10 - Fragmentos

Os dias tinham uma forma estranha de se arrastar ultimamente, como se o tempo fizesse questão de me torturar com sua lentidão.

As noites eram piores, recheadas de sonhos que mal conseguia distinguir da realidade.

Dessa vez, a manhã chegou acompanhada de uma sensação incômoda.

Algo dentro de mim estava diferente, como se uma peça do quebra-cabeça tivesse se encaixado, mas eu ainda não conseguisse enxergar o quadro completo.

Pete estava sentado na mesma cadeira de sempre, me observando com aquele olhar paciente que começava a me irritar menos.

- Bom dia. - Ele disse, com um sorriso calmo.

- Isso é discutível. - Murmurei, passando a mão pelo rosto.

- Sonhou com ele de novo?

Hesitei. Algo na pergunta parecia mais carregado dessa vez, como se ele soubesse exatamente o que estava passando pela minha mente.

- Talvez. - Respondi, evitando seu olhar.

Pete não pressionou. Ele raramente fazia isso, o que, de certo modo, tornava sua presença mais suportável.

- Vegas... - Ele começou, com cuidado. - Você se lembra do que ele costumava dizer para você?

A pergunta me atingiu de forma estranha, como se cavasse um buraco no fundo da minha mente.

Fragmentos de memórias começaram a surgir, e, antes que eu pudesse me conter, as palavras saíram.

- Que eu não valia nada. - Minha voz saiu baixa, quase um sussurro.

Pete assentiu, mas não disse nada. Ele apenas esperou, me dando espaço para continuar.

- Ele dizia que eu era fraco. Que eu nunca seria nada sem ele. - As palavras saíam como se estivessem presas há muito tempo, e o peso delas me atingia com força.

Pete inclinou-se um pouco mais para perto, seus olhos cheios de algo que eu não conseguia identificar.

- E você acreditava nele?

Franzi o cenho, sentindo uma raiva familiar borbulhar dentro de mim.

- Não sei. Talvez. - Admiti, com relutância.

- Mas você está aqui agora. Está enfrentando tudo isso. - Ele disse, com uma tranquilidade desconcertante. - Isso não parece fraqueza para mim.

Suas palavras me deixaram desconfortável, como se estivessem cutucando algo que eu não estava pronto para encarar.

- Por que você se importa tanto? - Perguntei, finalmente o encarando.

Pete sorriu de leve, mas não respondeu diretamente.

- Porque alguém precisa.

As horas passaram, e, pela primeira vez em dias, me vi caminhando sem um objetivo claro.

Minha cabeça estava cheia demais para me concentrar em qualquer coisa.

Quando cheguei à sala de terapia, a psicóloga já estava me esperando, seus olhos fixos em mim com uma curiosidade que me incomodava.

- Vegas, como está se sentindo hoje?

- Como se estivesse vivendo o mesmo dia repetidamente. - Respondi, me jogando na cadeira.

Ela sorriu de leve, anotando algo em sua prancheta.

- Isso faz sentido. Mas vamos falar sobre seus sonhos.

Revirei os olhos, já cansado do assunto antes mesmo de começar.

- O que tem eles?

- Você mencionou que tem sonhado com violência, com memórias que parecem confusas. - Ela inclinou a cabeça, me observando atentamente. - O que sente nesses momentos?

Fechei os olhos, tentando buscar as palavras certas.

- Raiva. Culpa. É como se tudo estivesse errado, mas eu não conseguisse consertar nada.

- E o Pete? Ele aparece nesses sonhos?

Meu corpo ficou tenso ao ouvir seu nome.

- Às vezes. - Admiti, relutante.

- E como ele faz você se sentir?

Franzi o cenho, irritado com a pergunta.

- Isso importa?

- Importa, sim. - Ela disse, com firmeza. - Porque ele parece ser uma figura importante para você, mesmo que você ainda não saiba o motivo.

Não respondi. Não sabia como.

De volta ao quarto, me joguei na cama, exausto tanto física quanto mentalmente.

Pete estava lá, como sempre, mas, dessa vez, sua presença não parecia tão irritante.

- Você parece cansado. - Ele comentou, sentado na cadeira ao lado da cama.

- É porque estou. - Respondi, fechando os olhos.

Houve um silêncio confortável entre nós, até que ele falou novamente.

