12 - Pete

A manhã começou com a luz do sol entrando pela janela.

Eu estava sentado à beira da cama, olhando para o chão, enquanto minha mente oscilava entre o agora e o caos que ela parecia querer esconder de mim.

Os últimos dias tinham sido um borrão.

Entre os lapsos de memória e as conversas intensas com a Dra. Anya, algo dentro de mim estava começando a ceder.

Eu podia sentir, como se uma fissura tivesse se formado na muralha que minha mente construiu.

Passei a mão pelo rosto, tentando afastar a confusão.

Foi quando percebi uma presença passando pelo canto do quarto.

Olhei rapidamente, mas não havia nada ali.

Suspirei, fechando os olhos.

- Você de novo, Pete? - Murmurei, sem abrir os olhos, torcendo para que ele aparecesse como antes.

- Talvez. Ou talvez só seja sua mente tentando te lembrar de algo. - A voz veio, serena e leve.

Olhei para o canto do quarto e, por um momento, ele estava lá.

Sentado, as mãos repousando nos joelhos, um sorriso calmo no rosto trazendo um alívio para meu peito.

Um brilho suave nos olhos, antes de desaparecer novamente causando um vazio no cômodo e dentro de mim.

Mais tarde, eu voltei para a consulta.

- Vegas, como você está se sentindo hoje? - A Dra. Anya perguntou, cruzando as pernas enquanto me observava.

- Como alguém que está preso entre o que é real e o que minha cabeça insiste em criar. - Respondi, sincero.

Ela inclinou a cabeça, interessada.

- Quer me contar mais sobre isso?

Hesitei, mas cedi.

- É o Pete. Ele está aparecendo... mas de um jeito diferente agora. Ele não fica o tempo todo. Ele aparece, fala algo e depois desaparece de novo.

- Como você se sente quando ele aparece?

Parei para pensar, minha mente voltando aos momentos mais recentes.

- Depende. Às vezes, é um alívio. Outras vezes, parece que ele só está ali para me lembrar de coisas que eu não quero lembrar.

- E quando ele desaparece?

- O quarto fica vazio. - Admiti, minha voz mais baixa.

- Você acha que ele está tentando te ajudar?

Fiquei em silêncio, refletindo.

- Talvez... ele seja só uma parte de mim que eu estou tentando entender.

A Dra. Anya fez uma anotação antes de continuar.

- Você mencionou memórias que estão voltando. Quer falar sobre elas?

Fechei os olhos por um momento, tentando organizar os pensamentos.

- São flashes. Como cenas de um filme, mas sem começo ou fim. Só fragmentos.

- Pode descrever algum?

- Eu vejo mãos... mãos segurando meu braço com força. Ouço vozes, gritos. Vejo uma porta batendo. Mas não sei o que significa.

Ela assentiu.

- Vegas, esses flashes podem ser fragmentos de algo que você está começando a lembrar. E talvez Pete esteja aqui para te guiar nesse processo.

- Guiar? Então por que ele não me dá respostas diretas?

- Talvez porque você não esteja pronto para ouvi-las.

De volta ao quarto, Nop estava lá, arrumando algumas coisas sobre a mesa.

Ele olhou para mim rapidamente, mas não disse nada.

- Alguma novidade? - Perguntei, mais para preencher o silêncio do que por curiosidade.

- Não. Mas você parece... mais calmo hoje.

- Mais calmo? - Repeti, arqueando uma sobrancelha.

- Não sei explicar. Parece que você está pensando em algo diferente.

Desviei os olhos e voltei minha atenção para a janela.

Foi quando o vi de relance, sentado no canto do quarto novamente.

Ele não disse nada, apenas me observava. Meu corpo disparou.

Nop seguiu meu olhar.

- Tudo bem?

- Tudo. - Respondi rapidamente, antes de Pete desaparecer de novo.

Quando finalmente fiquei sozinho, me joguei na cama, encarando o teto.

- Você está mais perto de descobrir. - A voz ecoou de novo, mas desta vez, soava mais próxima.

Fechei os olhos, respirando fundo.

- Estou tentando.

E pela primeira vez, o silêncio parecia menos pesado.

A noite era pesada, como se o ar estivesse cheio de
algo que minha mente ainda tentava decifrar.

