xviii. n a m j o o n

atenção: pode conter gatilhos. leiam com calma e muita atenção.

leiam as notas finais!

***

"show what the world is if."

ooo

E novamente, minha cabeça latejava, meus olhos pesavam e meu corpo estava inerte, depositado ao chão.

Um ardor cortante se fez presente na pele de minhas bochechas e nariz, meus cílios estavam pesados, como se estivessem colados. Tentei abrir os olhos, sentindo as pálpebras pesadas, quase duras, enquanto as pestanas continham pequenas pedras agarradas nelas, pedras essas que eram geladas, cristalinas. Pedrinhas de gelo.

Tateei o solo, sentindo minhas digitais queimarem, aquela sensação era conhecida, eu sabia que era. Gelo. Neve. Eu estava deitado na neve.

Abri meus olhos um pouco mais, estendendo minhas mãos até os cílios, esfregando os mesmos, retirando os cristais de gelo formados ali, sentindo uma dolorosa ardência, visto que meu rosto havia ficado muito tempo exposto à neve congelante. E foi aí que senti um peso em meu tronco, como um pequeno corpo estendido sobre meu peito. Olhei para baixo e observei o corpo de Young embrulhado em camadas de pano, as mesmas camadas que haviam nele quando ultrapassei a luminosidade azul.

Eu ultrapassei o campo de força da torre.

Tentei levantar meu tronco enquanto segurava Young, vendo que até minhas roupas pareciam congeladas. O rosto do menor em meu colo estava avermelhado, já que o mesmo estava exposto tanto quanto eu naquele frio cortante. Levantei com dificuldades, observando a imensidão branca que banhava até os picos das árvores. A neve densa construía camadas de solo, fazendo com que a cada passo que eu dava, minhas botas afundassem praticamente dois palmos nos flocos de gelo.

O vento, junto da neve que caía não ajudavam, era quase uma tempestade de flocos, deixava a vista embaçada, esbranquiçada. Cheguei no que parecia ser o topo de uma colina, e o mar branco continuava lá, banhando todo o espaço, a não ser pelo pequeno ponto marrom que observei no final dessa colina, por onde saía uma fumaça por sua chaminé. Percebi ser uma cabana, habitada, pelo que me foi notado.

Andei colina abaixo até chegar perto dessa cabana, observando a luz de dentro acesa, assim como a lareira que chamuscava o fogo ardente naquela construção de tijolos. Me assustei com a porta da frente se abrindo revelando alguém de corpo pequeno, completamente enrolado em casacos. Abracei Young, a fim de protegê-lo do que lá poderia ser aquela pessoa.

— Venha, vocês vão congelar aqui fora. — a voz suave disse, um pouco alta, tentando ultrapassar o barulho da nevasca que caia. Observei o corpo entrar novamente na cabana, deixando a porta aberta.

Meus dedos das mãos estavam começando a ficarem duros e meus olhos ardiam extremamente. Suspirei algumas vezes antes de caminhar até a porta, passando pela mesma e fechando-a, suspirando aliviado quando senti a quentura do ambiente.

Olhei em volta, vendo uma cabana pequena e aconchegante. Alguns móveis em tom creme estavam espalhados estrategicamente pelo espaço, enquanto a lareira queimava a lenha, incitando um barulho tranquilizante.

— Venha, sente-se aqui, não precisa tirar as botas. Trarei roupas quentes para você e para o seu bebê. — a voz suave foi pronunciada novamente quando uma mulher baixa se aproximou de mim, indicando a poltrona perto do fogo. Andei calmamente até ali e me sentei enquanto tentava tocar em meu cabelo, percebendo o quão duro o mesmo estava devido as pedras de gelo grudadas ali. Observando Young, percebi o mesmo respirar melhor por estar ali perto do ar quente vinda da lareira, então tirei a manta gelada que o envolvia para que o menor pudesse sentir o calor em sua pele de uma forma melhor.

Passado alguns minutos, a mulher voltou com uma muda de roupas e um chinelo macio, indicando o banheiro. Levantei com Young, tentando pegar as roupas da mão da mesma.

— Se quiser, posso ficar com seu bebê enquanto você troca de roupa. — arregalei os olhos e neguei várias vezes, agarrando Young e abraçando o mesmo. — Ei, está tudo bem, se quiser levá-lo, pode fazer isso, só estava tentando facilitar sua troca. Esperarei aqui, tudo bem?

