13 - Casa

A bolsa de hospital já estava quase pronta, e havia uma sensação estranha no ar, como se o ambiente estivesse se despedindo de mim de maneira sutil, mas sem volta. 

A Dra. Anya havia me dado alta, e eu estava finalmente indo embora do hospital. A recuperação ainda não estava completa, mas havia chegado a hora. 

Eu sabia que o lugar que até pouco tempo parecia seguro, agora me causava desconforto. 

Era como se algo ali estivesse me segurando, mas ao mesmo tempo, me afastando de mim mesmo.

E tinha o Pete... Cada momento naquele quarto sem a presença dele me deixava angustiado, com saudade de algo que não era real e isso me assustava.

Nop estava sentado na cadeira, mexendo no celular enquanto eu terminava de organizar o que tinha trazido. 

Ele olhou para mim de vez em quando, mas não dizia nada. 

Sabia que estava tentando me dar espaço, mas também sentia que algo estava se passando na sua cabeça.

- Eu não sei... se eu estou pronto para sair daqui. - Eu disse, em um suspiro cansado.

Minha mente ainda estava uma bagunça, e eu me sentia desorientado, sem rumo. 

Mas já não era mais sobre o hospital. Eu sabia que minha recuperação não viria de um lugar como aquele. 

Era algo que eu teria que buscar dentro de mim mesmo.

Nop se levantou e se aproximou, arrumando a bolsa de maneira prática, como sempre fazia.

- Você está indo, Vegas. E vai dar tudo certo. - Ele respondeu, com a voz suave, mas firme.

Eu olhei para ele, desconfiado, como se não soubesse mais quem ele era de verdade. 

Já não era mais o "irmão" que eu havia criado na minha mente. 

Nop era real. Ou, pelo menos, eu sabia agora que ele era alguém que cuidou de mim, que fez o que era necessário para garantir que eu não caísse mais fundo do que já estava. 

Ele era meu segurança desde que tomei consciência de vida.

- Eu... vou para casa. - Falei, com a voz baixa, sem saber o que mais dizer. - Mas... não sei como lidar com o que encontrei lá.

Nop parou de arrumar as coisas e me olhou com uma expressão que, por um momento, parecia mais vulnerável do que eu esperava.

- Eu entendo, Vegas. Mas talvez você não precise voltar para lá. - Ele falou, as palavras pesando no ar.

Eu franzi a testa, sem saber o que ele queria dizer.

- Como assim?

Ele hesitou por um momento antes de falar, como se estivesse ponderando se deveria me dizer ou não.

- A sua mãe deixou um lugar para você, caso quisesse fugir... - Ele disse finalmente. - Não precisa ficar lá se não se sentir seguro.

Eu parei o que estava fazendo e me voltei para ele, sentindo um nó apertado na garganta.

- O que você está dizendo, Nop? Onde? - Perguntei, sem entender completamente.

Ele fez um movimento com a cabeça, como se estivesse me pedindo para confiar nele, e então falou com calma.

- Ela deixou uma propriedade para você. Um lugar longe de tudo. É... um tipo de refúgio, um lugar onde você pode ir, se quiser.

Eu não lembro da minha mãe. Ela sumiu quando eu tinha apenas dois anos de idade e agora isso?

Eu fiquei em silêncio por um momento, processando o que ele havia acabado de dizer. 

Minha mente estava girando, tentando juntar as peças que ainda não faziam sentido. 

A casa, o que acontecia lá, o que eu havia vivido... mas também o que eu queria agora. 

Eu não sabia o que queria. 

A ideia de ir para um lugar seguro, longe daquelas paredes cheias de lembranças sombrias, parecia tentadora. 

Mas ainda havia algo que me segurava, uma sensação de que eu estava fugindo de algo que precisava encarar.

- Isso é sério? - Perguntei, tentando entender. - Como isso é possível? Eu achei que ela tinha me esquecido quando sumiu.

- Sua mãe não te abandonou... Ela foi obrigada a deixar você. Eu não tinha permissão para te contar antes.- Nop disse, com cautela.

Eu precisei sentar depois de ouvir suas palavras. Meu pai sempre dizia que eu era uma peça descartável que nem a minha mãe quis.

Eu não sabia o que mais fazer ou o que pensar.

Eu sempre soubera que meu pai não era confiável, mas me fazer acreditar que minha mãe não se importava comigo? Talvez tenha sido seu ato mais cruel para comigo.