Eu estava sozinho no quarto, o silêncio esmagador.

A lembrança voltou como uma avalanche.

Não uma imagem completa, mas flashes. O som da voz dele. O grito. O impacto. O sangue.

Minhas mãos começaram a tremer, e meu corpo
parecia não pertencer a mim.

Me levantei da cama, andei de um lado para o outro, tentando afastar aquilo, mas não adiantava.

As peças estavam finalmente se encaixando.

- Eu matei ele. - As palavras saíram baixas, como
um sussurro, mas ouvir minha própria voz dizendo isso foi como um soco no estômago.

Antes que eu pudesse me afundar ainda mais, a porta abriu, e Nop entrou com uma bandeja.

Ele parou no meio do quarto ao me ver daquele jeito.

- Vegas? O que está acontecendo?

Eu olhei pra ele, sentindo as lágrimas ardendo nos
olhos.

Era como se a parede que eu construí tivesse
sido completamente derrubada.

- Eu lembrei, Nop. - Disse, com a voz trêmula.

Ele colocou a bandeja de lado e veio até mim, o rosto cheio de preocupação.

- Do que você lembrou? - Seu semblante banhado por preocupação.

Engoli em seco, sentindo um gosto amargo na boca.

- Eu lembrei... da briga. Com ele. Com meu pai. - Minha voz embargada pelo choro.

Os olhos de Nop se estreitaram, mas ele não disse
nada. Apenas esperou.

- Ele estava gritando comigo, como sempre fazia. Me chamando de inútil, de fraco. Disse que eu nunca seria nada. E eu... eu perdi o controle. - Minha voz vacilou, e eu senti meu corpo tremer. - Eu bati nele, Nop.

Eu fechei os olhos, mas as imagens estavam lá, nítidas.

- Havia sangue.

O silêncio no quarto era ensurdecedor, até que Nop colocou a mão no meu ombro.

- Vegas...

- Eu sou um monstro. - Soltei, minha voz mais alta
agora. - Eu matei meu próprio pai, Nop!

Ele olha pra mim com mais força.

- Você não é um monstro. - Afirma, apertando meu braço.

- Como não? Eu tirei a vida dele. Eu-

- Você estava se defendendo, Vegas. - Ele me
interrompeu, a voz firme. - Ele destruiu você durante anos. Isso não faz de você um monstro, faz de você um sobrevivente.

Eu o encarei, sentindo meu peito subir e descer
rápido.

- Isso não importa... - Eles vão descobrir. - O medo palpável em meu tom.

- Não, não vão. - Ele disse, com uma calma que me
desconcertou.

Franzi o cenho, confuso,

- Como assim?

- Eu cuidei de tudo. - Ele sussurra, sentando-se ao meu lado na cama.

As palavras dele me atingiram como um golpe.

- O que você quer dizer com "cuidou"? - Murmurei, assustado.

Ele suspirou, passando a mão pelo rosto antes de me encarar.

- Eu fiz parecer um suicídio.

As palavras dele pairaram no ar entre nós, pesadas e irreais. Eu balancei a cabeça, tentando entender.

- Q-que? Você fez o quê? - Questionei, incrédulo.

- Você não deve lembrar de tudo ainda, mas eu sempre estive lá porque era um capanga do seu pai. Eu já fiz muitas coisas pra ele, essa foi a mais fácil.

- Por quê? - Meus olhos estavam incrédulos.

- Porque você é como um irmão pra mim, Vegas. E porque eu sei o que ele te fazia.

Minha cabeça girava. Era muita coisa.

A razão para meus medos estaca morta.

Como eu poderei seguir agora?

- Eu não sei o que fazer com isso, Nop.

- Não precisa fazer nada agora. Só precisa se dar
tempo.

- E se eu nunca conseguir me perdoar? Perguntei,
minha voz baixa.

- Então eu vou estar aqui pra te lembrar que você
merece.

As palavras dele ficaram ecoando na minha mente.

Pela primeira vez, a culpa ainda estava lá, mas eu senti um pouco menos do peso. Não era suficiente, mas talvez fosse um começo.

- Obrigado, Nop.

Ele apertou meu ombro mais uma vez antes de se levantar.

- Sempre, Vegas. Sempre.

Fiquei ali, sentado na cama, olhando para as mãos
que haviam cometido um crime que minha mente não conseguia mais ignorar.

