6 - Desconforto
Eu estava sentado na cama, os olhos fixos no teto.
A dor na cabeça ainda estava ali, constante, como uma lembrança teimosa do acidente.
A sensação de que o mundo ao meu redor ainda girava, que eu não tinha controle total sobre o que estava acontecendo com meu corpo, me deixava puto.
Eu sempre fui alguém que controla tudo. Agora? Eu estava à mercê de algo que não podia entender.
O quarto estava em silêncio até que a porta se abriu suavemente.
Eu sabia quem era antes de olhar. Não precisava.
Pete entrou com aquele sorriso tranquilo que me incomodava tanto quanto me intrigava.
Eu sabia que ele estava ali por uma razão que eu ainda não conseguia definir.
Ele não fazia barulho, não se movia rápido demais.
Apenas estava ali, com a calma que parecia incomodar o ritmo frenético da minha cabeça.
- Você está bem? - A suavidade da voz dele não ajudava a dissipar a tensão no meu peito.
Eu não sabia como responder.
Não sabia o que ele queria ouvir. O que ele queria de mim? Por que ele parecia tão... sem pressa, tão tranquilo, quando tudo em mim estava em conflito?
Minha resposta saiu mais áspera do que eu pretendia.
- Eu estou preso aqui, sem poder fazer nada.
Pete não pareceu se ofender.
Ele deu um passo mais perto, com um olhar que não fugia do meu, e isso me fez sentir ainda mais irritado.
- Eu sei que deve ser difícil. Você precisa descansar.
Eu franzi a testa, e meu corpo se encheu de uma raiva fria. Eu não queria descansar. Eu não queria ficar aqui. Eu não queria essa fraqueza em mim.
- Eu não preciso de descanso. Eu preciso sair daqui. - A voz saiu mais ríspida do que o esperado, e eu percebi, mas não me importei.
Pete permaneceu em silêncio por um momento, como se estivesse avaliando cada palavra minha.
Eu queria olhar para ele e dizer algo mais, qualquer coisa que fizesse sentido, mas tudo o que eu conseguia sentir era uma pressão no peito, um desconforto em ver alguém tão calmo diante da minha confusão.
Eu queria poder contra-argumentar, mas Pete parece saber muito mais do que eu. Isso me irrita.
Mas também devo admitir que me faz querer saber mais, afinal eu não lembro de quase nada agora.
E então ele fez algo que me pegou de surpresa.
Sem pedir, ele se aproximou mais, mas parou antes de ultrapassar o limite do meu espaço pessoal.
Não disse uma palavra, mas foi como se sua presença tivesse invadido o espaço que eu queria manter só para mim.
E aquilo me irritava, de uma forma inexplicável.
Alguém que eu nem sei se é real consegue me tirar do sério facilmente.
- Por que você continua aqui? - Eu finalmente perguntei, a frustração transparecendo na minha voz. - Eu não sou um cachorro que precisa de alguém por perto para ficar tranquilo.
Pete sorriu, mas não era um sorriso de deboche. Era um sorriso tranquilo, como se soubesse algo que eu não sabia.
- Porque você precisa de alguém, Vegas. E eu estou aqui para isso.
Eu o olhei, tentando entender o que ele queria dizer.
Mas, na verdade, era como se suas palavras passassem por mim sem deixar marca.
O que me incomodava, o que realmente me fazia querer mandar ele embora, era a sensação de que ele sabia de algo que eu ainda não tinha aceitado.
Eu suspirei, me afastando um pouco de sua presença, tentando recuperar o controle que estava começando a me escapar.
- Eu não preciso de nada disso. E você... você não devia estar aqui.
Mas ele estava. E, de algum modo, isso me fazia sentir algo estranho, algo que eu não queria sentir.
Não agora. Não enquanto tudo estivesse fora de controle.
Pete permaneceu ali, sem pressa de sair.
E por mais que eu tentasse me convencer de que ele estava me incomodando por ser apenas mais uma figura qualquer, uma alucinação, no fundo eu sabia que algo nele mexia comigo.
Eu apenas não sabia o que era.
Eu estava sozinho no quarto novamente, tentando ignorar a dor que ainda latejava na minha cabeça.
A sensação de desorientação era constante, e os dias se arrastavam com a monotonia de um prisioneiro esperando o momento certo para escapar.
Mas não havia escapatória.
Não havia para onde eu pudesse ir, nem sequer o controle que costumava ter sobre tudo.
O mundo estava se desmoronando em torno de mim, e o máximo que eu conseguia fazer era me sentar e esperar.