 - Antes de ir, ela me pediu para cuidar de você, e um tempo depois me procurou para te deixar uma apartamento.

Um o refúgio... embora parecesse uma fuga, também parecia ser uma oportunidade de recomeçar. 

De entender tudo o que havia acontecido e, talvez, de me encontrar.

Cheguei em casa mais tarde naquele dia. 

O lugar estava igual, mas ao mesmo tempo, nada ali parecia ser o mesmo. 

Cada esquina me trazia uma sensação de medo, de desconforto. Como se as paredes soubessem os segredos que estavam enterrados ali.

Eu entrei, sentindo o peso das lembranças tomando conta de mim. 

A casa parecia estar me observando, e eu sabia que ela guardava tudo o que eu não queria enfrentar. 

Cada corredor, cada ambiente, parecia estar tentando me engolir.

Fui até o meu quarto, o lugar onde tantas vezes me escondi dos meus próprios demônios. 

As lembranças da violência do meu pai, da raiva, das brigas, ainda estavam ali, em cada canto, em cada pedaço do espaço. 

Era como se a casa estivesse impregnada com tudo o que aconteceu.

Mas enquanto caminhava pelo corredor, uma imagem me veio à mente. Pete. 

A imagem dele, que agora eu sabia ser minha criação, apareceu novamente, como se ele ainda estivesse ali, tentando me lembrar do que eu estava tentando esquecer. 

Mas, dessa vez, não senti raiva ou confusão. 

Apenas uma tristeza profunda, como se eu tivesse perdido algo importante. Algo que eu ainda não conseguia entender completamente.

Eu parei no meio do corredor, pensando em tudo o que havia vivido, em tudo o que ainda estava por vir. 

Não sabia para onde iria, mas sabia que não podia mais ficar preso a essa casa, a essas lembranças. 

Eu precisava de algo novo, algo que me tirasse de tudo isso.

- O que você acha, Pete? - Perguntei, mesmo sabendo que ele não responderia. 

Mas, de algum jeito, a imagem dele me trazia uma sensação de conforto. 

Eu precisava entender de onde aquilo tudo tinha surgido, por que a imagem dele tinha aparecido na minha mente quando mais precisei de ajuda.

Mas não havia resposta. 

Eu olhei para o vazio e, com um suspiro, comecei a andar para longe. 

Eu sabia que tinha que continuar, seguir em frente, mesmo que não soubesse o que isso significava ainda. 

Por isso aceitei ir para o meu novo refúgio.

A nova casa, em um condomínio silencioso, estava cheia de um tipo de paz que eu não sabia se merecia, mas que precisava. 

Não havia a pressão de estar em um lugar que me lembrava tanto o sofrimento, nem os rostos que eu não sabia mais reconhecer. Era só eu, Nop, e o que restava da minha mente.

Eu passei a maior parte do tempo em silêncio, apenas tentando entender como lidar com as lembranças e questionamentos que voltavam a cada canto da casa. 

Tudo estava mobilhado e parece que em algum momento houve vida ali.

Mas, de alguma forma, o ar ali parecia mais leve. 

Não havia a constante sensação de estar sendo observado, como na minha antiga casa. 

O que, por mais estranho que fosse, me dava algum alívio.

Nop estava comigo o tempo todo. 

Ele não me pressionava, não me forçava a falar sobre o que ainda estava acontecendo dentro de mim. 

Ele apenas estava lá, como sempre estivera. 

Mas havia algo nele que agora me parecia mais próximo. 

Ele não era só o segurança, o cuidador, o irmão, o amigo. Ele era um apoio silencioso, alguém que me entendia sem precisar de palavras.

Foi na manhã seguinte, enquanto eu tentava organizar os poucos itens que trouxe comigo, que voltei a pensar nela. 

Minha mãe. 

A mulher que me deixara este lugar. 

As imagens de minha infância se misturavam em minha cabeça, raramente boas, outras terríveis, mas sempre uma presença constante. 

Enquanto eu caminhava pela sala, procurando organizar meus pensamentos, Nop entrou. 

Ele parecia mais calmo, mais relaxado também. 

Ele me olhou por um momento, como se esperasse que eu dissesse algo.

- Está tudo bem, Vegas? Você parece um pouco distante.

Eu parei, tentando encontrar as palavras certas. 