A mulher sorriu compreensiva, se afastando e sentando no sofá perto da janela. Só aí pude reparar um pouco nela, seus fios pretos como a noite contrastavam com a pele pálida, um pouco mais avermelhada nas maçãs do rosto que compunha a face magra e simpática. Ela era pouco alta, de uma altura mediana, parecia bater em meus ombros.

Olhei alguns segundos para a mulher, não captando qualquer perigo na mesma, ela parecia tão inofensiva e confiável que me assustava, então só pude suspirar e chegar perto da mesma, entregando Young com todo o cuidado do mundo, vendo-a sorrir terna e assentir para mim, em um dito silencioso de que cuidaria do mesmo enquanto eu não estaria por perto.

Me afastei devagar e fui em direção ao banheiro, pensando em me trocar o mais rápido possível. Fechei a porta de madeira escura e acendi a luz no interruptor ali presente, observando o banheiro confortável. Era um cômodo simples, nada além de uma pia com um espelho, um sanitário e um local para banhos, tudo com cores sóbrias, que ia do marrom escuro até o creme.

Apoiei as roupas na pia e me olhei no espelho, observando minha expressão. Minha pele estava esbranquiçada, extremamente pálida, enquanto meus lábios tinham uma coloração vinho, como se o roxo do frio se fundisse com o vermelho do calor que passei a sentir quando entrei na cabana. Minhas bochechas estavam com um tom de rosa muito leve, como se a minha pele estivesse começando a respirar, tendo em vista estar em um ambiente com uma temperatura mais agradável que antes.

Meus cabelos já não continham mais pedras de gelo, e o mesmo estava úmido pelo gelo ter derretido. Olhei para as roupas em cima da pia, começando a desdobrá-las. Observei uma blusa de mangas curtas e outra de mangas longas, ambas brancas, uma calça de um pano confortável vermelho — que me fez lembrar de Jimin — e um casaco cinza. Também observei as meias que a mulher me disponibilizou, elas eram brancas com algumas bolinhas amarelas, me fazendo sorrir com a graciosidade da peça. Os chinelos confortáveis, que pude identificar serem pantufas, eram rosa claro, o que me fez sorrir novamente.

Percebendo que tudo era de um tamanho agradável, tratei de retirar as minhas roupas, percebendo minha pele extremamente gelada. Peguei uma toalha também entregue pela mulher e tentei secar um pouco meu cabelo, a fim de minimizar a sua umidade. Assim que peguei a primeira peça de roupa para vestir, me assustei com batidas na porta, seguida de uma voz abafada por trás da mesma.

— Olá, desculpa atrapalha-lo, é que eu nem disse isso a você, mas se quiser tomar um banho quente, fique a vontade, talvez só as roupas quentes não resolvam, mas é você quem sabe, faça o que achar melhor. — sua voz calma tinha um tom apreensivo, recuado, como se estivesse com medo de dizer algo errado, ou de estar atrapalhando.

— Eu estou bem apenas com as roupas, muito obrigada pela hospitalidade. — direcionei a fala pela primeira vez a mulher.

— Ok, tudo bem. Eu ainda estou aqui na sala. — finalizando, ouvi seus passos se afastando da porta.

Olhei novamente para a blusa em minhas mãos, colocando-a, seguida da outra de mangas longas. Peguei a calça confortável e passei as pernas, sentindo a mesma aquecer meu corpo. Peguei o casaco e passei pelos braços e cabeça, me enrolando um pouco com o cadarço conectado ao capuz do mesmo, me sentindo extremamente quente com todas as roupas.

Observei as meias uma segunda vez e, ainda sorrindo, coloquei-as no pé, seguidamente das pantufas, percebendo o quão confortável estava. Passei os dedos pelos meus cabelos bagunçados, arrumando-os para que ficasse de uma maneira apresentável. Peguei as roupas que eu havia tirado e as embolei em meus braços, logo saindo do banheiro e me dirigindo a sala.

— Oh, pode me dar suas roupas, eu as lavarei. — a mulher se levantou apressadamente do sofá, pegando as roupas da minha mão e a bota, indo até o banheiro e deixando-as lá. Procurei por Young e o encontrei deitado no mesmo sofá em que a mais baixa estava, com outras roupas, acoplado a uma cama improvisada feita de almofadas confortáveis.