O que eu fiz não podia ser desfeito. Mas talvez, só talvez, eu pudesse encontrar uma forma de sobreviver a isso.

A manhã seguinte chegou lenta e opressiva.

Eu não dormi depois da conversa com Nop.

Minha mente girava em torno das palavras dele, da revelação, do peso insuportável do que eu havia feito.

Cada segundo parecia arrastar comigo a culpa que crescia dentro do peito.

Mas, mesmo assim, no meio de todo o caos, eu queria vê-lo.

Queria a presença dele para, talvez, sentir que ainda havia algo bom em mim.

- Pete? - Chamei, a voz rouca, quase como um sussurro.

Esperei. O silêncio do quarto foi a única resposta.

- Pete, onde você está? - Tentei novamente, com mais força, me levantando da cama.

Olhei ao redor, como se ele pudesse estar escondido em algum canto, mas não havia ninguém.

A ausência dele pesava de uma forma que eu não sabia explicar. Era quase física, como se algo tivesse sido arrancado de mim.

- Aparece, por favor! - A frustração tomou conta, e minha voz ecoou pelo quarto.

Nada.

Eu passei as mãos pelos cabelos, tentando me acalmar, mas a ansiedade só crescia.

Ele sempre aparecia. Sempre estava lá quando eu chamava, ou mesmo quando eu não queria.

Por que agora não?

- Você disse que apareceria sempre que eu precisasse... Eu preciso de você agora. - Murmurei.

Encarei a cadeira onde ele costumava sentar, próximo a janela.

- Não me deixa sozinho com isso... - Murmurei, a voz quebrada.

O quarto continuava em silêncio, e eu senti meu peito apertar.

Mais tarde, na consulta com a Dra. Anya eu estava muito cansado e só precisava colocar para fora um pouco do peso que eu caregava.

- Hoje foi diferente. - Eu disse, quebrando o silêncio entre nós.

Ela me olhou, inclinando levemente a cabeça.

- Diferente como?

- Eu chamei por ele. Pete. - Admiti, minha voz vacilando. - E ele não apareceu.

Ela continuou a me observar, sua expressão calma e atenta.

- Como você se sentiu com isso?

- Estranho. Perdido. Ele sempre está lá, entende? E agora... agora ele sumiu.

Ela cruzou as mãos no colo, ainda sem desviar os olhos.

- Talvez isso seja significativo, Vegas.

- Significativo como? - Perguntei, tentando manter o tom neutro, mas a irritação escapou.

- Pode ser um sinal de que você está começando a processar algo. Talvez a presença dele não seja tão necessária quanto antes.

Aquelas palavras me atingiram de forma estranha.

Parte de mim queria que ela estivesse certa. Mas outra parte... outra parte não queria perdê-lo.

- E se ele nunca mais aparecer? - Perguntei, quase num sussurro.

Ela me olhou com empatia.

- Vegas, você acha que ele precisa aparecer para que você se entenda?

Eu não sabia como responder aquilo.

- Talvez...

- Você precisa entender o que o Pete representa para você. Pense sobre isso.

Depois da consulta eu voltei para o quarto sentindo o peso da solidão maior do que antes.

A ausência de Pete era um buraco que parecia impossível de preencher.

Deitei na cama, encarando o teto, tentando não pensar.

Mas, inevitavelmente, meus pensamentos voltaram para ele.

- Você é só coisa da minha cabeça. - Murmurei.

Mas, mesmo que fosse verdade, eu precisava dele. Precisava daquilo que ele representava.

- Pete... volta...

Fechei os olhos, esperando, mas o silêncio foi tudo o que recebi.

A escuridão tomou conta do meu sonho, mas não era a escuridão reconfortante que costumava me acolher nas noites difíceis.

Não era um vazio que eu pudesse ignorar.

---⚠️---

Era uma neblina densa, sufocante, cheia de ruídos abafados e vozes que pareciam se arrastar de um lugar distante, mas que eu não conseguia alcançar.

Eu estava no carro. O som do motor era o único som claro, e eu estava dirigindo sem rumo, o volante nas mãos tremendo. Minhas mãos suavam, minha respiração estava entrecortada. O peso dentro de mim era insuportável. Eu sabia o que tinha feito, sabia o que estava prestes a fazer.