Não queria continuar com esse turbilhão dentro de mim, mas sabia que precisava falar.

- Eu... só estou pensando na minha mãe. Me pergunto como ela era... e como tudo o que aconteceu poderia ter sido diferente. Eu me sinto tão perdido, Nop. Como se tivesse falhado em alguma coisa. Não sei o que fazer com isso. - Me jogo sobre o sofá da sala.

Nop deu um passo à frente, como se soubesse que eu precisava de algo mais, algo que fosse além de apenas palavras.

- Sua mãe... - Nop começou, com a voz suave, como se estivesse lembrando de algo com carinho. - Ela fazia algo engraçado com você quando era mais novo. Toda vez que você ficava nervoso, ela pegava seus brinquedos e os enfileirava no chão. Depois, ela se sentava e começava a fazer uma história com eles, usando vozes engraçadas. E você ficava ali, rindo, se esquecendo da raiva ou da tristeza.

Eu não sabia o que dizer. 

Aquela imagem, tão simples, mas cheia de carinho, tocou um ponto profundo dentro de mim. 

Minha mãe, aquela que me abandonou, mas também tão humana, tão cuidadosa... 

Ela tentava me dar o que eu precisava, mesmo quando não sabia como. 

E talvez, no fundo, ela tivesse sido mais parecida comigo do que eu imaginava.

Nop deu um sorriso leve, e eu pude ver a leveza no seu olhar. 

Ele estava me permitindo viver a minha dor, mas também me mostrando que havia momentos bons que não poderiam ser apagados. 

Eu sorri de volta, mais como um suspiro do que qualquer outra coisa.

- Eu nunca soube disso... - Falei, tentando absorver as palavras de Nop. - Nunca soube que ela fazia isso para me acalmar.

- Ela era boa nisso, Vegas. Mesmo nos momentos difíceis, ela sempre tentou dar algo de bom. Às vezes, isso é tudo o que podemos fazer, né? - Nop falou com um sorriso suave, juntando-se a mim no estofado.

Eu fechei os olhos por um momento, sentindo o peso daquilo. 

Não sabia o que era certo ou errado, mas sabia que eu estava começando a olhar as coisas de uma maneira diferente. 

A culpa, a raiva... talvez elas fossem naturais, mas não podiam ser tudo o que restava.

- Você acha... - Olhei com receio. - Que ela chegou a me amar? - Ergui meus joelhos a altura do peito e os envolvi com meus braços.

Nop me olhou com seus olhos comuns, entendendo meus sentimentos.

- Você foi o único que a segurou por mais dois anos de abusos ao lado do seu pai. - Me disse, pacificamente. 

Suas palavras tocaram meus olhos os fazendo derramar. Meus lábios tremiam em resposta.

- Ela não teve muita escolha... Ou deixava você ou viveria por mais um tempo. 

- Ela...? - Eu não tinha coragem para concluir aquela pergunta.

- Sim, sua mãe ainda está viva.

Um alívio percorria meu corpo e transbordava por meu rosto.

- Obrigado, Nop. Por tudo. - Falei, minha voz falhando.

Ele assentiu e ficou em silêncio por um tempo, como se estivesse esperando que eu tomasse meu próprio tempo para processar o que eu estava sentindo. 

Era isso que ele sempre fizera, me dar espaço para crescer e entender o que estava acontecendo dentro de mim. 

Ele nunca me forçou a nada. E, de alguma forma, isso fazia com que eu me sentisse menos sozinho.

A noite caiu mais uma vez, e com ela, o silêncio pesado do quarto. 

Eu deitei na cama, os lençóis frios tocando minha pele, mas o calor da confusão ainda queimava dentro de mim. 

As memórias não me deixavam em paz, e os flashes de dor e raiva ainda me perseguiam. 

As sombras da noite pareciam intensificar tudo o que eu tentava esquecer.

Eu fechei os olhos, tentando afastar a sensação de sufocamento que tomava conta de mim. 

No escuro, eu vi flashes rápidos, como se fosse um filme que não se desenrolava direito. 

A imagem de meu pai, seus olhos frios e raivosos, e então eu... batendo nele. A raiva. A violência. Eu não conseguia escapar. O som dos gritos ecoava, e a dor que me atingia parecia ser a única coisa real. Eu sentia como se estivesse afundando, e então, o impacto. O choque.

Eu gritei, cheio de angústia. 

