Capítulo 3.1
Era muito bom poder brincar de Homem-Aranha de novo. Uma mão após a outra, um pé após o outro, percorria o complexo labiríntico grudado ao teto. Seguia na direção onde achava ser a cela de Ed, afinal, foram noites e noites ouvindo a direção de onde vinham seus gemidos. Eu era quase invisível, usava meu "toque de mágica" para ser da cor do teto para qualquer um que olhasse, só precisava tomar cuidado com os que enxergavam através das minhas ilusões.
O pobre gordo tinha sangue seco espalhado por quase todo o corpo. Hematomas no rosto e cortes decorando as costas. O chacoalhar das chaves o tirou da dormência, em um canto escuro da cela. Ergueu a cabeça, o resto do corpo com muita dificuldade e rastejou para o cantinho do quarto, a mão boa fazendo um típico sinal de pare, gemidos escapando pela garganta.
— Mnnnnf, não, não, nãonãonão, mnnnm, hmmm, não dá mais... não aguento...
Fechei a porta atrás de mim. Caí do teto.
— Desculpa a demora, Ed. Vamo dar o fora daqui.
— Ch-ch-ch-ch-chefe. Meu-meu Deus, não acredito! Chefe é você, chefe?!
— Shhh. Fica quieto. Vou tirar a gente daqui. Te prometi, né?
Arrebentei as algemas. Coloquei-o de pé.
— Consegue andar, Ed?
— Não sei.
— Olha, sei que tá f*da, mas você precisa se esforçar. É nossa fuga, cara. Você precisa andar. Vou pelo teto e te digo quando tiver limpo, ok?
Cara, a mão dele estava um horror. Era tipo uma luva solta de carne, enegrecida, com pus amarelado vazando pelos rasgos da pele, tudo isso recoberto por camadas de sangue coagulado. Não tinha nenhum osso inteiro ali e a necrose caminhava pulso acima.
— Eu...
— Deixa dessa cara de choro. Força, p*rra!
— Vai embora, George... Me deixa, cara. Se... se conseguirem te pegar de novo...
— Ei, você é meu parceiro, e parceiros sempre voltam uns pelos outros. O que...? Cê tá chorando? Agora não, Ed, vamo nessa.
— T...Tá... tá bom... func... Vamo nessa... func
— Caraca! Tá... escorrendo... éééé... meleca aí do... seu...
— Vamo nessa... chefe... func
— Assim que se fala, Gordo!
Trato é trato, e ainda restava alguma dignidade em mim. Ed marchava como um zumbi desses filmes de baixo orçamento e passava mais tempo junto às paredes, usando-as como apoio. Vez ou outra, quicava para a parede oposta e continuava com a marcha fúnebre. O coitado devia estar no limite da exaustão. Um guarda dobrou a esquina do corredor, abaixo de mim, sem que eu percebesse, no momento em que eu reparava em Ed. O caçador estacou ao ver meu parceiro do lado de fora da cela, pôs a mão no coldre e sacou uma pistola. Fiquei com os pés colados ao teto, de ponta-cabeça. O guarda quis alarmar com a voz, mas não deixei, segurei sua cabeça pelas laterais e a girei 180 graus. O homem emudeceu e pouco antes de morrer conseguiu ver minha cara sorrindo e mandando um beijinho de despedida.
— Vai pro inferno!
O corpo do cretino desabou, saltei do teto e cai agachado, segurando-o bem a tempo de evitar o barulho que aquilo faria. Abri uma cela vazia e joguei-o lá.
Minha audição, mais uma vez, não falhou. Uma lição aqui. Ninguém, nunca, fará algo perfeito, sempre haverá falhas. Talvez estas falhas só serão percebidas mais tarde. O importante é que sejam usadas no momento oportuno. Tudo o que Matheus fez foi me dar a localização de Ed e Ângela dentro do complexo toda vez que os importunava. Acabei achando a cela dela me orientando por onde achava que partia o som dos choros do moleque.
— Pssst! Hey!
Ela ergueu um pouco a cabeça. Os olhos brilharam, quase sorriu.
Destranquei a porta.
Ângela acordou o menino. Ele ficou de pé, meio bambo de sono. Esfregou a meleca dos olhos.
— Meu amor, nós vamos sair daqui hoje! Você precisa confiar na mamãe tá?
Um movimento positivo de cabeça do garoto. Ele virou o rosto e me viu entrar na cela com Ed. Os olhos petrificaram em mim. As sobrancelhas formaram um M, os punhos se fecharam e a respiração aumentou de velocidade.
Ângela lacrimejou, puxou o rosto do filho e deu-lhe um beijo na testa.
— Ei, ele vai tirar a gente daqui...
— Dá pra explicar isso pra ele depois? Leva o moleque no automático e pronto. Anda!
Ed caiu sentado ao chão, quase desmaiado.
Agarrei a grade de segurança da janela e empurrei com toda a força que deu. A base rachou e quebrou. Mais um esforço, e a grade de segurança despencou, caindo no matagal do lado de fora.
— Anda, Ed!
Ergui o grandão e o passei pela janela. Soltei primeiro as pernas, quando tocaram o solo, larguei-o. Ele caiu teso para frente. Não fosse o matagal para amortecer a descida, teria parado de cara no chão.
