5 - Confusão
Acordei com o corpo tenso, os músculos tão rígidos que parecia ter levado uma surra.
Meus punhos ainda cerrados, a respiração ofegante.
O quarto estava escuro, mas a fraca luz da rua atravessava a janela, projetando sombras desconexas nas paredes.
Eu me sentei na cama, sentindo o suor frio escorrer pela testa enfaixada.
Era mais um daqueles sonhos. Não. Era mais um daqueles pesadelos.
No sonho, Pete estava ali de novo, como sempre, com aquele olhar tranquilo, aquela maldita calma que fazia meu sangue ferver.
Mas desta vez, ele estava perto demais.
Tocou meu ombro, e eu explodi.
- Não encosta em mim! - Gritei, e antes que ele pudesse responder, meu punho voou em sua direção.
A lembrança era tão vívida que eu ainda sentia o impacto nos nós dos meus dedos.
No sonho, Pete não reagiu, não tentou se defender.
Apenas me encarava com aquele olhar quase angelical, como se estivesse disposto a aceitar tudo, até a minha violência.
Isso só me irritava mais.
Eu o empurrei contra a parede, segurando-o pela gola.
- Por que você não faz nada? Por que está sempre aí, me olhando como se soubesse de algo que eu não sei?
- Vegas... - Sua voz era suave, quase inaudível.
Foi o suficiente para me descontrolar ainda mais.
Meu punho voltou a descer, atingindo seu rosto, repetidas vezes.
Sentia a dor nos dedos, mas ignorava.
No sonho, tudo era vermelho, minha raiva, sua expressão calma, o sangue que parecia escorrer pelo canto de sua boca.
- Para de me olhar assim! Para de agir como se me conhecesse! - Gritei, a voz ecoando como se o quarto fosse um vazio infinito.
Mas ele não parava.
Mesmo caído, mesmo sangrando, seus olhos continuavam fixos nos meus.
Não havia ódio, nem medo, apenas aquela maldita aceitação que me corroía por dentro.
Foi quando ele murmurou, quase como um sussurro:
- Eu estou aqui porque você precisa de mim, Vegas.
Aquilo me despertou, como um soco invisível.
Soltei-o no sonho e acordei com o peito arfando, como se tivesse corrido quilômetros.
Agora, no quarto real, o silêncio era absoluto, exceto pelo som do meu coração disparado e da respiração descompassada.
Meus olhos se acostumaram à escuridão, mas a sensação de desconforto não passou.
Me levantei, os pés tocando o chão gelado.
Caminhei até o espelho do banheiro.
Ainda estava lá, minha imagem refletida, mas algo parecia errado.
Minha testa enfaixada, os hematomas no corpo...
Olhando aquilo, me senti tão distante de quem eu era, de quem deveria ser.
O líder implacável, o homem que nunca fraquejava. Mas ali, diante do reflexo, eu só via alguém tentando esconder o quanto estava perdido.
Lavei o rosto com água fria, tentando apagar as imagens do sonho.
Mas a voz de Pete ainda ecoava na minha cabeça.
"Eu estou aqui porque você precisa de mim."
Voltei para o quarto, passando a mão pelo cabelo molhado.
Quando me virei, meu coração parou por um instante.
Pete estava ali.
Sentado na poltrona, as pernas cruzadas e aquele olhar calmo.
- Você parece perturbado. - Ele disse, inclinando ligeiramente a cabeça.
Minhas mãos se fecharam em punhos instintivamente, a raiva voltando com força total.
- Não me aparece assim, do nada! - Esbravejei.
Ele não respondeu imediatamente, apenas me observou, como se esperasse que eu terminasse de explodir.
- Foi só um sonho, Vegas. - Sua voz era tão tranquila que quase me fez perder o controle de novo.
- Cala a boca. Você não sabe nada! - Dei um passo à frente, mas parei.
Havia algo no jeito como ele me olhava, algo que me deixava inquieto.
Pete ficou em silêncio, mas não desviou o olhar.
Era como se ele estivesse me desafiando a encará-lo, a admitir alguma coisa que eu nem sabia o que era.