Eu tentei me levantar, mas meu corpo estava pesado, minha mente em pânico. 

A realidade e o pesadelo estavam se fundindo, e eu não sabia mais onde uma coisa começava e a outra terminava.

Acordei com o coração batendo forte, o suor escorrendo pelo meu rosto. 

Me sentei rapidamente na cama, respirando com dificuldade, tentando entender o que estava acontecendo. 

Mas a imagem de meu pai, sua raiva, os gritos, tudo estava tão vívido, tão real.

Minhas mãos tremiam enquanto eu olhava para o quarto escuro. 

Eu sentia o pânico ainda me apertando, e a sensação de estar preso naquele pesadelo me consumia. 

Eu estava começando a me perder na dor, na culpa. Como eu poderia viver com isso? Como eu poderia seguir em frente depois de tudo que aconteceu?

De repente, a porta se abriu lentamente. 

Nop entrou, seus passos silenciosos e firmes. Ele me olhou por um momento, como se entendesse a dor que eu estava sentindo sem precisar de palavras.

- Vegas... - Ele disse com suavidade, se aproximando de mim.

Eu não consegui responder. Eu não sabia o que dizer. O peso da culpa ainda estava sobre mim, e eu sentia como se estivesse afundando. 

Mas ele se aproximou, se sentando ao meu lado na cama.

- Eu sei que está difícil agora, mas você não está sozinho. - Sua voz foi suave, cheia de compreensão.

Eu olhei para ele, com os olhos cheios de lágrimas que eu não sabia que estavam ali. 

Eu não sabia mais o que fazer com essa dor, com a confusão que tomava conta de mim.

- Eu não sei o que fazer, Nop. Eu não sei mais quem sou. - Minha voz saiu rouca, trêmula.

Ele não disse nada imediatamente, apenas se aproximou mais, colocando a mão em meu ombro, com um toque gentil e firme ao mesmo tempo.

- Você não precisa saber agora. Só precisa seguir. E eu vou estar aqui para te ajudar.

Eu me sentia perdido, mas as palavras de Nop eram como um ponto de ancoragem. 

Ele sempre foi assim, sempre esteve lá, mesmo quando eu estava perdido em minha própria raiva. 

Eu sabia que ele não estava me abandonando, mesmo que a dor me fizesse acreditar que ninguém poderia me entender.

Eu olhei para ele e, sem pensar muito, estendi os braços. Era como se, naquele momento, eu estivesse pedindo ajuda. 

E ele não hesitou. Nop se deitou ao meu lado na cama, me abraçando com uma calma que eu nunca soubera pedir, mas que sentia ser tudo o que eu precisava.

Naquele momento eu lembrei do Pete... Era uma calma da qual ele me transmitia muito bem.

Fiquei ali, com ele, os dois deitados em silêncio. 

A sensação de segurança que ele me proporcionava era algo que eu nunca soubera experimentar dessa maneira. Fisicamente.

O peso da noite e da dor não desapareceu, mas, pelo menos, eu não me senti tão sozinho.

Eu fechei os olhos, tentando relaxar, ainda com o corpo tenso. 

Mas a presença de Nop ao meu lado me dava algo que eu não sabia que precisava: conforto.

Antes de adormecer, uma última palavra se formou em minha mente, mas eu não disse em voz alta. 

Era apenas um pensamento, um desejo frágil que se misturava à escuridão. 

Talvez, com o tempo, eu conseguisse encontrar um pouco de paz. 

Talvez, com o tempo, eu conseguisse encontrar um caminho para seguir, sem a sombra constante do medo e da culpa.

E, talvez, eu não estivesse sozinho. Não mais.

Os dias seguiam em um ritmo mais tranquilo, embora os pesadelos fossem constantes, mas havia algo dentro de mim que ainda me incomodava, uma sensação constante de vazio. 

Eu sentia falta de algo, mas não conseguia identificar o quê. 

A casa, agora silenciosa, parecia me dar um pouco de paz, mas também me lembrava da ausência de alguém que, em algum lugar profundo, eu sabia que deveria estar ali.

Nop, embora estivesse sempre em casa, estava usando seu tempo para trabalhar.

Foi numa tarde comum, enquanto observava as árvores lá fora, que a saudade me atingiu de forma avassaladora. 

Não era uma saudade comum, como a que sentimos de pessoas que amamos. 

Era algo mais profundo, uma sensação de perda que eu não conseguia entender completamente.