- Vegas... você já pensou que talvez não precise carregar tudo isso sozinho?

Abri os olhos, encarando-o com uma mistura de ceticismo e curiosidade.

- Do que você está falando?

- Do peso que você carrega. - Ele disse, calmamente. - Talvez seja hora de deixar alguém te ajudar.

As palavras ficaram ecoando na minha mente enquanto eu o observava. Havia algo nele, algo que fazia com que eu quisesse acreditar que, talvez, isso fosse possível.

Mas ainda não estava pronto para aceitar. Não completamente.

Pete tinha o dom de aparecer quando eu menos queria, mas, de alguma forma, suas interrupções começaram a se tornar menos incômodas.

Talvez porque ele era o único que não olhava para mim como se eu fosse feito de vidro prestes a se quebrar.

A manhã começou como qualquer outra, com ele sentado no canto do quarto, folheando um livro que eu nem sabia de onde ele tirava.

- Você lê livros de verdade? - Perguntei, com uma ponta de sarcasmo.

Pete levantou os olhos, sorrindo.

- Claro. Pensei que você fosse gostar de saber que não sou só uma cara bonita.

Revirei os olhos, mas não consegui conter o pequeno sorriso que surgiu em meus lábios.

- O que está lendo?

Ele fechou o livro, me mostrando a capa.

Era um romance antigo, daqueles que minha mãe costumava esconder na prateleira de cima para que eu não alcançasse.

- Isso é... ridículo. - Comentei, balançando a cabeça.

- Ridículo? - Ele ergueu uma sobrancelha, fingindo ofensa. - É um clássico. Você deveria experimentar.

- Prefiro algo mais realista. - Respondi, seco.

Pete riu baixinho, aquele som suave que parecia iluminar o ambiente.

- Realismo não é tão emocionante. A ficção te dá a chance de sonhar, Vegas.

Cruzei os braços, me encostando na cabeceira da cama.

- Sonhar é para quem tem tempo.

- E o que você faz com o seu tempo? - Ele retrucou, me olhando de forma desafiadora.

Fiquei em silêncio, sem saber exatamente o que responder.

A verdade era que meus dias se misturavam em uma sequência de monotonia e confusão, mas não tinha coragem de admitir isso.

Pete se levantou, aproximando-se da cama.

- Sabe o que eu acho? - Ele perguntou, sentando-se na beirada do colchão.

- Não, mas tenho certeza de que você vai me dizer.

- Acho que você precisa aprender a desacelerar.

- E o que você sugere? - Perguntei, arqueando uma sobrancelha.

Ele sorriu, aquele sorriso tranquilo que me deixava desconcertado.

- Vamos jogar algo.

- Jogar? - Repeti, incrédulo.

Antes que eu pudesse protestar, ele puxou um pequeno baralho do bolso.

- Baralho? - Perguntei, franzindo o cenho.

- Por que não? É simples, e vai te distrair.

Suspirei, sabendo que era mais fácil ceder do que argumentar.

Algum Tempo Depois.

- Isso é impossível! - Exclamei, jogando minhas cartas na cama enquanto Pete ria.

- Talvez você simplesmente não tenha sorte, Vegas.

- Ou talvez você esteja trapaceando. - Acusei, apontando um dedo para ele.

Pete ergueu as mãos, rindo ainda mais.

- Eu jamais faria isso. Sou um anjo, lembra?

- Um anjo da discórdia, talvez.

Apesar das minhas reclamações, me vi rindo junto com ele, algo que não acontecia há muito tempo.

Havia algo em Pete que tornava tudo mais leve, mesmo que eu não quisesse admitir.

Ele recolheu as cartas, reorganizando o baralho com cuidado.

- Sabe, você deveria sorrir mais. - Comentou, sem olhar para mim.

- E por que eu faria isso?

Pete me olhou, seu sorriso diminuindo, mas seus olhos ainda radiantes.

- Porque, quando você sorri, parece mais humano.

Sua resposta me deixou sem palavras, e pela primeira vez, senti um calor estranho se espalhar dentro de mim.

Não sabia como lidar com isso, então fiz o que sempre fazia: desviei o olhar.

Pete voltou a embaralhar as cartas, como se nada tivesse acontecido, mas eu sabia que algo havia mudado.