Eu finalmente me sentei na beira da cama, sentindo o peso do cansaço me puxar para baixo.
- Eu não preciso de você, Pete - Murmurei, a voz mais baixa, mas ainda carregada de raiva.
Ele apenas sorriu, como se não acreditasse em mim.
- Tudo bem. - Foi tudo o que disse antes de desaparecer, como se nunca tivesse estado ali.
Mas o peso da sua maldita presença continuava no ar, me deixando sem saber se o sonho tinha realmente acabado.
Acordei no mesmo lugar de sempre: aquele quarto de hospital sufocante.
O ar parecia pesado, carregado de uma mistura de tédio e frustração.
Depois do que aconteceu na noite passada, aquele maldito sonho com Pete e sua presença irritante, eu não conseguia mais relaxar.
Meus músculos estavam tensos, minha mente, caótica.
O silêncio do quarto foi quebrado quando Nop entrou sem bater, como sempre.
Seu rosto neutro entregava pouco, mas eu sabia que ele tinha algo a dizer.
Ele sempre tinha.
- Você tá com uma cara péssima, chefe. - Ele soltou, parando na frente da cama.
- Qual a novidade? - Retruquei, me levantando. - O que você quer, Nop?
Ele ergueu uma sobrancelha, cruzando os braços.
- Vim te lembrar da consulta com a psicóloga.
Revirei os olhos, me movendo lentamente até a cadeira próxima.
- Outra rodada de perguntas sem sentido. Que maravilha.
- Ela só tá tentando te ajudar, Vegas. - Nop suspirou. - E considerando como você tá lidando com as coisas...
- Cala a boca, Nop. - Interrompi. - Eu lido com as coisas do meu jeito. Não preciso de gente cavando na minha cabeça pra resolver porcaria nenhuma.
Ele não respondeu, apenas balançou a cabeça e foi até a porta.
- Vou esperar lá fora. Se precisar de mim, me chama. E, Vegas... tenta cooperar.
Assim que ele saiu, suspirei, massageando as têmporas.
A consulta com a psicóloga era a última coisa que eu queria, mas a ideia de Nop me enchendo o saco se eu fugisse dela era ainda pior.
A sala de terapia era tão branca quanto o quarto onde eu estava preso.
A psicóloga, Anya está de olhar atento e postura calma, já sentada.
Ela me cumprimentou com um leve sorriso enquanto eu me jogava na poltrona com uma expressão de puro tédio.
- Bom dia, Vegas. - Sua voz era suave, mas firme. - Como está hoje?
- Me diga você. - Respondi seco.
Ela anotou algo em seu bloco. Sempre anotando.
- Me falaram que você teve um pesadelo recentemente. - Ela levantou os olhos para mim. - Quer falar sobre isso?
Eu ri, um som curto e amargo.
- Não tem muito o que dizer. Só foi... estranho.
- Estranho como? - Ela inclinou levemente a cabeça.
Respirei fundo, tentando controlar a raiva que sempre vinha quando alguém mexia onde não devia.
- Era sobre o Pete. Ele tava lá, me olhando daquele jeito irritante, como se me conhecesse melhor do que eu mesmo. - Meu tom era afiado. - E eu... acabei perdendo a paciência.
- O que você fez? - Sua voz continuava calma, sem julgamento.
Desviei o olhar, encarando um ponto qualquer na parede.
- Bati nele. Muito.
Ela fez mais anotações. Aquilo me incomodava.
- Como você se sentiu durante o sonho? - Perguntou.
Revirei os olhos.
- Irritado, frustrado, como se ele estivesse... sei lá, no meu caminho.
- E agora, ao lembrar disso?
Fiquei em silêncio por um momento.
- Não sei. Confuso, talvez. - Admitir aquilo me deixou irritado comigo mesmo.
Ela sorriu de leve, como se aquele fosse exatamente o tipo de resposta que esperava.
- Vegas, você acredita que sua raiva no sonho tem algo a ver com o que está passando agora?
- Tudo na minha vida me deixa com raiva ultimamente. - Respondi, tentando cortar o assunto.