Era tarde da noite quando a porta se abriu novamente, e essa presença, essa maldita presença, invadiu o meu espaço.
Pete entrou, sem fazer barulho, sem dizer uma palavra, mas eu sabia que ele estava ali. Ele estava sempre ali.
Como se não pudesse me deixar em paz, como se soubesse que minha raiva precisava de uma válvula de escape.
- Você não tem mais nada para fazer, Pete? Pode sair. Eu não preciso de companhia.
Eu falei sem olhar para ele, tentando manter o tom de desprezo, mas sabia que minha voz soava mais cansada do que eu queria admitir.
Eu só queria ficar sozinho, mas ele estava ali, observando, como sempre.
- Eu sei que você não quer isso, Vegas. - Ele disse, com aquele tom suave de sempre. - Mas, às vezes, não podemos controlar o que precisamos.
Eu dei um sorriso seco, mas não de diversão.
Era apenas uma reação involuntária, uma maneira de esconder o desconforto que estava começando a me consumir.
Não era normal sentir tanto desconforto por alguém que, teoricamente, não existia.
Mas ali estava ele, em carne e osso, mexendo com tudo que eu queria manter enterrado.
- Eu controlo tudo, Pete. Tudo. Não tem ninguém aqui para me dizer o que fazer.
- Eu não estou aqui para te dizer nada - Ele respondeu calmamente. - Estou aqui porque você precisa de alguém, mesmo que não queira admitir. Na verdade, nós dois sabemos que você sempre precisou, mas não podia pedir ajuda.
Eu tentei ignorar o que ele dizia, mas não conseguia.
Havia algo em suas palavras que mexia comigo, algo que fazia meu peito apertar.
O que ele queria dizer com isso? O que ele queria de mim? Eu não sabia, mas a ideia de que ele poderia ter razão me irritava profundamente.
- Você é sempre assim, né? Sem pressa, sem nervosismo... Como se não houvesse nada errado com o mundo. - Eu estava começando a ficar mais irritado. - Mas adivinha, Pete? O mundo está quebrado. E eu também."
Ele não se afastou.
Ele nunca se afastava, mesmo quando eu empurrava com todas as forças.
Ele simplesmente estava ali, me observando, esperando.
Ele parecia não se importar com a minha raiva, ou talvez, ele apenas soubesse lidar com ela de uma maneira que eu ainda não entendia.
- Eu sei que está difícil. Sei que você está tentando entender tudo isso. - Pete falou com um olhar profundo. - Mas, Vegas, você não precisa carregar tudo isso sozinho. Você não precisa lutar contra o que sente. Não mais.
Eu olhei para ele, completamente sem palavras por um momento.
O que ele queria de mim? Por que estava tentando fazer com que eu falasse, fizesse alguma coisa, ao invés de simplesmente me deixar em paz como sempre quis?
- Eu não preciso de você aqui. - Minha voz saiu mais baixa, mais rouca do que eu gostaria. - Eu só preciso... de controle. Do jeito que era antes.
- Eu estou aqui porque você me trouxe. - Diz, calmamente.
Pete deu um passo em minha direção, mas dessa vez, algo em mim não o afastou.
Eu não conseguia.
A raiva se misturava com uma confusão maior, e havia uma sensação de vazio dentro de mim que eu nunca havia sentido antes.
Eu não sabia o que era, mas ali estava ele, tentando preencher esse espaço com algo que eu não entendia.
- Você vai conseguir, Vegas - Ele disse, com um sorriso gentil, mas algo em sua voz me fez hesitar. - Eu estou aqui para te ajudar. Só você pode decidir quando vai deixar isso ir.
Ele estava tão perto de mim agora, mais próximo do que eu queria, e eu queria gritar, expulsá-lo, mas ao mesmo tempo, uma parte de mim não queria.
Aquela parte que eu não conhecia, aquela parte que ele conseguia tocar, mesmo sem fazer nada.
- Eu não sei o que você quer de mim. - Falei, a raiva novamente tomando conta de mim. - Eu não sei o que você quer que eu sinta.
Pete não respondeu, mas ele não precisou.
Ele simplesmente se virou e começou a caminhar para a porta.
Sua presença continuava ali, mesmo quando ele estava saindo.
Ele não disse mais nada, mas algo dentro de mim sentiu um vazio ainda maior quando ele se afastou.
Eu fiquei sozinho mais uma vez, mas a presença de Pete ainda me perseguia, como uma sombra que eu não conseguia afastar.
Quando o Nop voltou ao quarto pela manhã, seu rosto estava mais sério do que o normal.