- Eu mereço isso. - Sussurrei para mim mesmo, a voz falhando.

A memória do confronto com meu pai estava viva dentro de mim, como se tivesse acontecido há segundos. A raiva, as palavras cortantes, o ódio de um homem que não sabia mais controlar suas próprias ações. O punho fechado, os olhos cheios de desprezo. Eu não pude fazer nada além de reagir, e quando percebi, estava com ele no chão, suas palavras se desfazendo enquanto ele tentava respirar, as mãos estendidas em busca de algo... de socorro?

Mas a culpa me engoliu. Não fui capaz de salvar a mim mesmo, nem ele.

- Eu matei ele. Eu matei ele. - Eu repetia, enquanto o carro tomava o caminho sem fim, a estrada a minha frente se estendendo até o horizonte.

A dor no meu peito aumentava a cada repetição. Eu não sabia como lidar com aquilo. Não sabia como lidar com o que eu fizera.

O carro se inclinava, parecia que a qualquer momento ia capotar. A velocidade aumentava, mas nada parecia importante. O peso da culpa era maior do que qualquer outra coisa. Eu sentia como se a única maneira de escapar fosse me lançar ao vazio, me destruir de uma vez por todas, e acabar com a dor de uma vez.

Com um movimento desesperado, virei o volante bruscamente. O carro se lançou para a beira da estrada. O impacto foi imediato, a dor quase me consumiu, mas o vazio me engoliu antes de eu ter chance de sentir o choque.

--- ⚠️️ ---

Eu acordei com um sobressalto, meu corpo coberto de suor. Minhas mãos tremiam, e o peito ainda estava apertado pela pressão daquela dor.

Eu levei um momento para entender onde estava, e, quando a realidade retornou, percebi que o silêncio do quarto me cercava. Eu estava no hospital.

A culpa ainda estava lá, pesada e sufocante, mas agora ela se misturava com o medo.

Eu olhei para os lados, tentando encontrar algo que me ancorasse, algo que me dissesse que o pesadelo estava atrás de mim. E, em meio a tudo isso, havia uma sensação de vazio imenso.

- Eu matei ele... - Sussurrei para mim mesmo, as palavras saindo como um fio de voz, com a dor de quem reconhece o impossível.

Eu não sabia como seguir em frente.

Eu não sabia como lidar com o peso da culpa que agora fazia parte de mim.

E, em meio a essa confusão, algo dentro de mim ainda procurava algum tipo de resposta.

Algo que me fizesse entender por que as coisas tinham acontecido daquela maneira.

A luz fraca que entrava pela janela parecia distante, e, por mais que eu quisesse acreditar que tudo aquilo fosse um pesadelo, uma parte de mim sabia que era a verdade.

Eu era responsável pela morte do meu pai.

E, no fundo, a dor de ter matado alguém que, em sua própria maneira, tentava moldar quem eu era, me corroía mais do que qualquer outra coisa.

E agora eu não tenho mais o Pete para me confortar.

Eu acordei de um pulo, novamente, o coração batendo descompassado, os olhos arregalados, tentando entender onde estava, o que estava acontecendo.

A sensação do pesadelo ainda estava fresca na minha mente, como uma ferida que não cicatriza.

O vazio, a dor, o peso... tudo voltava com a força de um golpe.

Eu não conseguia respirar direito.

Tentei me acalmar, mas minha mente estava em um turbilhão.

O quarto estava em silêncio, exceto pelo som da minha respiração pesada e irregular.

O suor escorria pela minha testa, e as palmas das minhas mãos estavam úmidas.

"Não. Não de novo. Por favor."

Fechei os olhos, tentando afastar a imagem do rosto do meu pai.

A raiva, a frieza, a morte. Eu não sabia lidar com isso.

Tudo estava se misturando, e eu sentia como se estivesse prestes a afundar.

Foi então que ouvi um movimento na porta.

Olhei rapidamente, na esperança de que fosse o Pete, mas era a figura de Nop, parado no batente, com os braços cruzados, mas com os olhos suavemente preocupados.

Ele entrou no quarto devagar, sem fazer muito barulho, como se soubesse que eu estava em um estado frágil.

- Vegas... - Ele disse baixinho, a voz calma. - Você está bem?

