Capítulo 4
Contrariando todas as expectativas, Matheus pareceu tirar forças sei lá de onde. Ergueu a cabeça na direção da velha, apoiou as mãos nos braços da cadeira e forçou para ficar de pé. Os gravetos de carne e osso tremeram, por um instante achei que se partiriam. Ficou de pé a muito custo. Apoiou uma das mãos na lombar curvada, empurrou e ajustou a coluna; o gemido veio junto dos estalos. Caminhou a passos arrastados até ficar frente a frente com a bruxa.
- Pai!
- Shhh! Estou bem, Thiago. Huuum... Co...mo, Mama?! - A voz de Matheus parecia vir com poeira agregada; áspera, fraca. - Co... cof-cof-cof... Coooomoooo...?
- Você precisa morrer, depois, receber o sangue dos mortos!
"Não é a Lagoa, George! É o meu sangue!" - Foi o que Trapaceiro mencionou naquela carta, não foi?
O mergulho na lagoa, crivado de balas, a sensação de engolir sangue junto da água.
Agora faz sentido!
Toda atenção sobre mim novamente. Ângela disparava olhares por toda a cena, por todos nós.
Não, não, não! Não podia dar aquele poder para eles. Não! Isso ficou muito claro para mim, digo, os motivos pelos quais a velha não havia dito desde o início para evitar toda a tortura psicológica e o ferimento do neto. Era algo demais para dar a alguém. Foi exatamente o que trapaceiro me disse uma vez: Já foste um erro!
- Vampiro! Vai fazer ou precisamos de um incentivo aqui? - Era Thiago. - Jonny!
O tal Jonny ajoelhou ao lado de Ed e puxou o cão da pistola. Colou-a em sua cabeça.
Dei uma risada de deboche, joguei as duas mãos para frente.
- Pffff! Alvo errado, Thiago.
- Ah é mesmo? Talvez explique porque você enfrentou um inferno de chamas para salvá-lo, hã?
Sempre um passo à frente. Os malditos estudaram tudo mesmo. O tempo todo eram só testes.
- Quer saber... minha paciência acabou, George! Chega de ameaças, não? Que tal algo concreto desta vez? Jonny, faça!
- ESPERA! - Dei um passo à frente, estendi uma mão em súplica. - Eu fa...
BLAM!
A bala fez um buraco pequeno quando entrou, mas abriu metade da cabeça de Ed na saída. O corpo sem vida amoleceu e desabou sobre o chão.
O menino estacou. Parecia ter petrificado.
Ângela explodiu num grito agudo e puxou a cabeça do filho contra o peito. Sacudia a cabeça da criança com os próprios soluços. As lágrimas escorriam ao queixo e pingavam sobre o cabelinho preto do menino.
Eu não acreditava no que via. Minha mente não processava aquilo. Não que Ed tivesse sido um grande amigo de infância. Pior, foi um dos que colaboraram com minha morte naquele píer. Mas no ultimo mês... Ed sofreu por minha causa, foi torturado e aguentou firme. Morreu por minha causa. Talvez eu tivesse desejado por isso há um tempo, mas não hoje.
Morreu por minha causa!
- Filhos... da puuuta! - sussurrei.
O choro convulsivo de Ângela era o som que dominava o ambiente. Pólvora e miolos queimados eram os odores que inundavam minhas narinas. Olhei para Thiago, que já tinha a arma na cabeça do menino de novo.
- Eu disse que faço, seu doente!!! - Dei largos passos na direção do cretino. Franzi o cenho com tanta força que a cabeça doeu. Travei os dentes. - Eu disse que FAÇO!!
- Se... aaaaaaaahh... se ele... trapace... cof-cof... aarrrrr!
- Se ele trapacear eu mato todo mundo, pai! Depois destruo o demônio! - Olhar firme, mirando nos meus olhos. - Jonny, derruba o velho!
- Como é que é? Matar o líder? Não! O senhor tá...
- Faz o que eu tô dizendo, porra! - Não tirava os olhos de mim, muito menos a arma da cabeça do menino.
Jonny olhou para Matheus. O moribundo se posicionou, de forma bem lenta, segurou o cano da arma e o colou na própria testa.
- Vai, Jonny... vo...cê sempre foi cof-cof... um bom... - Inspirou fundo. - bom... soldado!
Jonny puxou o gatilho, abriu mais um buraco em mais uma cabeça. O disparo jogou o líder dos caçadores para trás, o corpo atingiu o solo com o som seco de ossos protuberantes contra o piso de cimento.
- Agora - Thiago bateu com o cano da pistola na têmpora do moleque. -, dá a porra - Outra pancada. - do sangue - Mais uma pancada. - pra ele!!!
- Não! Não! Nããããããão, Thiago! Para de bater no meu filho, droga!!!
Nem a velha conseguiu se manter firme e os olhos marejaram à imagem do sofrimento do neto.
