2 - Anos
Quando se chega aos 3 anos, você já entende que está vivo.
Ao alcançar os 4, você já compreende que o choro da sua mãe, ao se contorcer, significa que ela está com dor.
Com 5 anos, você já sabe que o papai não estava te fazendo um carinho agressivo, como sua mãe costumava dizer.
Ele estava te batendo.
E aos 6, você já aprendeu a se esconder para fugir de quem pode te agredir.
Até que você alcança os 20 e decide colocar um limite em tudo, inclusive na existência do agressor.
Minha mãe fugiu quando eu tinha 7 anos. Talvez eu não a culpasse se a alma de criança que eu tinha não tivesse se perdido dentro das memórias das surras que sofri.
Agora, aos 35, não existe mais nada além do controle.
Me tornei dono do próprio destino e do destino de muitos outros.
Eu não espero piedade, nem a ofereço.
Meu império é a minha fortaleza.
Poder é a única coisa que faz sentido. E qualquer sinal de vulnerabilidade precisa ser esmagado.
A esmaguei desde criança.
Mas hoje, preso em um hospital, incapaz de lembrar dos últimos acontecimentos, sinto que a muralha que construí ao longo dos anos está rachando.
A raiva é a única certeza.
A porta do quarto se abre, e Nop entra, com a calma de quem sabe exatamente como lidar com o furacão à sua frente.
A calma dele sempre me irritou.
Deitado na cama, lanço um olhar sombrio em sua direção.
- Já tava achando que você tinha esquecido que eu existo. - Resmungo, a voz rouca e carregada de desprezo.
Nop fecha a porta sem pressa, encostando-se na parede com os braços cruzados.
- É bom te ver acordado também, chefe.
- Que porra aconteceu? - Ergo uma sobrancelha, impaciente. - E por que eu ainda tô preso nessa espelunca?
Nop nunca se abala com a minha explosão de raiva.
Ele apenas solta um suspiro contido.
- Foi um acidente de carro. Voltando do cassino. Você tava dirigindo. Choveu muito naquela noite, e a pista tava escorregadia... você perdeu o controle e bateu.
- Eu não bato carro, Nop. - Estreito os olhos, como se cada palavra fosse um insulto à sua competência.
Que tipo de merda é essa?
- Dessa vez, bateu - Nop responde, com a mesma serenidade de sempre. - Acertou um poste em cheio. Se teu carro fosse uma arma, se tinha atirado na mira. - Debochou. - Eu revisei várias e várias vezes, ninguém armou pra cima de você.
- Desgraçado. - Fecho os punhos com força, a mandíbula travada. - E por que caralhos isso é desculpa pra me deixarem jogado aqui?
- Porque você bateu a cabeça no impacto. Ficou inconsciente por uns dias. E, quando acordou... perdeu parte da memória.
- Memória? - Ri, mas o som sai mais como um rosnado irritado. - Que tipo de brincadeira é essa?
- Não é brincadeira. - Nop dá alguns passos em direção à cama, sempre direto. - Você não lembra de algumas coisas. E o médico acha melhor você não forçar.
- Isso é uma piada, Nop. Eu tenho um império pra administrar. Você sabe que não posso ficar aqui jogado como um qualquer. - Me ajeito na cama, os olhos queimando de frustração.
- Eu sei, chefe. Mas estamos segurando as pontas. Por enquanto, tá tudo sob controle.
- Sob controle? Sob controle porra nenhuma. Não tem ninguém que faça o que eu faço. Aqueles idiotas vão destruir tudo se eu não voltar logo. - Bufo, descrente.
- Acredite em mim, ninguém tá mexendo em nada. Eu tô cuidando de tudo pessoalmente. - Nop permanece firme, como sempre.
Foi por causa da confiança dele que eu o coloquei no lugar que ocupa.
Meu braço direito e única pessoa em quem eu confio.
- Não é a mesma coisa - Murmuro, frustrado. - Eu não posso sumir assim. Sem ver o dono, os cães começam a pensar que o rei perdeu o trono.
