperança agora.

Ouço risadinhas fofas, tal como de criança.

Está tudo tão confuso.

Ouço passos leves correrem ao redor.

Forço meus olhos para ver algo com mais nitidez.

Há uma suave neblina branca ao redor.

Os sons permanecem, mas não consigo ver ninguém.

Estou ficando louco?

Uma sensação de esquecimento travando uma guerra com lembranças nada claras em minha mente.

Aperto os olhos em agonia.

Os risos parecem mais próximos.

Apoio as mãos sobre os joelhos tentando não ceder a vontade de ir ao chão.

- Oi Pete. - Uma voz extremamente dócil e infantil me chama.

Abro os olhos sentindo-me atormentado.

É uma garotinha. Ela está sorrindo para mim com seus dentes branquinhos e alinhados, com suas bochechas perfeitamente traçadas.

Forço minha visão algumas vezes para vê-la melhor.

Seus olhos são redondos e cílios longos com seus cabelos lisos. Há uma alinhada franja em sua testa.

Seu vestidinho é branco até os pés. Ela está descalça.

- Tenha paciência consigo mesmo, Pete. - Sinto sua pequena mão tocar meu pulso. Ela voltou a sorrir meiga.

Essa garotinha aparenta ter uns oito anos.

- Quem... É... Você? - Sinto-me perdido.

- Mesmo que o pulso não incomode, não consigo evitar que sua cabeça sinta os resultados do seu ato. - Diz gentilmente acolhendo-me com seus olhos.

É como se ela pudesse entender exatamente o que estou sentindo.

- Que ato?... Do que está falando? - Consigo erguer meu corpo novamente. - Onde estamos? - A luz ainda é tudo que consigo ver, além desta criança.

- Vem comigo, Pete. - Ela estendeu sua mão para mim.

- Como sabe meu nome? - A encaro confuso.

- Papai disse que nos conheceriamos depois... - Respondeu genuinamente. - Mas você resolveu adiantar o processo. - Insistiu com a mão.

- Papai?... Que? - Hesitei, mas acabei cedendo ao seu pedido.

- O criador. - Respondeu sorrindo para mim enquanto me guia para algum lugar.

Caminhamos por não sei quanto tempo, pois nada aqui parece fazer sentido.

Não há nada que sinalize o tempo.

Sinto-me confuso demais.

- Esse é o nosso jardim. - De repente a luz a minha frente começa a se desfazer em minúsculas faíscas.

A visão é bela, magnífica.

A paz reluz neste lugar.

O ar é puro.

As árvores são verdes com brilhos intensos jamais vistos a olhos comuns.

As flores são lindas e coloridas.

O jardim parece não ter fim.

Há estradas com pedrinhas entre a grama claramente verde.

Há luz no ambiente, porém agora simbolizando o Céu.

O Céu...

- Eu... Morri? - As palavras escapam de minha boca fazendo-me sentir um choque forte e rápido em meu peito.

- Ainda não. - Me olhou de baixo com um sorriso calmo.

Pisquei algumas vezes para absorver sua resposta.

- Então...? - Pergunto perturbado pela situação.

- Você precisa lembrar sozinho. - Voltou a caminhar fazendo-me acompanha-lá.

Tudo parece perfeito por aqui.

Um ar do qual nunca senti antes.

Ele é tão puro quanto o sorriso dessa garotinha.

A paisagem parece incrível, mas de repente algo parece não encaixar nela.

Eu.

E como um tiro certeiro minha mente trás a cena da minha escolha.

Aquela pontada na cabeça retorna, mas desta vez acompanhada de lembranças claras.

- E-Eu... Minha cabeça... - Volto a apertá-la.

- Sente-se. - Ela me pede pacificamente sem desfazer seu sorriso tranquilo.

Sento no banco de madeira branco envolto de flores sendo acompanhado por ela.

O ato causa dor nos meus ossos.

- Você lembrou. - Soltou minha mão para acariciar meu ombro. Suas pernas balançando.

Encaro seus olhos que parecem transparentes como água.

Suas emoções são sinceras.

Sinto-me acolhido como jamais fui verdadeiramente antes.

- Eu... Escolhi aquilo por... Eu não consigo decidir entre os motivos... - Abaixo meu olhar.

- Eu entendo você, Pete. - Tocou minha mão fazendo-me olhá-la. - Os seres humanos carregam dores que as vezes tornam-se insuportáveis.

- Como alguém tão jovem pode dizer isto? - Questiono impressionado.

- Você era mais novo quando tornou-se um adulto. - Sorriu.

O choque de suas palavras atingiram minha alma fazendo-me perder as palavras.

- Eu acompanho você desde que nasceu, posso parecer jovem porque o tempo por aqui é diferente do da Terra. - Continuou meigamente.