Som de passos vindo dos corredores.
— Rápido! Rápido! Vem moleque.
Ele hesitou, encarou-me, cuspiu no chão.
Passos mais próximos.
— Anda, fedelho! Não dá tempo pra frescurinha!
Foi a vez de Ângela me lançar um olhar raivoso.
— Querido, você quer sair daqui, não é? Nós não suportamos mais o tio Matheus não é?
O menino baixou o olhar, mirou o chão, as mãos foram aliviando a tensão.
— Confia na mamãe, filho!
— Olha só! Tem gente chegando. Dá pra agilizar aí?
Puxei o garoto sem mesmo ter seu consentimento, passei-o para o outro lado.
— Vem Ângela.
Ergui-a pela cintura nua, ela apoiou as mãos em meu ombro, encarou-me no percurso entre o chão e a janela. Pisou firme, os seios tremularam dentro do top cor de vinho. Desviei o olhar.
Um "soldado" parou de frente para a porta. A grade da janela estava em seu devido lugar, havia dois volumes ressonando debaixo do lençol.
— Ângela? Por que o portão tá destrancado? Ângela?
Ele se aproximou da cama com um risinho tarado. Olhou para trás, confirmou estar só, apertou o lençol onde deveria ser a bunda da mulher.
— Ei, gostosa — sussurrou. — ainda te...
Saí das sombras e minha mão agarrou a boca do taradão. Ele tremeu da cabeça aos pés quando eu aproximei meu olho cinza do rosto dele. Suor começou a brotar da testa do homem.
— Você deveria convidar a mulher pra um passeio antes, amor!
Apoiei a base da mão na maxila dele e agarrei o maxilar com a outra mão. Apoiei o pé na barriga do infeliz e empurrei, puxando a mandíbula, num movimento contrário. O corpo foi e o maxilar ficou em minha mão. O miserável caiu de quatro, engatinhando com a língua pendurada, quase arrastando ao chão.
— Mmmmnnheeeennn muuhhhnf nhiiiinnhi.
— Como é que é? Não tô entendendo.
Chutei um de seus braços, o peito encontrou o chão duro. Apoiei o joelho em suas costas e escutei seu pescoço estalar ao girá-lo. Deixei-o ali, sem vida.
Ângela pôs a cabeça na janela.
— Anda logo, George.
— Procura um lugar pra se esconder com o moleque e Ed, tá? Já volto.
— Mas...
— Faz isso. Vai.
****
Menguele entrou no escritório. O cheiro de café subia junto com a fumaça que escapava de dentro da xícara em sua mão. Usou o pé para bater a porta. Sentou, apoiou a xícara sobre a mesa, recostou-se na poltrona, cruzou os braços atrás da cabeça, fechou os olhos.
— Oi, doutor!
Os olhos quase saltaram das órbitas, engasgou com a própria saliva. Eu estava entre dois armários, na penumbra, segurando o abridor de boca. É, aquele mesmo que usaram em mim. Caminhei sem pressa e parei ao lado do Médico-do-inferno. Quis abrir a boca para gritar e eu soquei o aparelho com toda a delicadeza possível. Arranquei quase todos os seus dentes, a boca rasgou nos cantos. Segurei-o pelo colarinho e usei a outra mão para alargar um pouco mais o espaço daquela boca nojenta.
Ele só conseguia gemer baixinho.
— Um prazer visitá-lo, meu amigo. Acho que já podemos nos tratar assim, não é? — Fiquei caminhando ao redor da cadeira de couro com rodinhas. — Foram tantas noites em prol da ciência. Eu sempre disposto a ajudá-lo, você sempre me usando para aprender. É, é um laço que se firma, amigão! Porém, uma hora você também precisa colaborar com o aprendizado do outro. Não se pode só pedir, não é mesmo?
Menguele afirmou com a cabeça. O suor empapava a camisa na região do tórax e brotava em abundância pela testa.
— Muito bem, amigão. Então, dando continuidade aos experimentos científicos...
Calcei uma das luvas cirúrgicas da caixa sobre a mesa. Remexi em algumas gavetas, em algumas caixas. O cientista apenas observava, tomei o cuidado de estar sempre em sua rota de fuga. Por fim, achei o que tanto queria em sua maleta: O gravador. O fiel diário do Doutor Paulo Menguele.
Um sorriso de alegria estampou meu rosto. O ácido da vitória e da satisfação de dar a volta por cima borbulhava nas entranhas.
— Muuuunf muuuuun nhomiiiinf.
— Shhhh. Calma, amigão. Ah! Infelizmente tive de quebrar uma promessa. Você não será o primeiro a morrer, tive alguns contratempos, mas quem se importa. Vou te dar a mort... ops, a experiência científica mais gostosa de todas.
Lágrimas escorreram até o queixo do médico e pingaram sobre o jaleco. Os olhos suplicaram.
Acionei o botão do gravador.
— Diário do Doutor Vampiro, George Martins. Noite do inferno, pesquisa sobre anatomia humana. Objeto de estudo: Limites da Dilatação Anal.
Soltei o botão Record, apreciei o tamanho do gravador; uns 15x30cm.
— É, amigão! Vai doer pra cacete!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top