Como aquela mulher tinha roupas que cabia em mim e em Young?

— Sente-se. — a de cabelo preto voltou, apontando para a poltrona que eu havia sentado antes. Observei a sala novamente, sentindo-me um pouco mais familiarizado com o ambiente acolhedor. — Você quer alguma coisa para beber? Eu estava preparando chocolate quente antes de você chegar, se quiser eu posso pegar uma xícara para você.

— Eu estou bem assim, muito obrigada. — neguei educadamente, recebendo um aceno da mulher logo depois. — Você havia me visto lá fora?

— Sim, eu estava aqui sentada e o vi lá no alto da colina, esperei descer para chamá-lo para entrar, está muito frio lá fora. — disse, apenas, e manteve seu olhar me observando, às vezes desviando para Young que dormia tranquilamente.

Estranhei seus olhos serem compreensivos em demasiado, parecia que a mesma estava a par de toda a minha história.

— Qual o seu nome? — a mesma perguntou enquanto mexia nos pezinhos tampados do bebê.

— Jungkook. — disse, simples. — A senhora não vai me perguntar o que eu fazia naquela nevasca com um bebê de colo?

— Eu acho que tenho uma noção do que fazia, Jungkook. — a mesma direcionou seus olhos a mim, olhos esses tão expressivos que me assustava, e foi então que percebi sua cor.

Azul. Seus olhos eram azuis.

— Meu nome é Moon. Acredito que você nunca tenha ouvido falar de mim. — ela sorriu, mas seu sorriso era um pouco angustiado, parecia não gostar da ideia de ter sido esquecida.

Eu estava completamente estático. O ar começou a faltar e levei um tempo até perceber com quem estava falando.

— Você é a filha do senhor Bonhwa? — perguntei, incrédulo.

— Então eles não fizeram vocês esquecerem que eu já existi?

— Bom, fizeram, mas o senhor Bonhwa me contou sua história. Eu sou o recebedor dele, você seria minha doadora se não tivesse... — e então, tudo começou a ficar bastante claro em minha mente.

A Moon havia se jogado da colina, assim como eu, então, se eu não havia morrido, ela também não havia. Ela havia andado todo o caminho até a torre e ultrapassado o portal, chegando até aqui.

— O senhor Bonhwa não vai acreditar que a filha dele está viva. — sussurrei, pensando alto. — O que aconteceu com você? Por que mora aqui?

— Bom, é uma longa história. — ela disse, passando os dedos pelos fios antes de continuar. — Como você deve saber, eu pulei a colina, e assim como você, não morri. Eu admito, tentei suicídio, já estava extremamente farta de tudo aquilo, de todas aquelas memórias. Quando eu vi que não havia tido sucesso na minha tentativa de tirar minha própria vida e não queria de jeito algum voltar para aquele lugar, eu comecei a andar. Andei por muitos lugares, ultrapassei vários climas diferentes, quase morri de fome e de sede, mas então eu achei aquele campo de força. Achei que fosse só mais um obstáculo que eu deveria passar, eu já havia desistido de viver, só estava prolongando as coisas antes de desistir de vez. Quando ultrapassei o campo de força e apaguei, imaginava que ali eu havia de fato morrido, até que acordei nessa cabana, sendo cuidada por um homem que tinha a minha idade e que, no final, se tornou o meu marido. — Moon sorriu ao dizer isso. — Vivemos nessa cabana durante todo o nosso casamento, tivemos uma filha linda, mas...

Ela parou sua fala, suspirando e olhando para baixo, antes de continuar.

— Mas eles morreram em uma avalanche que teve aqui por perto, a uns dois anos atrás.

— Eu sinto muito. — falei, em um tom triste. Perder alguém que ama deveria ser uma das piores coisas existentes, sabia disso porque a menção de perder Jimin trouxe uma dor devastadora, algo que me sufocou extremamente, então nem tinha ideia de como Moon estava se sentindo com essa perda sendo concretizada.

— Está tudo bem, o tempo que passei com eles foi extremamente maravilhoso, fizemos ótimas memórias e eles marcaram minha vida para sempre. Tenho apenas memórias boas com eles e a única dor que sinto é a da saudade, porém o tempo está curando isso, ainda sinto a presença deles aqui e isso já basta. — sorri quando seu sorriso acolhedor foi direcionado a mim. — O meu marido me contou algumas coisas. O seu pai era filho do primeiro homem a ter as memórias que você recebeu.