E, por mais que eu tentasse negar, não podia ignorar o fato de que sua presença começava a fazer parte de mim de uma forma que eu ainda não conseguia entender.

A noite chegou e com ela o mesmo pesadelo.

Aquele quarto apertado, as sombras se movendo como bestas prontas para atacar, e ele. Sempre ele. Meu pai. Sua voz áspera, os gritos que ecoavam, e os golpes que nunca paravam. Cada palavra, cada gesto, era uma nova marca invisível que ficava comigo.

Eu tentava lutar, mas era inútil.

Ele era maior, mais forte, e eu continuava sendo aquele garoto que nunca conseguia se proteger.

Acordei com um grito preso na garganta, o corpo coberto de suor e o coração batendo contra o peito como um tambor descontrolado.

Por um momento, fiquei ali, encarando o teto do quarto, tentando me lembrar de onde estava.

- Vegas?

A voz suave me trouxe de volta à realidade.

Virei a cabeça e encontrei Pete na beira da cama, os olhos preocupados.

Ele parecia hesitar, como se não soubesse se deveria se aproximar.

- Foi só um pesadelo. - Resmunguei, tentando afastar a sensação sufocante que ainda pairava sobre mim.

- Quer falar sobre isso? - Ele perguntou, a voz baixa, quase um sussurro.

- Não.

Minha resposta foi curta, mas ele não parecia ofendido.

Em vez disso, se aproximou mais um pouco, os movimentos lentos, como se estivesse lidando com um animal ferido.

- Você está tremendo. - Comentou, suavemente.

Só então percebi que minhas mãos estavam cerradas, os punhos ainda tensos como se estivessem prontos para golpear algo.

Suspirei, tentando relaxar os músculos.

Pete se sentou ao meu lado, a proximidade quase desconfortável, mas, ao mesmo tempo, estranhamente reconfortante.

- Eu não vou te machucar, Vegas. - Disse, como se lesse meus pensamentos.

- Eu sei. - Admiti, antes de perceber o que estava dizendo.

Ele ficou em silêncio por um momento, mas sua presença era tão calma que parecia preencher o quarto inteiro.

Sem pensar muito, me movi para o lado, dando espaço na cama.

- Só... fica aqui. - Murmurei, sem coragem de olhar para ele.

Pete não disse nada, mas percebi o colchão afundar levemente quando ele se deitou ao meu lado.

Senti seu calor, mas ele manteve uma distância respeitosa, como se soubesse que qualquer movimento brusco poderia me afastar.

Fiquei olhando para o teto, o silêncio preenchido apenas pelas nossas respirações.

- Você não precisa carregar isso sozinho. - Ele disse, depois de um longo tempo.

- Não é tão simples. - Respondi, minha voz mais suave do que pretendia.

- Talvez não seja, mas estou aqui. - Ele virou a cabeça para me olhar, e pela primeira vez, me permiti encará-lo de volta.

Havia algo nos olhos dele, algo que eu não conseguia descrever.

Não era piedade, mas compreensão.

Uma aceitação que parecia esmagadora e, ao mesmo tempo, tranquilizadora.

Antes que eu percebesse, Pete se aproximou mais um pouco, seus movimentos lentos, cuidadosos.

Sua mão tocou a minha, e, por algum motivo, não me afastei.

- Vai ficar tudo bem. - Ele sussurrou, como uma promessa.

Fechei os olhos, deixando aquele momento durar mais do que deveria.

Por mais que minha mente gritasse para eu recuar, meu corpo parecia relaxar com sua presença.

E, pela primeira vez em muito tempo, o silêncio não parecia tão assustador.

Acordei antes do amanhecer, os primeiros raios de sol entrando pelas cortinas entreabertas.

Não sabia ao certo quanto tempo tinha dormido, mas, pela primeira vez em dias, não era com um grito na garganta ou suor frio escorrendo pela testa.

Olhei para o lado, e Pete ainda estava ali, deitado de costas, os braços cruzados sob a cabeça.

A luz dourada tocava seu rosto, dando-lhe uma aparência quase irreal.

Algo sobre ele me deixava inquieto, mas ao mesmo tempo... seguro.

“Por que ele está aqui?” pensei, sem realmente querer a resposta.