- Eu sei como as coisas funcionam. - Nop coloca uma mão em meu ombro, um gesto raro, mas significativo. - Mas, se você sair daqui agora, vai piorar tudo.
- Eu não dou a mínima pra isso, Nop! - Me levanto parcialmente da cama, os olhos faiscando de raiva. - Acha que posso ficar sentado enquanto meu império desmorona?
- Você precisa se recuperar, Vegas. Só assim vai voltar inteiro. - Nop me encara com calma, mas sem ceder um centímetro.
O fuzilo com o olhar, mas sei que Nop está certo.
Ele sempre esteve. Mesmo assim, admitir isso é insuportável.
- Quem tá no comando além de você? - Pergunto, desconfiado.
- Só eu. E você sabe que ninguém tem coragem de cruzar a linha enquanto eu estiver lá.
Respiro fundo.
- Quanto tempo eu vou ter que ficar aqui? - Aperto os lábios, frustrado. Eu confio em Nop, mas o orgulho ferido me consome por dentro.
- O médico disse que pode levar um tempo. Não dá pra saber se a memória vai voltar logo... ou nunca. - Se afastou.
- Eu não tenho tempo pra esperar. Se alguém aproveitar essa brecha, vai pagar caro. - Soco a lateral da cama, o som ecoando pelo quarto.
- Estaremos prontos pra resolver tudo, chefe. Só precisa descansar por enquanto.
- Isso é uma merda. Assim que eu sair daqui, vou garantir que todo mundo se lembre quem manda. - Bufo, jogando-me de volta na cama.
- Como sempre, Vegas. - Nop dá um leve sorriso, um gesto quase imperceptível.
Fecho os olhos por um instante, tentando conter a raiva.
A única coisa que me impede de explodir é saber que Nop está lá fora, mantendo as coisas no lugar.
- Quem é o babaca atrevido que tava aqui quando acordei? - Questiono, com raiva ao me lembrar.
- Hum? - Nop me olha por cima do ombro. - De quem tá falando? - Virou-se de frente pra mim, confuso.
Depois de explicar cada traço daquele cara intrigante, Nop ainda me encara em silencio.
- Para de me deixar ansioso, porra. E fala alguma coisa.
- Entendi... Então ele veio aqui. - Bufou.
- Sabe de quem to falando? Quem é? Porque eu nunca vi ele antes.
Ele suspira.
- Vai ter que perguntar pra ele. - Colocou as mãos no bolso, relaxando.
- Tá me dizendo que eu tenho que aceitar um estranho entrando aqui enquanto eu to vulnerável?!
- Se ele apareceu pra ti é porque não é um estranho.
- Tá dando uma de filosofo agora?
- Só to falando que é melhor ouvir o que o cara tem pra dizer. Eu não vou me meter nisso. - Se aproximou da porta.
Mas que porra é essa. Ele não me diz nada, mas age como se soubesse de algo.
Eu realmente perdi a memória? É sério? Porra!
- Vê se faz esses médicos agilizaram isso. Não vou perder mais tempo aqui!
- Pode deixar. - Nop dá um aceno discreto, com a confiança de quem sabe exatamente o que fazer.
O silêncio volta a reinar no quarto.
Continuar imóvel faz a chama da minha raiva arder intensamente por dentro.
Eu sou do tipo de homem que nunca para, que nunca aceita ser deixado de lado.
E assim que sair daqui, vou garantir que todos se lembrem por que o medo é a moeda mais valiosa do seu império.
- Você continua bonito até quando está com raiva.
Me viro imediatamente para a voz suave que vem da entrada do quarto.
Franzindo o cenho, questiono sem paciência.
- Mas quem caralhos é você!
O homem de olhar calmo e áurea intrigante, fecha a porta sem desviar de meus olhos.
- Você sempre foi do tipo que faz até uma pergunta simples, tornar-se assustadora. - Sorri, genuinamente.
- Responde, porra.
- Eu sou o Pete. - Relaxou. - É bom te ver de novo e vivo.
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