Espera.

O que?

— Como assim o primeiro homem a ter as memórias? Isso quer dizer que...

— Que Kim Namjoon, o avô do meu marido, foi o primeiro homem a ter as memórias e repassá-las lá na Sociedade.

A minha cabeça rodou de uma forma torturante, me fazendo ter tontura, percebendo a visão escurecer. Senti uma mão em meu ombro me levando para trás a fim de me fazer encostar no sofá.

— Você parece fraco, não come a muito tempo, não é? — Moon perguntou com seu tom preocupado. — Vou buscar um chocolate quente e alguns biscoitos.

Percebi a mesma se afastar indo até outro cômodo enquanto minha cabeça ainda rodava. Aquilo tudo parecia irreal. Onde eu estava? Eu havia passado o portal, então onde exatamente eu estava?

Observei Moon voltar com uma bandeja onde havia uma xícara, um pote de biscoitos e uma mamadeira pequena, talvez fosse de sua filha.

— Trouxe um leite quente para o bebê, ele também deve estar faminto. — a mesma pegou Young no colo, sendo cuidadosa ao começar a alimentá-lo. — Pode ficar a vontade e comer quantos biscoitos quiser.

Agradeci pegando a xícara e tomando do conteúdo, sentindo a quentura quase derreter minha língua, mas ainda sim era uma sensação boa, e o doce do líquido saciava-me quase que instantaneamente. Suspirei aliviado, pegando um biscoito e comendo, percebendo meu estômago quase agradecer por finalmente estar recebendo comida.

Enquanto me alimentava, minha cabeça ainda trabalhava, ainda pensava no que Moon havia dito.

— O que seu marido lhe contou sobre o bisavô dele? — perguntei, curioso.

— Ele contou que o Kim era um homem muito inteligente, mas que não concordava com o que os líderes da época estavam fazendo. Antes de virar o primeiro homem a ser o doador das memórias, ele era cientista, trabalhava no laboratório do Centro Internacional de Análises Científicas analisando pedaços fragmentados de rochas e substâncias diferentes encontradas ao redor do mundo. Após alguns estudos, foram encontrados rupturas na atmosfera causados pela poluição, e isso afetava o solo natural. Também houve uma diminuição considerável na produção de oxigênio pela fotossíntese, e em alguns lugares haviam pessoas que estavam adquirindo problemas respiratórios, em outros, pessoas começaram a morrer sufocadas, sem conseguir respirar. Com o desmatamento e a matança excessiva de animais selvagens e silvestres, o bioclima e habitats naturais começaram a ficar instáveis, desintegrando-se aos poucos. Com a água secando, as chuvas passaram a serem escassas, e com o solo em má qualidade, a produção de alimentos passou a diminuir, importação e exportação de produtos também diminuíram. O mundo começou a parar e as pessoas começaram a matar uns aos outros, seja para roubarem o que os outros tinham, seja para cometer canibalismo.

Fechei meus olhos fortemente, estava tão difícil ouvir aquilo tudo. O mundo tinha realmente se tornado aquilo que sempre diziam para mim. Então os superiores estavam certos...

— Eu sei que é difícil ouvir, mas quando eu terminar, você entenderá tudo. — Moon terminou de alimentar Young, vendo-o já quase dormindo. A mesma balançou o pequeno corpo em seus braços enquanto suspirava, retomando sua fala. — Namjoon começou a se desesperar, assim como os líderes mundiais. Após uma reunião, algo absurdo foi proposto: desistir daquele mundo. Eles queriam que o mundo se deteriorasse, engolindo a si mesmo junto das pessoas que viviam, mas Namjoon foi contra aquilo, ele queria que fizessem algo, que arranjassem uma maneira de salvar as vidas inocentes que ainda se mantinham fortes. Então os líderes acabaram tendo a ideia de criar a Sociedade, um lugar onde habitaria apenas os escolhidos e os filhos destes, onde a justiça e a paz reinariam, e essa ideia foi colocada em prática, a Sociedade fora erguida e Namjoon achava que tudo estaria bem, mas o que ele não sabia era que os líderes não colocariam todos os inocentes nessa Sociedade, ele colocaria apenas a elite, aqueles que tinham como pagar por uma salvação. O Kim se irou, óbvio, não havia cabimento eles pensarem em dinheiro naquele momento, era uma questão de vida ou morte, o mundo estava sendo destruído e eles ainda pensavam em serem mais ricos do que já eram.