Levantei-me devagar, tentando não fazer barulho, e fui até a janela.

A visão do hospital era monótona, mas melhor do que encarar o vazio.

Meu corpo ainda estava dolorido, o braço enfaixado pesando mais do que devia, e a cabeça latejava levemente.

- Você sempre fica tão pensativo de manhã? - A voz suave de Pete cortou o silêncio, e me virei rapidamente, pego de surpresa.

- Não sabia que você acordava tão cedo. - Respondi, cruzando os braços.

Ele deu de ombros, um pequeno sorriso brincando em seus lábios.

- Não é como se eu tivesse muito para fazer além de cuidar de você.

- Eu não pedi para ser cuidado. - Retruquei, mas sem o tom cortante de costume.

- Eu sei. - Ele respondeu, calmamente. - Mas, às vezes, as coisas que a gente precisa não são as mesmas que a gente quer.

Revirei os olhos, mas não consegui segurar um pequeno sorriso. Pete tinha esse jeito irritante de ser... certo.

- Você fala como um velho sábio. - Provoquei, tentando mudar o foco da conversa.

- Talvez eu seja. - Ele riu, um som leve que, contra minha vontade, fez meu peito relaxar um pouco.

Antes que pudesse responder, a porta do quarto se abriu, e Nop entrou, carregando um café e algumas folhas em mãos.

Ele olhou para mim, como se estivesse analisando a cena, mas não disse nada.

- Bom dia. - Disse, finalmente. - Como está se sentindo hoje, Vegas?

- Melhor do que ontem. - Respondi, pegando o café que ele estendeu.

- Ótimo, porque precisamos conversar. - Nop colocou as folhas sobre a mesa ao lado da cama.

- Sobre o quê? - Perguntei, desconfiado.

- Sobre a empresa. - Ele respondeu, direto. - As coisas estão estáveis, mas não podemos manter essa fachada por muito tempo sem você.

Pete permaneceu em silêncio, mas senti seu olhar em mim.

- Eu já disse que vou sair daqui em breve. - Repeti, a mesma frase que vinha dizendo todos os dias.

- E eu continuo dizendo que não é tão simples. - Nop rebateu, cruzando os braços.

A discussão poderia ter escalado, mas algo na minha cabeça deu um estalo.

A palavra "fachada" me incomodou, como uma peça de quebra-cabeça que não se encaixava.

- Fachada? - Repeti, minha voz mais baixa.

Nop hesitou por um segundo, mas antes que pudesse responder, uma memória fragmentada surgiu na minha mente.

Meu pai, sentado atrás da mesa do escritório, me encarando com aquele olhar frio e calculista.

"Você nunca será forte o suficiente para carregar isso."

Minha respiração acelerou, e a sala pareceu girar por um momento.

Pete se levantou rapidamente, colocando uma mão no meu ombro.

- Vegas? - Sua voz era calma, mas havia uma ponta de preocupação.

- Eu... estou bem. - Respondi, afastando sua mão. Mas a verdade era que não estava.

Eu não sabia se queria lembrar.

- Talvez seja melhor deixar isso para depois. - Pete sugeriu, sua voz um pouco mais firme do que o normal.

Nop olhou para mim, como se tentasse entender o que acontecia.

- Pete acha melhor deixar isso para depois... - As palavras escapam sem que eu perceba o que estou dizendo.

Talvez seja a dor de cabeça, o enjoo ou toda essa bagunça em minha mente.

- Certo. - Disse, relutante. - Mas precisamos resolver isso logo, Vegas.

Ele saiu, deixando Pete e eu sozinhos novamente.

Fiquei olhando para a porta por um longo tempo, tentando afastar os fragmentos que insistiam em voltar.

- Está tudo bem? - Pete perguntou, quebrando o silêncio.

- Não. - Admiti, antes de conseguir me impedir.

Ele não disse nada, apenas se aproximou novamente. Dessa vez, não me afastei.

Pete continuou ao meu lado, a proximidade dele começando a se tornar desconfortavelmente familiar.

Era difícil explicar.

Parte de mim queria que ele fosse embora, que me deixasse sozinho para processar tudo.

Outra parte... bem, outra parte parecia querer que ele ficasse ali, como uma âncora em meio ao caos.

- Quer falar sobre isso? - Ele perguntou, depois de alguns minutos em silêncio.