Eu não consegui responder imediatamente.

Minha garganta parecia apertada demais.

Eu queria falar, mas as palavras não vinham. Em vez disso, tudo que consegui fazer foi me puxar para o canto da cama, sentindo um medo profundo e inexplicável.

A vulnerabilidade tomou conta de mim de uma forma que eu não sabia que era possível.

Eu não queria ficar sozinho.

- Nop... - Falei com a voz rouca, quase um sussurro. - Fica comigo... por favor. Não... não consigo ficar sozinho.

Eu não queria a solidão. Eu não queria mais a raiva ou a culpa me consumindo.

Ele caminhou até a cama e, sem dizer uma palavra, se sentou na beirada.

Ele olhou para mim, e seus olhos, cheios de preocupação, me acalmaram de alguma forma, mas ainda assim eu não consegui relaxar completamente. Eu queria mais.

- Fica... comigo... - Eu repeti, a voz mais suave agora, quase como um pedido desesperado.

Nop não disse nada.

Ele simplesmente deitou ao meu lado, ajustando a posição para me dar mais espaço, mas sem se afastar.

Sua presença ao meu lado era o único conforto que eu podia encontrar naquele momento.

Eu não precisava de mais palavras, apenas do calor e da segurança de saber que ele estava ali, ao meu lado.

Eu me aconcheguei mais perto dele, deixando a cabeça descansar no travesseiro, e sem perceber, meus olhos começaram a se fechar.

A sensação de não estar sozinho, de não ser abandonado no meio do caos da minha mente, me fez sentir algo que eu quase tinha esquecido: paz.

Nop estava ali, sem pressa de me afastar, e, por mais que eu não soubesse o que viria a seguir, sabia que, naquele momento, eu não estava sozinho.

Eu tinha alguém que se importava comigo, alguém que estava disposto a me ajudar a atravessar as sombras que me atormentavam.

A dor ainda estava ali, mas com Nop perto de mim, a pressão diminuiu um pouco.

Eu fechei os olhos e consegui adormecer com uma sensação de alguma forma mais tranquila, mesmo que não soubesse o que o futuro me reservava.

Acordei mais uma vez, após alguns dias de mais tortura, mas desta vez algo estava diferente.

O silêncio no quarto parecia mais pesado, mais real.

A luz da manhã invadia as frestas da cortina, e a sensação de vazio dentro de mim era mais intensa do que nunca.

Eu me sentei na beirada da cama, olhando para o espaço vazio ao meu redor.

Eu me sentia fraco, perdido, como se tivesse caído de um abismo e estivesse tentando encontrar um jeito de me erguer novamente.

A sensação de culpa era insuportável.

Tudo o que eu tinha feito, toda a raiva, toda a dor... e eu me vi forçando minha mente a fugir de tudo isso.

Mas agora, depois de lembrar de tudo, o peso da verdade me esmagava.

O Pete. Aquele garoto... Ele era parte de mim.

Parte de um eu idealizado que eu desejava tanto ter sido, algo que eu queria alcançar, mas que só existia em minha mente, como uma fantasia que me ajudava a lidar com a dor.

Eu pensei em todas as conversas, os momentos em que parecia que ele estava ali, e foi então que percebi.

O Pete não era real. Ele nunca foi. Era apenas minha mente tentando me proteger, tentando me dar uma imagem de algo que eu nunca tive: carinho, compreensão, aceitação. Aquele Pete... era eu mesmo.

A paz que eu buscava tanto, a paz que parecia estar nas mãos dele, não estava lá.

Estava em mim. Eu não precisava mais de um outro, nem mesmo dele. Eu tinha que encarar o que eu fiz. Eu tinha que encarar o que eu era.

E aí, tudo se tornou mais claro. Eu tinha matado meu pai.

A culpa estava dentro de mim, mas eu não sabia como viver com ela. Como seguir em frente sabendo o que fiz.

Como lidar com a dor, com a perda, com a raiva que ainda se escondia nas sombras da minha mente.

A minha mente ainda estava confusa, ainda parecia que eu estava à deriva. Eu não sabia o que fazer, para onde ir.

As regras que eu seguia, os caminhos que meu pai me obrigava a percorrer, estavam apagados, e agora eu estava sozinho, sem a figura autoritária que sempre me disse o que fazer.