Uma corrente se passou por todo o meu corpo, me fazendo bufar alto enquanto minhas mãos se apertavam em punho, como eles poderiam ser tão fúteis em um momento como aquele?

— Como Namjoon não estava mais disposto a cooperar, os líderes decidiram desligá-lo do posto de cientista chefe, mas não queriam perder a mente brilhante de Namjoon, que parecia ter a capacidade de guardar grandes coisas, coisas valiosas. Então eles decidiram apagar as memórias dele, deixando apenas a memória do mundo sendo destruído, apenas as imagens do mundo caindo dentro de seu próprio poço, e com isso, eles decidiram mandar o Kim para a Sociedade e denominá-lo portador das memórias. Enquanto a Sociedade se erguia, Namjoon era perturbado pelas lembranças que se mantinham em sua memória, mas ele era tão forte que em um dado momento, suas lembranças voltaram e ele entendeu o que haviam feito consigo, mas manteve aquilo em segredo. Quando a Sociedade já estava erguida e devidamente regrada, as designações começaram a serem feitas. Os líderes sabiam que uma hora Namjoon morreria, e não gostariam que todas as outras pessoas daquela sociedade se rebelassem contra eles caso alguma delas fossem contra seus superiores, já que todas elas passaram pelo processo de esquecimento das lembranças. Logo, Namjoon passou a ser doador de memórias, passando memórias para aqueles que, de alguma forma, não conseguiam ser totalmente receptivos com os medicamentos de esquecimento que eram dados. Como os remédios eram fortes, raramente acontecia de um ou outro não aceitar totalmente, mas acontecia, e periodicamente, criando um tipo de rotina. Todos os doadores são pessoas "quebradas", pessoas que biologicamente falando não aceitam completamente os remédios. Todos vocês, recebedores, são assim, "erros" genéticos.

Jungkook estava atento aquilo tudo, tentando assimilar todas as coisas, achando quase impossível entendê-las bem, mas não queria que Moon parasse.

— A ideia de passar a designar como recebedores de memória essas pessoas "quebradas" partiu de Namjoon, que de primeira não foi muito aceita, mas ele não desistiu, dizendo que era o melhor a se fazer, que as pessoas quebradas eram mais propensas a se rebelarem, mas que recebendo as memórias, elas teriam motivos suficientes para não fazerem isso, muito pelo contrário, serem os apaziguadores da Sociedade, caso algum tipo de rebelião pudesse acontecer. Os superiores aceitaram aquilo e, como eu falei, passaram a observar tais pessoas com essas deformações genéticas, mas Namjoon tinha outros planos. Como ele seria a pessoa que repassaria as memórias, ele implantaria outras coisas boas na cabeça dos recebedores, colocaria em suas memórias sobre a vida, sobre a humanidade, sobre a beleza das coisas. Os superiores não sabiam que ele havia recuperado suas memórias antigas, então tudo foi muito mais fácil, e logo, Namjoon estava repassando suas memórias para o primeiro recebedor, ou melhor, recebedora: a Sook.

— Sook? Está falando da líder Sook? — perguntei um tanto alto, tampando minha boca quando observei Young se balançar enquanto acordava. Moon balançou o seu corpo, fazendo o pequeno fechar os olhinhos novamente, caindo no sono logo depois. — Como assim a líder Sook foi a segunda recebedora?