Eu me encontrei sentado na janela, olhando para o horizonte, quando Nop entrou, como sempre, com seu jeito tranquilo e atento. 

Ele parou ao meu lado, sem dizer nada, apenas aguardando. 

Eu sabia que ele me observava, sabia que ele percebia quando eu estava com algo no peito.

- Nop... - Comecei, a voz vacilante. - Eu sinto falta de alguém. Não sei quem é, mas sinto falta dele. Algo dentro de mim grita por essa pessoa, e... eu não sei quem é.

Ele apenas ficou quieto, como se me desse tempo para continuar. 

Eu sabia que ele não estava pressionando, mas que, de alguma forma, esperava que eu fosse mais claro.

- Quem é essa pessoa, Vegas? 

Eu respirei fundo, sentindo uma sensação de desconforto no peito. 

Eu não sabia como explicar, mas algo me dizia que essa sensação não era apenas uma invenção minha. 

Era real. Eu sentia que havia alguém que deveria estar comigo, mas que estava longe. Alguém que, de alguma forma, fez parte da minha vida e que agora estava ausente.

- Não sei, Nop. Só sei que sinto falta. Como se... como se tivesse perdido alguém muito importante e não soubesse quem é.

Ele se aproximou um pouco mais, como se fosse me dar algum tipo de consolo, mas não falou nada de imediato. Ao invés disso, ele me olhou com atenção, como se estivesse ponderando suas palavras.

- Você já falou com a Dra. Anya sobre isso? - Ele perguntou finalmente.

Eu balancei a cabeça, com a mente ainda confusa. Sim, eu tinha falado com ela sobre o que sentia, sobre essas lembranças e a sensação de perda, mas não sabia o que isso significava.

- Falei. Ela disse que a imagem que eu vejo, a pessoa que sinto falta... pode ser alguém importante na minha vida. Alguém que marcou a minha história, mas eu... eu não lembro dessa pessoa, Nop. Nunca vi ele antes. Não posso ter sentido isso por alguém que não existe.

Nop ficou em silêncio por um momento, como se estivesse analisando a situação.

- Isso é complicado, Vegas. Mas talvez a Dra. Anya tenha razão. Talvez a imagem que você sente que falta seja de alguém que, de alguma forma, teve um papel crucial na sua vida. Mas você não precisa entender tudo de uma vez. Talvez a memória de quem essa pessoa é ainda precise vir até você, de um jeito mais suave. Às vezes, os sentimentos vêm antes da compreensão.

Eu olhei para ele, confuso. 

As palavras de Nop pareciam fazer algum sentido, mas ao mesmo tempo, parecia impossível. 

Eu não me lembrava de ninguém. E a figura do Pete, que aparecia de vez em quando, parecia ser apenas uma ilusão da minha mente, algo que eu criei para lidar com a dor. Ou era isso?

- Você acha que é o Pete? - Perguntei, mais para mim mesmo do que para Nop, mas ele ouviu.

Ele hesitou antes de responder, como se fosse uma pergunta difícil de se responder.

- Não sei, Vegas. Pode ser. Mas se ele for importante para você, talvez tenha algum motivo para ele estar aparecendo. Eu acho que você precisa se permitir investigar isso. Deixe essa imagem se revelar para você, sem pressa. Talvez seja uma parte de você que está pedindo para ser compreendida.

Eu me senti perdido, mas ao mesmo tempo, as palavras de Nop começaram a fazer algum sentido. 

Eu estava tentando entender o que eu sentia, o que faltava, mas talvez não fosse uma questão de forçar. Talvez eu precisasse deixar essa pessoa, ou essa imagem, surgir no seu próprio tempo.

- Eu... vou tentar. - Falei, com a voz suave, como se estivesse começando a aceitar a ideia de que havia algo mais profundo dentro de mim que eu precisava explorar. Algo que talvez eu não pudesse controlar.

Nop assentiu, dando um leve sorriso.

- Talvez a imagem dele seja de um homem que você tenha visto quando saiu do escritório... Talvez a última pessoa que tenha visto antes de bater o carro... Dra. Anya já havia me falado sobre.

- Então... Podemos encontrá-lo?

- Você tem a habilidade de desenhar, consegue fazer uma retrato dele?

- Faz tanto tempo que não desenho... Mas tentarei.