Era só eu. Só eu, sem a figura do Pete, sem a sombra do meu pai. Eu não sabia mais como lidar com isso.

Eu me joguei para trás na cama, fechando os olhos com força.

A raiva estava ali. A dor estava ali. E, por um momento, eu quis chamar por ele, como se isso fosse me salvar.

Como se eu pudesse voltar a ver o Pete, me agarrar a ele, pedir ajuda, pedir algo, qualquer coisa.

- Pete... - Eu chamei seu nome baixinho, quase um sussurro.

Mas não houve resposta.

Eu olhei para o teto, ouvindo o som da minha respiração, tentando compreender o que estava acontecendo comigo.

Eu queria tanto que ele estivesse aqui. Queria tanto que ele fosse real. Queria tanto que a paz que ele representava fosse algo mais do que uma ilusão.

- Por que você não aparece? - Falei, quase em desespero, a voz rouca. - Por que você não pode me ajudar?

Mas não havia resposta.

O quarto estava vazio, como minha mente, como meu coração. E eu sabia, no fundo, que o Pete nunca iria voltar.

Eu tinha que lidar com tudo isso sozinho.

Eu passei a mão pelo rosto, tentando afastar as lágrimas que começavam a surgir.

Eu não sabia mais quem eu era sem ele, sem as regras que meu pai me impôs.

Tudo estava em pedaços, e eu estava preso em um lugar onde nada parecia fazer sentido.

Eu olhei para a janela, para o mundo lá fora, e percebi que não podia mais fugir.

Eu precisava de algo mais. Algo dentro de mim, algo que eu ainda não conseguia compreender, mas que estava começando a despertar.

Eu não precisava de alguém para me guiar. Eu não precisava do Pete, nem do meu pai. Eu precisava de mim.

Eu não sabia como seguir em frente. Mas, naquele momento, uma coisa ficou clara: se eu quisesse alguma chance de encontrar paz, eu teria que ser capaz de me perdoar.

De enfrentar a verdade. E isso... isso só dependia de mim.

O problema era que eu não sabia como começar.

E, por mais que eu tentasse, por mais que eu chamasse, o Pete nunca iria aparecer novamente.

Ele não era real. Eu sabia disso, mas a dor, a saudade, ainda me faziam querer acreditar.

Eu deitei novamente na cama, fechando os olhos.

O que eu tinha feito ainda me perseguia, mas agora eu sabia que a única pessoa que poderia me ajudar a seguir em frente era eu mesmo.

E isso, mais do que qualquer outra coisa, era o que me assustava.

Mais tarde, eu solicitei uma consulta com a psicóloga. Eu precisava disso.

Estava sentado na cadeira, os dedos entrelaçados, tentando me concentrar no som da voz da Dra. Anya.

A consulta estava chegando ao fim, mas algo dentro de mim não me deixava sair dali.

Algo que eu sabia que precisava dizer, mas que não queria.

A verdade que estava lentamente emergindo das sombras da minha mente.

Ela me observava com aquela calma habitual, como se soubesse que eu estava prestes a falar algo importante, mas não dizia nada, apenas esperava.

Era como se estivesse me dando espaço para finalmente respirar.

- Como você está se sentindo hoje, Vegas? - Ela perguntou, os olhos focados em mim, como se estivesse lendo minhas emoções mais profundas.

Eu respirei fundo, tentando reunir coragem para falar, para finalmente encarar o que minha mente havia tentado esconder de mim por tanto tempo.

Eu estava com medo da resposta, com medo de entender completamente o que acontecia comigo, mas sabia que não poderia continuar fugindo.

- Eu... - Comecei, a voz baixa, quase um sussurro. - Eu acho que já entendi. Tudo que estava acontecendo com a minha agressividade... a raiva que eu sentia, os surtos. Era a minha mente invertendo os papéis, sabe?

Ela me observou atentamente, e eu continuei, agora mais seguro das palavras que estavam saindo da minha boca.

- Eu... sentia raiva, muito ódio. Achei que era por causa de coisas que as pessoas me faziam, mas... na verdade, era algo mais. Eu estava tentando me comportar como... meu pai.

Dra. Anya inclinou a cabeça, como se estivesse aguardando a explicação completa.