— Sim Jungkook, ela foi, e ela fez Namjoon ser expulso da Sociedade quando contou aos superiores o que Namjoon estava repassando para ela, e foi assim que a mesma ganhou a confiança dos superiores para, mais tarde, virar a líder. — abri a boca, incrédulo. — Mas, antes de mais nada, preciso dizer que ela não fez isso porque queria acabar com os planos de Namjoon, ela só estava assustada, também estava confusa, foi manipulada, assim como todos que moravam na Sociedade. Ela sentiu medo e acabou contando para os superiores, que exilaram Namjoon para fora da Sociedade. Mas o Kim sabia que algo poderia acontecer, e ele queria que acontecesse, ele tinha esperanças de que aquela Sociedade criada a base de regras fosse um lugar mais humanitário, então antes da Sook contar para os superiores o que Namjoon repassava para ela, ele tinha acesso a sede e, consequentemente, acesso a sala de comando. Ele sabia sobre o campo de força que protegia as redondezas da Sociedade e tinha acesso ao laboratório que fazia o medicamento que tomávamos todos os dias. Ele fez algumas modificações no campo de força e na fórmula do medicamento, criando um vínculo com os dois. Ele parecia saber o que aconteceria, pois fez essas modificações um dia antes de ser expulso.

— E o que aconteceu depois? — perguntei curioso, tirando um sorriso de Moon.

— Bom, ele andou todo aquele caminho que andamos, até ultrapassar o campo de força e construir essa cabana. Ele passou a monitorar esse local durante todo o tempo de vida dele, esperançoso para que, em algum momento, o plano dele pudesse dar certo e que alguém além dele ultrapassasse o campo de força como ele, dando fim a tudo aquilo.

— Mas... — estava confuso, muito confuso. — Se a Sook era a recebedora, ela passou as memórias para o próximo recebedor?

— De certa forma, sim, mas não passou aquilo que Namjoon mostrara a ela e sim o que os superiores colocaram na cabeça dela e, assim, ela repassou o que eles queriam.

— Então... Como as designações dos recebedores continuaram com as memórias sobre a vida? Porque o senhor Bonhwa me mostrou coisas que eram proibidas de serem mostradas, suponho que são essas memórias que Namjoon repassou para Sook, não?

— Sim, foram, mas o que ninguém sabe é que havia uma criança que nascera um tempo depois de Sook, e essa criança também veio quebrada. Os médicos iriam descartá-la, mas Namjoon conseguiu pegá-la e criá-la sem ninguém saber. Ela ficava escondida pela casa da colina, casa essa construída por Namjoon, e essa criança foi primordial para armazenar as lembranças de Namjoon. Quando ele se fosse, essa criança deveria passar as memórias para a recebedora de Sook. E como hoje você está aqui contando que recebeu as memórias do meu pai, isso significa que a criança conseguiu passar as memórias. Queria saber quem era essa criança, mas ninguém a conhece, ela não tem registro, o único que conhecia era Namjoon.

— E quem foi essa recebedora da Sook?

— Eu não sei, Namjoon não disse, nem ele mesmo soube como se sucedeu isso tudo, mas ele esperava que desse certo, e pelas minhas contas, a recebedora deveria ser a doadora do meu pai. — boquiaberto, eu tentava ligar um ponto no outro, a compreensão quase se esvaindo de tão cheia que minha mente se encontrava.

— A senhora Lim... — murmurei, vendo Moon balançar a cabeça. — Mas os superiores não desconfiaram de nada?

— Acredito que não, já que as memórias ainda estão vivas e sendo repassadas. Talvez a criança que armazenava as memórias tenham passado para a Lim quando ela já tivesse assumido a posição de armazenadora oficial das memórias.

— Então faz sentido ela começar aqueles estudos. — falei comigo mesmo.

— Que estudos? — Moon perguntou enquanto pegava um biscoito dentro do pote quase vazio.

— A senhora Lim havia feito um estudo de reconhecimento de campo. Ela descia a colina e caminhava até onde conseguia, depois voltava, e enquanto ela fazia isso, criava um mapa. Foi dessa forma que consegui chegar aqui, através do mapa dela.

— Provavelmente fora Kim que influenciou Lim a fazer isso, ou talvez ela tenha feito por contra própria. Talvez ela também achasse errado o que criaram naquele lugar e queria que tudo acabasse.

— Mas não faz sentido. A senhora Lim chegou até o campo de força, mas não ultrapassou. — falei, fazendo minha cabeça quase fritar tamanho esforço mental que eu fazia. — Mas por que?

— Eu não sei Jungkook, não sei mesmo.

Suspirei, vendo Moon parecer frustrada. Percebi que ela também fazia esforço para tentar entender o que aconteceu, mas sem sucesso. Comecei a refletir sobre minhas ações, lembrando de todo o trajeto até aquela cabana. Eu estava frustrado, para onde iria depois daquilo? O que aconteceria?