O resto do dia estava se arrastando lentamente, como se o tempo estivesse preso entre os flashes confusos de memórias e a necessidade de decidir o que fazer com elas. 

Eu estava sentado no sofá, os braços cruzados sobre o peito, olhando para o vazio da sala. 

A casa estava silenciosa, exceto pelo som suave do relógio na parede que me lembrava de como o tempo nunca parava.

Eu estava hesitante quanto a desenhar o rosto de Pete, embora eu soubesse perfeitamente cada linha de seus traços, eu temia que através disso eu receberia a confirmação de que ele não seria mesmo real.

Nop entrou na sala, e, como sempre, seu olhar estava atento, mas sem pressa. 

Ele se aproximou e se sentou ao meu lado, sem dizer uma palavra. 

Não precisava dizer nada. Sua presença já era o suficiente.

- Eu não sei se consigo fazer isso, Nop. - Finalmente, falei, quebrando o silêncio. - A empresa... o que fazer com isso? Eu... Eu não quero ser o que ele queria que eu fosse. Não sou ele.

Nop ficou em silêncio por um momento, como se pensasse cuidadosamente sobre as palavras que usaria.

- Vegas, você não é ele. Você nunca foi. - Disse, a voz suave, mas firme. - O que você decide agora, como vai construir sua vida daqui pra frente, vai ser totalmente seu. Eu sei que você tem dúvidas, mas ninguém espera que você seja uma cópia dele. Não agora, não mais.

Eu olhei para as mãos entrelaçadas. Ele tinha razão. 

Eu não precisava seguir o mesmo caminho do meu pai, mas... o que mais eu tinha? 

O que mais restava de mim além da dor? 

Eu estava começando a entender que minha identidade havia sido moldada, distorcida por tantos anos sob o peso do medo e da culpa, que a ideia de um futuro sem esse fardo parecia quase impossível de se imaginar.

Nop respirou fundo, antes de me olhar com uma seriedade que parecia pesar mais do que as palavras que ele disse.

- Você tem um futuro, Vegas. Mesmo que não saiba qual é ele ainda. Você pode começar de novo, construir suas próprias escolhas. Não vai ser fácil. E eu sei que você ainda carrega muita coisa, mas... você tem isso em suas mãos.

Eu me virei lentamente para ele, sentindo o peso daquilo que ele disse se alicerçar em meu peito. 

Era uma escolha, não um destino imposto. Mas mesmo assim, a responsabilidade parecia me esmagar. 

Eu tinha herdado algo que meu pai deixou para trás, mas isso não significava que eu fosse destinado a seguir o mesmo caminho. 

Eu poderia escolher, mas como fazer isso se eu fui treinado desde cedo para ser o substituto perfeito?

- E se eu não souber o que fazer? - Perguntei, a dúvida visível na minha voz.

- Então você vai descobrir. Com o tempo. E com os passos que você der, Vegas. Não há pressa. Só... siga o que te faz sentir bem. O que te traz paz.

Eu fechei os olhos por um momento, tentando digerir tudo o que ele estava me dizendo. 

A paz. Era o que eu tanto queria. 

O que eu nunca soubera sentir de verdade. A minha mente ainda lutava com as imagens do meu pai, as coisas que ele me fizera passar. 

Mas, em algum lugar, eu sabia que podia criar uma nova realidade, longe dele. Não era mais sobre escapar da dor, mas sobre entender que a dor poderia ser superada.

Nop levantou-se, indo em direção à porta da sala.

- Vou dar uma volta lá fora, se você quiser ficar sozinho um pouco.

Eu assenti em silêncio, agradecendo a ele sem precisar dizer uma palavra. 

Às vezes, não era necessário falar mais. A presença dele já era tudo o que eu precisava.

Eu fiquei ali, olhando pela janela, vendo o movimento das ruas do lado de fora, mas sem realmente absorver as imagens. 

Em vez disso, minha mente estava ocupada, processando tudo o que tinha acontecido, tudo o que ainda precisava ser enfrentado. 

O peso da empresa, as memórias de meu pai, a minha culpa. 

Eu queria seguir em frente, mas a verdade era que tudo isso me prendia de algum jeito.

O som da porta se fechando atrás de Nop me trouxe de volta ao presente. 

Eu respirei fundo, me levantando para caminhar até a janela. Olhei para o horizonte, sem ter uma resposta, mas com a esperança de que, algum dia, ela viria.














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