- Como assim? - Ela perguntou com calma, mas havia um interesse genuíno em suas palavras.

Eu respirei mais fundo, sentindo o peso da confissão.

A culpa, o peso de tudo o que eu havia feito e não queria admitir.

- Meu cérebro... ele me fez agir assim. A culpa que eu sentia... Não sei explicar direito. Era como se eu estivesse me tornando ele. Como se eu estivesse no controle, mas na verdade, ele estava em mim, me manipulando, me fazendo agir daquele jeito.

Eu passei as mãos pelo cabelo, olhando para o chão, as palavras saindo com dificuldade.

- A raiva, a necessidade de controle... era como se o que eu queria fosse apagar o que ele fez comigo, ou... pior, fazer ele se sentir o que ele me fez sentir. Mas, no fundo, eu sabia que não era eu. Eu não queria ser assim. Eu não queria fazer o que ele fez.

Dra. Anya continuou me observando, seus olhos fixos nos meus, e a sala parecia pesar ao meu redor.

O silêncio entre nós dois parecia mais carregado do que qualquer palavra que eu tivesse dito até ali.

- Então, você sente que a raiva que você demonstrou, a agressividade, era na verdade um reflexo de algo mais profundo? De um trauma que você não estava conseguindo lidar? - Ela perguntou, com a voz suave, mas firme.

Eu acenei com a cabeça, sentindo um nó apertado na garganta.

- Era como se meu cérebro estivesse me forçando a repetir o ciclo. Ele me fazia agir como o meu pai, como se fosse a única forma de lidar com a dor, com a culpa que eu carregava. Mas no fundo, eu sabia que não era isso que eu queria. Eu... eu não queria me tornar ele.

Havia uma tristeza profunda em minha voz agora, uma parte de mim que não queria admitir o quanto eu estava quebrado por dentro.

- Eu me sentia sujo, como se eu fosse culpado de tudo. Como se eu fosse o vilão. Mas agora, olhando para tudo o que aconteceu, acho que meu cérebro fez eu acreditar que eu tinha que ser ele para me punir. Eu fiz o que fiz porque pensei que era o único jeito de lidar com o que eu sentia. Mas era só o medo falando mais alto.

A Dra. Anya ficou em silêncio por um momento, como se absorvesse tudo o que eu tinha dito.

Ela parecia compreender a complexidade do que eu estava tentando expressar.

- É um começo, Vegas. Você está começando a entender. Você não é seu pai. A raiva, a culpa, tudo isso era apenas uma reação à dor. Uma forma de sua mente tentar processar algo que você não sabia como lidar.

Eu fechei os olhos, tentando me permitir acreditar nas palavras dela, mas a dúvida ainda me corroía por dentro.

Eu ainda não sabia como me perdoar, como seguir em frente depois de tudo.

A ideia de encarar a verdade sobre o que fiz me aterrorizava, mas ao mesmo tempo, eu sabia que não poderia viver assim para sempre.

- Mas eu ainda não sei... o que fazer com tudo isso. - Falei, a voz falhando.

Dra. Anya deu um pequeno sorriso, como se já soubesse que aquele era apenas mais um passo no meu processo de cura.

- Você não precisa ter todas as respostas agora. Estamos indo devagar, e tudo bem. O importante é que você está se permitindo ver a verdade. Isso é o primeiro passo.

Eu respirei fundo novamente, tentando absorver as palavras dela, mas algo ainda me incomodava, algo que eu não conseguia deixar para trás.

A verdade era pesada demais para suportar, mas eu sabia que eu tinha que encontrar uma maneira de conviver com ela.

Eu não podia mais fugir de mim mesmo.

- E o que eu faço agora? - Perguntei, já sem saber o que mais perguntar.

- Agora, Vegas, você começa a aprender a viver com o que sabe, com a verdade. E isso, por mais difícil que seja, vai te ajudar a seguir em frente. - Ela respondeu com suavidade. - Você está pronto para começar esse processo? Deixar a culpa e a raiva para trás?

Eu olhei para ela, sentindo uma sensação estranha de alívio, mas também de medo.

Mas era isso que eu precisava. Era o começo de algo que eu nunca soube que poderia alcançar: a verdade. E, por mais assustador que fosse, eu sabia que precisava encarar tudo isso de frente.

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