— Você mencionou que Namjoon havia feito modificações no campo de força e no medicamento. O que ele fez? Você sabe? — perguntei baixo e um pouco triste, os fantasmas das minha confusões ainda inundando minha cabeça.

— Eu não sei explicar muito bem, Namjoon era físico e médico, ele explicou de uma maneira bem complexa para o pai do meu marido, então as informações são meio sem sentido pois nem o pai do meu marido e nem ele tinham conhecimento sobre o assunto, mas se não me falha a memória, Namjoon criou um vínculo entre o campo de força e o medicamento, onde a partir da ruptura do campo de força feita por qualquer organismo que tenha a composição do medicamento em si, ou seja, a passagem de alguém por ele que já tenha tomado o medicamento alguma vez na vida, faria o mesmo se quebrar, desprotegendo a Sociedade e rapidamente, de um a um, os medicamentos deixariam de fazer efeito. Eu não faço ideia de como ele fez isso, mas há algo como uma rede que conecta todos os habitantes, como se todos eles estivessem ligados um ao outro. O medicamento não deixa essa ligação ficar evidente, mas ela existe e se manifesta principalmente nos doadores, justamente por essa dificuldade em ter o medicamento fazendo efeito em seu organismo.

Estalei os dedos quando um ponto se acendeu em minha cabeça.

— É por isso que o senhor Bonhwa consegue ler minha mente, nós somos ligados.

— Provavelmente é isso.

— Ok, então se alguém ultrapassasse o campo de força, os remédios parariam de fazer efeito e as pessoas começariam a ver tudo de outra forma, certo? — Moon balançou a cabeça em concordância. — Mas se isso realmente fosse possível, por que não aconteceu quando você ou Namjoon ultrapassaram?

Moon me olhou confusa, seus olhos pareciam perdidos enquanto a mesma pensava na minha pergunta. Olhei para os lados, tentando inutilmente encontrar uma resposta para tudo aquilo. Não fazia sentido, se as pessoas eram interligadas, isso significa que se uma furasse a barreira, tudo se desfaria, a não ser que...

— Moon, sabe me dizer se as pessoas sabiam que o Namjoon existia? — perguntei, com um misto de dúvidas e uma leve esperança.

— Ahn, eu não sei, provavelmente não por que meu marido disse que ele só ficava trancado na casa da colina, só às vezes ia na sede dos superiores.

— Eu acho que o fato de nem ele e nem você conseguirem romper o campo de força foi porque vocês foram desligados da Sociedade, da cabeça das pessoas, ou melhor, o Namjoon nem mesmo foi conectado a elas. — falei com os olhos arregalados, colocando meus pés para cima do sofá e cruzando as pernas, tentando ficar mais confortável. Já me sentia extremamente acolhido naquela casa.

— Mas e a Sook? E aquela criança que armazenou as memórias? — Moon perguntou.

— A criança foi pega quando ainda era um bebê, nunca recebeu uma dose grande de medicação, logo ela não havia conectividade com as outras pessoas, e a Sook, bom, acho que ela parou de receber o medicamento quando ela denunciou o Namjoon.

— Isso explica por que o campo de força não foi rompido, precisa haver conectividade, as pessoas de lá precisam saber da sua existência. — Moon finalizou, me fazendo concordar. — Você deixou alguém lá que lembrasse de você?

— Sim, a minha família inteira, mas a uma hora dessas eles já receberam o medicamento para esquecerem de mim, assim como como Taehyung, porém tem o seu pai e o... — suspirei pesado. — O Jimin.

— Jimin? Quem é? — a outra perguntou enquanto mudava Young de posição em seus braços.

— Ele trabalha no Centro Maternal, é um... Amigo. — suspirei novamente olhando para o nada enquanto lembrava do seu sorriso cativante, sorriso esse que era capaz de salvar vidas.

— Amigo, é? Seus olhos estão brilhando. — Moon exclamou, me fazendo balançar a cabeça, tentando desfocar do rosto quase divino de Jimin que moldava a minha mente.

— Isso não vem ao caso. — falei enquanto bufava, vendo Moon rir mais alto. Acabei sorrindo também, até que me assustei com o grito vindo da mesma.

— Jungkook! — ela levantou de repente, colocando Young deitado no sofá ao meu lado, começando a andar de um lado para o outro na sala. — Você disse que tem pessoas lá que lembram de você, então isso quer dizer que...

