Capítulo 4.2
Tchoc... — A pá se cravou na terra.
Empurrei-a com o pé mais para o fundo, arranquei outro montinho de areia e derramei sobre um monte maior. A cova já engolia quase até a altura do meu quadril. O corpo de Ed deitado ao lado sob um pano; o garoto não precisava mais ver cadáveres.
Tchoc...
Ele sentava em um banco de um dos carros, olhava-me atento através da porta escancarada do veículo, a perna ferida com um curativo improvisado, melado de alguma coisa verde. Devia ser mais alguma feitiçaria da avó bruxa.
Tchoc...
Mama Ved'ma estava bem ao lado do garoto, de pé, fora do sedan surrado. Olhar baixo e frio, mascava um fumo fedorento. Baixou a cabeça, deixou a voz escapar baixa, numa língua que nunca ouvi, estendeu uma mão na direção de Ed, chacoalhou as pulseiras do outro pulso.
Tchoc...
Ângela mantinha as mãos juntas ao centro do peito, procurava não olhar para mim ou para meu amigo morto. Havia se escorado na tampa do porta-malas, distante da mãe e do filho. Dentre os sons dos bichos noturnos, a voz dela ressoou:
— Então... é isso?
Tchoc...
Mais um dos raros momentos em que minhas palavras não queriam deixar minha boca. A vontade que tinha era de desaparecer e esquecer que cavava um túmulo para o único cara que talvez tenha sido meu amigo de verdade. Acredite, apesar dos pesares, ele foi o único amigo que tive na vida.
Tá se perguntando por que Ed era meu amigo? Você conhece alguém que deixaria um joelho sob uma marreta por você?
Tchoc...
— George?
Parei com o pé sobre a pá, a cabeça mirando o buraco.
— É... é isso...
— Obrigado!
Encarei-a, mesmo que ela ainda tivesse com o rosto voltado para o chão.
— Não fiz isso por você... Nem pela velha...
Tchoc...
— Eu sei. Agradeço justamente por ter feito isso por ele. — Ângela se virou e deitou os olhos sobre o filho.
Deixei a pá cravada e virei na direção deles. A brisa fria e leve sacudiu meus cabelos e sussurrou em meus ouvidos.
— Esse coisa ruim fez foi por ele mesmo, filha. A gente ter escapado foi só consequência dos atos dele.
Bem que eu poderia ter aproveitado o engodo para mandar aquela desgraça para o inferno junto com os outros.
Dei um risinho de canto, tão frio quanto minha pele, inclinei a cabeça para o lado e abri os braços.
— Sempre encantadora, Ved'ma.
— Mas o fato é que você salvou meu neto e minha filha. Querendo ou não, você fez isso, cria da noite. Tenho uma dívida com você, e quando Mama tem uma dívida, ela paga. Sabe onde me achar, vampiro. — Deu-me as costas, abriu a porta traseira do carro e sentou. — Vamos embora, filha.
Então moleque olhou para mim e fez algo que ninguém imaginaria. Levantou-se e mancou até próximo do buraco. Estendeu uma mão.
Hesitei a princípio, meus dedos abriram e fecharam ao redor do cabo da pá e dedilharam a coxa. O menino ficou parado bem à minha frente, encarou-me firme. Enfim, cedi ao toque.
Ele tinha uma pegada forte. Naquele momento era a imagem de um homem feito em pele de menino.
— Emanuel. — A voz do pequeno gigante saiu arranhada e grave, como uma dobradiça, enferrujada pelos anos, se movendo. Era algo esperado de alguém que praticamente não falava nada, a não ser a palavra mãe, em raras ocasiões.
Apertei a mãozinha dele e um sorriso nasceu em meu rosto.
— Decore meu nome, George. Vou voltar um dia pra terminar o que o meu pai começou.
O sorriso parou no meio do caminho, transformou-se em lábios contraídos. Firmei o aperto de mão.
— É justo, Emanuel. É justo.
Voltou para perto da avó, sentou no banco da frente e bateu a porta.
Demorei uns segundos observando o garoto. Passou por muita coisa, era forte. Enfim, encontrei os olhos de Ângela, já parados sobre mim. Fiz um movimento positivo com a cabeça, ela correspondeu, marcou um beijo na palma da mão e o jogou para mim, permitiu-se um sorriso largo e iluminado.
Entrou no carro, girou a chave na ignição.
As luzes dos faróis ganharam distância junto do motor barulhento.
Cheiro de morte escorria forte do galpão, o vento frio lambia meu corpo, a lua banhava o cenário.
Éramos apenas Ed, os grilos e eu...
Então o vazio se juntou a nós e veio afagar minhas costas.
Tchoc...
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Muito bem, amigos, já sabem, né? Se gostou, deixa aquela estrelinha preenchida pra dar uma força.
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Abraços do Cavira!
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