Rasguei o pulso, cheguei perto daquele desgraçado, deixei o sangue escorrer de mim para ele. Colei o antebraço à sua boca. Quando um pouco do sangue foi absorvido, o corpo, ainda morto, reagiu. A sobrevida o impulsionou a sugar e sugar e sugar. Se eu deixasse, levaria tudo o que eu tinha. Dei um murro na testa dele e o descolei de mim.
- Pronto... Está feito! Está... feito...
Thiago sorriu, ergueu-se como um menino que ganha um presente, correu e caiu de joelhos ao lado do pai.
- Anda, velho. Levanta vai! Pai! Pai!!
A alegria pareceu diminuir. Jonny e o outro cara tentavam não se distrair, cuidando da guarda dos reféns.
- Pai... Pai?!!! - Thiago passou a mão sobre a boca, pôs-se de pé. Dois passos para um lado, dois para o outro. Mão entre os cabelos, contraiu os lábios.
Sabia que levaria um tempo se fosse como aconteceu comigo. Talvez mais de uma semana. Eu precisava de uma distração, uma forma de tirar os outros das miras. E por um momento achei que a velha leu meu pensamento.
- Não era pra ter atirado na cabeça. Pode matar o cérebro não.
O psicopata encarou a velha e se aproximou com o cano já erguido.
- Como e que é, sua cachorra sardenta?! Você me fez matar meu pai em vão?!
- Não! Eu avisei pra ele! - Mama Ved'ma apontava para Jonny, um olhar frio.
Thiago olhou para ele.
- Não, Thiago, ela não falou não!
- Ah sim, Jonny! - Entendi o que a velha tentava iniciar. Era minha vez de entrar no jogo. - Sorte nossa que você não saiba ouvir sob pressão.
- Cala a boca, vampiro de bosta!!! - Thiago virou a arma para mim.
Como se adiantasse de algo me dar um tiro.
- Eu disse sim, garoto Thiago! Disse a ele que não matasse a cabeça.
Arma apontada para Jonny.
- Ela disse, Jonny?! Seja homem porra!
- Não disse... ou... - Jonny baixou a cabeça e a coçou. - Será que eu matei ele de verd... Não! Ela não disse, ou... será... - Começou a andar para lá e para cá.
- É claro que eu disse! Mama Ved'ma não erra rituais!!
- CALA A PORRA DA BOCA, BRUXA!!! - O som do disparo explodiu, a velha foi jogada ao chão, atingida pela fúria de Thiago.
- MÃÃÃÃÃÃEEEE!!!!
O garoto era uma máscara de terror profundo, coitado.
- Isso, Thiago! Essa maldita merec...
BLAM!
Um furo percorreu o tórax de Jonny, na altura do coração. O cano fumegante ainda estava em riste quando Thiago cedeu a um choro pesado, cobriu-se com uma careta de ódio e um olhar cego.
- Vocês mataram meu pai!!! Vocês mataram meu... - Virou o cano em direção à Ângela.
E foi no momento do movimento da arma que eu saltei sobre ele. Thiago arfou com o impacto na costela e disparou. Mas disparou errado. Consegui livrar Ângela do tiro. O último dos capangas abriu fogo contra mim e feriu minha perna. Engalfinhei-me a Thiago, girei-o para que ficasse na mira do atirador. O homem, concentrado em mim, não viu quando o garoto catou meu facão no chão, mas percebeu quando ele correu, gritando o ódio entalado na garganta.
Quando o caçador tentou mirar o fedelho, o facão já dançava no ar, desajeitado, porém, perigoso. Ele tentou uma esquiva, mas a lâmina alcançou o antebraço e deixou um talho profundo, obrigando o homem a largar a pistola. O menino tomou um chutão, caiu sentado.
- Deixa ele EM PAAAAAAAAAZ!!!!
Ângela engatinhou, alcançou a arma de fogo no chão e a descarregou como uma lunática nas costas do maldito que havia chutado o filho. Ele tombou para frente, as costas recheadas de furos. Meteu a cara no chão. Menos um.
Eu rolava com Thiago.
Socos. Joelhadas. Empurrão contra meu rosto, tentando se descolar de mim. Arranquei dois dedos do desgraçado de uma mordida. Ele urrou. Ajustou a mão da arma e a descarregou em meu abdômen. Os impactos do calibre pesado machucavam como brasa.
Rolamos mais uma vez. Até que sua cabeça parou ao lado do pai falecido. Em posição mais favorável, montei sobre ele, ergui o tronco e os braços acima da cabeça, entrelacei os dedos para descer com um murro de esmigalhar crânios.
E travei.
Thiago me encarou, um rosto de dúvida e desafio. Não percebeu quando a mão de Matheus deslizou até agarrá-lo pela garganta. Saltei de cima de Thiago no momento em que o corpo do pai avançou e a boca engoliu o pescoço do próprio filho.
O líder havia despertado. Se o processo era o mesmo, ele estava sofrendo com a primeira fome. Irracional e destrutiva, cega, o instinto predatório com controle máximo sobre o corpo. E o filho era a fonte de sangue mais próxima.
Sem chances para Thiago.
O filho alimentou o pai.
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