Ele sempre tinha aquele jeito calmo, quase inabalável, mas eu sabia ler as entrelinhas.
Algo estava errado.
- Vegas, precisamos conversar sobre algumas coisas que estão acontecendo fora daqui. - Ele colocou um tablet sobre a mesinha ao lado da cama.
A tela mostrava manchetes que eu não conseguia ler de longe, mas o tom dele dizia tudo.
- Finalmente - Eu disse, tentando me levantar. A dor no corpo ainda estava ali, mas já começava a se tornar um ruído de fundo. - Eu estava começando a achar que você tinha esquecido como reportar as coisas para mim.
Nop puxou a cadeira ao lado da cama e se sentou, ignorando o tom sarcástico.
Ele me estudou por alguns segundos antes de continuar, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado.
- Desde o acidente, houve... movimentações. Algumas pessoas estão questionando sua liderança. Outras acham que é a chance perfeita para tomar o que é seu.
Minha raiva começou a borbulhar de novo, um calor familiar subindo pelo meu corpo.
- Quem está tentando? Quem teve a audácia de achar que pode me substituir?
- É uma combinação. - Ele respondeu calmamente. - Rivais externos, mas também... algumas pessoas de dentro. Sua ausência está sendo notada de um jeito que não podemos ignorar.
Eu cerrei os punhos. Mesmo com os curativos e a fraqueza, a ideia de que alguém poderia achar que eu era dispensável me fazia querer destruir algo, qualquer coisa.
- Eles acham que eu sou fraco. É isso? Acham que não volto?
Nop inclinou a cabeça, o olhar calmo como sempre.
- Não é sobre o que eles acham, Vegas. É sobre como você vai reagir. E eu estou aqui para garantir que isso não se torne um problema maior.
Antes que eu pudesse responder, uma batida suave na porta chamou minha atenção.
Pete entrou com a naturalidade de quem fazia parte daquele espaço, como se fosse mais uma peça do cenário.
Ele se sentou no canto do quarto, perto da janela, e não disse nada. Seu olhar pousou sobre mim como uma sombra que eu não conseguia ignorar.
Eu bufei.
- Você precisa arranjar um hobby, Pete.
Ele sorriu de leve, mas não respondeu.
Nop não olhou na direção de Pete, apenas continuou focado em mim, como sempre fazia.
Esse ato dele foi tanto reconfortante quanto estranho.
- Vegas, precisamos de um plano para estabilizar as coisas. Não estou dizendo para você sair daqui antes da hora, mas também não podemos deixar que eles pensem que você está completamente fora do jogo.
Eu assenti, relutante.
- Certo. Vou gravar uma mensagem. Algo rápido, direto. Quero que eles saibam que eu ainda estou no comando. E se isso não for suficiente... - Meu tom endureceu. - Você sabe o que fazer, Nop.
Ele acenou, sem discutir. Ele sempre sabia exatamente o que eu queria dizer, mesmo quando eu não dizia diretamente.
- Vou organizar isso. Mas, Vegas, você precisa descansar. Não é hora de agir por impulso.
- Descansar não é do meu feitio, Nop. Você sabe disso.
Ele se levantou, pegando o tablet de volta.
Antes de sair, lançou-me um olhar breve, como se quisesse dizer algo mais, mas pensou melhor.
Pete, no entanto, ficou ali, silencioso, o olhar fixo em mim.
- Você é péssimo em sair quando não é bem-vindo. - Resmunguei.
- Eu fico porque você precisa de mim, mesmo que não admita. - Ele não parecia nem um pouco afetado pela minha irritação. - Você pode até não gostar da ideia, mas às vezes a gente precisa de um espelho pra enxergar melhor.
- Eu já tenho espelhos o suficiente. Não preciso de você pra isso. - Tentei ignorá-lo, mas algo no tom dele sempre me desestabilizava.
Pete se levantou, caminhando até a janela e olhando para fora, como se o mundo lá fora fosse tão simples quanto ele fazia parecer.
- O que você acha que eles diriam se soubessem o que você realmente sente?
- Do que você tá falando agora? - Suspirei, irritado.
Ele deu de ombros.
- Você sabe. Mas não está pronto pra admitir.
A porta se abriu de novo, e Nop voltou com um olhar levemente preocupado.
- Vegas, vou providenciar tudo para a mensagem. Você quer revisar antes de enviarmos?
- Não preciso revisar nada. Se prepare e me avise quando estiver pronto. - Minha voz era firme, autoritária.
Essa era a única parte de mim que eu ainda reconhecia.
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