— Que eu posso ter quebrado o campo de força. — murmurei enquanto arregalava os olhos.

— Você precisa voltar para lá. — a outra falou enquanto andava mais rápido em volta dos móveis.

— Voltar? Mas como farei isso? Eu não sei nem onde estou, nem sei como acharei novamente o portal. — exclamei, vendo Young se mexer enquanto acordava.

— Não sabe onde está? No mapa da Lim não dizia para onde o portal levava?

— Não, ela não passou por ele, como ia saber onde ele dava?

— Jungkook, você está no antigo mundo, aquele que foi destruído, segundo os superiores. — Moon falou, me fazendo juntar a sobrancelha em uma confusão explícita.

— O que? Eu estou no antigo mundo? O mesmo mundo que acabou? Mas... — suspirei, nervoso, olhando em volta. — Eu não entendo, você mesma disse que os líderes deixaram o mundo se deteriorar aos poucos.

— Disse, e ele chegou perto de acabar, mas algumas organizações independentes fizeram diversas ações ao redor do mundo e, com o tempo, elas conseguiram estabilizar a destruição. Algumas ONGs juntaram grupos de botânicos para deixarem o solo melhor enquanto replantavam árvores, outras investiram em produções agrícolas artificiais que não necessitariam do solo em si e sim de uma terra laboratorial, outras investiram na caça de pessoas que comercializavam animais silvestres ou mantinha-os em cativeiros como circos e zoológicos, outras ajudavam famílias a encontrarem um novo lar. Isso dura a anos e houve consequências que serão irreparáveis, mas estamos todos tentando, Jungkook. Diferente do que é ensinado na Sociedade, a humanidade tem salvação, sim, ainda existem pessoas que gastam todo o seu dinheiro desenvolvendo projetos para melhorar o mundo, para transformá-lo em um lugar plenamente habitável.

Observei Moon sentar-se do meu lado e, enquanto pegava em minha mão, seus olhos brilhavam, um brilho que motivava, um brilho de esperança.

— Agora, mais do que nunca, você precisa mostrar para todo mundo o que aquela Sociedade realmente é, precisa mostrar que não há mais perigo. Mostre o que o mundo se tornou, Jungkook.

Suspirei enquanto encarava seus olhos, assentindo logo depois.

A Verdade sempre prevalecerá.

xxx

oi rs *desviando das pedras*

EU SEI, eu demorei séculos pra voltar, eu sei bem e não pensem que esqueci da fic, na verdade eu pensava todo dia nela, já expliquei o motivo pelo qual demorei tanto, mas caso não tenham visto, eu vou explicar de novo.

eu faço faculdade de filosofia, e como provavelmente algumas pessoas sabem, nossa vida é ler e escrever, então isso me desgastou completamente, me fazendo ficar exausta de escrever, logo precisei tirar um tempo pra colocar a cabeça no lugar pra produzir esse capítulo. ele foi complicado, muito complicado, vocês puderam ver a volta que a história deu e o quanto de coisa que tive que escrever pra explicar tudo (se alguém ainda tiver algum tipo de dúvida, podem perguntar nesse parágrafo ou me chamar lá no meu tt que ta na minha bio), então precisava de paciência e MUITO foco.

todo escritor passa por momentos de falta de criatividade, isso é normal, e não foi diferente comigo, mas olha como sou desgraçada, enquanto tinha bloqueio com memoriae, eu elaborava outra fic, que já está quase toda escrita. no final das contas, eu não parei porcaria nenhuma, continuei escrevendo porque é isso que eu faço, é isso que amo fazer.

sobre a nova fic, falo depois rs

de qualquer das formas, eu gostaria muito de agradecer a todos que esperaram por essa última att antes do epílogo (que pretendo postar amanhã), eu deixarei uma mensagem maior lá agradecendo de uma maneira melhor.

sobre o cap, é aquilo mesmo, eu precisava colocar o namjoon como o gênio do universo porque é a mais pura verdade, se esse homem não é a pessoa mais inteligente do planeta, eu não sei quem é. se quiserem conversar sobre qualquer coisa, podem me chamar, sério, eu amo interagir com vocês, então CALL ME.

é isto. desculpem qualquer erro.

beijos *:

lola.

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