Ela inclinou-se levemente para frente.
- E Pete? O que ele representa para você?
A pergunta me pegou de surpresa. Me endireitei na poltrona, franzindo o cenho.
- Representa nada. Só mais uma irritação. Eu nem sei de que buraco saiu aquela coisa.
- Então por que ele aparece nos seus sonhos? - Ela insistiu, me observando atentamente.
O silêncio que se seguiu foi pesado. Eu queria rebater, mas não tinha resposta.
- Eu nem sei se aquela porra é real. - Soltei, aborrecido.
- Como assim? - Voltou a anotar.
Soltei o ar, impaciente.
- Eu não sei! - Recostei sobre a poltrona.
- Talvez seja uma parte de você tentando te dizer algo - Sugeriu ela.
- Parte de mim? - Ri com desprezo. - Não tem nada dentro de mim além de raiva e controle.
Ela anotou algo novamente, e aquilo me irritou ainda mais.
- Vegas, talvez seja hora de considerar que existe mais em você do que o que você mostra para o mundo.
Não respondi. As palavras dela ficaram ecoando na minha mente enquanto eu olhava para as mãos, cerradas em punhos.
De volta ao quarto, Nop estava encostado na parede, como sempre.
Ele levantou os olhos para mim quando entrei, mas não disse nada.
- Antes que pergunte, a consulta foi uma perda de tempo. - Disparei, caminhando até a janela.
- Tenho certeza de que foi esclarecedora pra ela, pelo menos - Nop respondeu, com um tom de leve sarcasmo.
- Foda-se, Nop. - Eu bufei.
- Só tô dizendo. - Ele deu de ombros. - Talvez seja bom ouvir o que ela tem a dizer.
Ignorei.
Mas, por dentro, as palavras dela e o rosto de Pete continuavam assombrando minha mente.
Fiquei na janela por um tempo, observando a vista limitada que o quarto oferecia.
A cidade lá fora parecia tão distante, como se eu estivesse preso em outra realidade, uma que não pertencia a mim.
Nop, como sempre, permanecia em silêncio.
Ele tinha essa habilidade de saber quando falar e, mais importante, quando não falar.
Mas hoje, mesmo em silêncio, sua presença me incomodava.
- Se tem algo pra dizer, diz logo, Nop. - Minha voz cortou o ar.
Ele suspirou, empurrando-se da parede onde estava encostado e caminhando até o sofá.
Sentou-se ali, cruzando os braços.
- Você anda mais irritado do que o normal, chefe.
- E você é mais observador do que o normal. - Retruquei, sem desviar o olhar da janela.
- É sério. Eu sei que essa merda aqui não é fácil pra você, mas talvez seja bom, por uma vez na vida, deixar alguém ajudar.
- Você tá falando daquela psicóloga? - Virei-me para ele, rindo com desdém. - Acha que umas perguntas idiotas vão consertar alguma coisa?
- Não tô falando de consertar nada, Vegas. Só de tentar entender o que tá acontecendo com você.
- Eu já sei o que tá acontecendo. - Dei um passo em direção a ele. - Tô preso nesse lugar de merda, cercado de gente que acha que sabe o que é melhor pra mim, e, pra piorar, tenho que lidar com... - Engoli em seco antes de dizer o nome. - Com ele.
Nop estreitou os olhos, mas não disse nada.
- Você acha que eu tô ficando louco, Nop? - Minha voz saiu mais baixa, quase um sussurro.
Ele segurou meu olhar, firme e leal como sempre.
- Eu acho que você tá lidando com muita coisa de uma vez. E, talvez, algumas delas você não consiga resolver sozinho.
Desviei o olhar, voltando para a cama.
O peso da conversa, combinado com as palavras da psicóloga, começava a pesar mais do que eu gostaria de admitir.
- Ele é real? - De repente, me vi questionando.
- Quem? - Ele me olhou.
- Não se faça de idiota. - Resmunguei.
Nop respirou fundo encarando o horizonte.
- É você quem decide isso. - Respondeu, de costas.
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