Sorri sem vontade.

- É irônico pensar que realmente estava sendo acompanhado.

- Sente-se traído por eu ter permitido que sofresse? - Perguntou.

- Sim.

- As crianças sentem-se assim sempre que conversam comigo, mas sabe, Pete. Eu não sou responsável por suas escolhas, mas você é. - Levantou-se para se esticar.

- Onde estou agora?... No Céu? - Pergunto admirando ao redor.

- Não. Aqui é o intervalo entre a vida e a morte. É a "questão".

- Como assim? - A olho confuso.

- A vida e a morte estão nas suas mãos. Você decide o que fazer com elas. - Explicou calmamente.

- Não faz sentido... Não decidimos quando nascer ou morrer. - Franzi o cenho.

Eu morri antes mesmo de me cortar.

- As pessoas escolhem a vida mesmo quando há dor. Se estão tentando superar ou aguentam a dor, vocês estão vivendo. Quando não conseguem mais tentar, significa que morreram, e este é o resultado.

- E a "questão", onde se encaixa?

- Ela é o resultado da sua dúvida, mas também é a sua oportunidade de escolha definitiva.

- Não consigo entender o que quer dizer.

- Aqui você poderá rever quem deixou para trás e decidirá se quer voltar por mais um tempo, ou apenas ir embora de uma vez, mas tendo em mente que se esquecerá dessas pessoas para sempre.

- Eu já não lembro de quase nada agora, não posso apenas ir?

- Não. Você lembra, mas sua mente se recusa a te expor, pois seu racional já não aguenta mais seu emocional e por isso estamos aqui, Pete.

- Se eu esqueci não quero lembrar.

- Você escolheu sofrer aquele acidente porque desejou ter paz.

- Ainda sinto a dor daquele momento entranhada em cada molécula do meu ser e alma. E não foi um acidente, foi uma escolha.

- Assim como o medo que te envolveu, como as memórias em flashs que te cercaram, como o medo que te abraçou, mas principalmente, como a angústia que te motivou.

- Não consigo lembrar de ninguém... Mas lembro claramente da enorme vontade de querer descansar...

- Quero te mostrar algo. - De repente uma grande tela branca surge em nossa frente, nela mostrando dois homens chorando ao redor do meu corpo em uma cama de hospital.

- Quem são eles? Sinto que os conheço, porém não os reconheço.

- Seu avô e o seu amor.

- Amor...? Se a minha vida não foi tão cruel, por quê eu decidi partir?

- É você quem deve responder tal pergunta.

- Eu não quero olhar. Sinto meu peito apertar ao vê-los.

- A cada três horas sua aqui, passam-se dias para eles lá. Você está internado neste momento e só voltará ou não depois da sua verdadeira escolha.

☁️

Após finalmente reconhecer ao vovô e ao Vegas, eu consegui me lembrar de tudo.

Cada ato e cada motivo por trás.

E estou mais decidido que nunca.

- Agora que lembra-se de tudo já deve fazer a sua escolha. A porta a direita significa esquecer de tudo nesta vida e tentar uma outra, quanto a esquerda te levará direto para quem ama e aguarda por você. - A jovem menina explica de forma calma.

Olho para a porta à esquerda.

Aquela escolha poderá me levar direto para os amores da minha vida, Vegas e o vovô.

Mas isso também significaria uma vida repleta de alegrias e dores a superar. Se somar a isso as que já carrego, este corpo não permanecerá de pé por muito tempo.

Agora para a direita.

Essa escolha poderá me levar para o novo e desconhecido, uma nova chance para tentar.

Também seria um esquecido ser carregando o grande nada das pequenas recordações boas já vividas.

- Eu amo o vovô. Eu amo o Vegas. Mas acho que já está na hora de me amar também, e por isso eu escolho a porta à direita.

É a única escolha que sinto que foi feita por mim e não pelas circunstâncias me imposta.

A garotinha tocou minha mão e me olhou emocionada.

- Agora que você já fez sua escolha eu quero me despedir. - Me inclinei para receber seu abraço que de alguma forma estranha mexeu comigo.

Ela se afastou para colocar suas pequenas mãos em meu rosto.

- Eu estava ansiosa para entrar em sua vida, mas agora que não poderei mais, quero que, antes de se esquecer de tudo ao atravessar aquela porta, saiba o meu nome.

- E como você se chama?

- Lhe direi quando estiver indo. - Solto-me.

Sorri para ela e para aqueles que sei que estarei deixando.

Com a paz de finalmente ter a esperança boa em minha alma caminho para a porta.

- Adeus, querido Pete. Eu sou a Anya. - É tudo o que ouço antes de esquecer tudo por completo.




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