- Não tem o que falar. - Respondi, minha voz seca.

Ele suspirou, mas não pressionou.

Ao invés disso, puxou a cadeira próxima à cama e sentou-se, cruzando os braços e as pernas de forma relaxada, como se já soubesse que eu não tinha intenção de me abrir.

- Você parece um idiota sentado assim. - Provoquei, tentando aliviar a tensão.

- E você parece um velho amargurado. - Ele respondeu sem hesitar, um pequeno sorriso brincando em seus lábios.

Revirei os olhos, mas não consegui evitar um breve sorriso.

Pete tinha esse efeito irritante de deixar o ambiente menos pesado, mesmo quando eu estava tentando afundar nele.

Antes que eu pudesse dizer algo mais, outra memória atravessou minha mente, como um flash.

O som de passos pesados no corredor. Eu, escondido no canto do quarto, tentando fazer o mínimo de barulho possível. A porta se abriu com força, batendo na parede. Ele estava lá, o rosto contorcido de raiva, o cinto já na mão.

"Você pensa que pode se esconder de mim, Vegas?!"

Meu peito começou a apertar, a respiração acelerando.

- Vegas? - Pete se levantou, a preocupação evidente em sua voz.

- Estou bem. - Respondi, mas minha voz saiu mais trêmula do que eu gostaria.

Ele não parecia convencido, mas não insistiu. Apenas se sentou novamente, os olhos fixos em mim.

- Por que você se importa tanto? - Perguntei, sem olhar diretamente para ele.

- Porque alguém precisa. - Ele respondeu, simplesmente.

Aquilo me irritou. Não pela resposta em si, mas pelo tom calmo, pela certeza de que ele realmente acreditava nisso.

- Eu não pedi sua ajuda. - Retruquei, levantando o tom.

- Eu sei. - Ele disse, a serenidade imutável.

Por um momento, quis gritar, jogá-lo para fora dali, mas algo em sua expressão me desarmou.

Era a mesma calma que eu sempre desejei ver nos olhos de alguém enquanto crescia.

- Eu tive um pai... - Comecei, sem nem perceber o que estava dizendo.

- Vegas, você não precisa... - Pete tentou intervir, mas eu levantei a mão para interrompê-lo.

- Eu tive um pai que nunca se importou se eu estava bem ou não. Ele só se importava com o que eu podia fazer por ele, com o que eu significava para o "império". - As palavras saíram antes que eu pudesse controlá-las, cada uma carregada de um amargor que eu não sabia que ainda existia.

Pete ficou em silêncio, deixando-me continuar.

- Ele dizia que eu era fraco. Que nunca seria como ele. E, sabe... às vezes eu me pergunto se ele estava certo. - Admiti, minha voz baixa.

- Ele não estava. - Pete disse, firme.

- Como você sabe? - Perguntei, olhando diretamente para ele pela primeira vez em minutos.

- Porque você ainda está aqui. - Ele respondeu, o tom tão sério que me fez desviar o olhar.

A sala ficou em silêncio novamente, mas dessa vez não era sufocante. Era um silêncio que parecia necessário, como se cada palavra precisasse de espaço para se acomodar.

Depois de um tempo, Pete se levantou e foi até a janela, olhando para fora.

- O que você vê em mim, Pete? - Perguntei, mais para mim mesmo do que para ele.

Ele se virou, me encarando com aquele olhar calmo e inabalável.

- Eu vejo alguém que ainda não sabe o quanto é forte.

Aquelas palavras ficaram ecoando na minha cabeça muito tempo depois que ele voltou para sua cadeira e o silêncio tomou conta do quarto mais uma vez.

A noite caiu de forma quase imperceptível, mas a escuridão no quarto não me incomodava tanto quanto deveria.

Pete ainda estava lá, sentado perto da janela, com o brilho fraco da luz do corredor criando uma silhueta em volta dele.

Era irritante como ele conseguia parecer tão confortável em qualquer lugar, como se nada pudesse abalar sua calma.

Eu estava deitado na cama, mas o sono parecia algo impossível de alcançar.

As palavras dele - "Eu vejo alguém que ainda não sabe o quanto é forte" - continuavam ecoando na minha cabeça.

Parte de mim queria acreditar nelas, mas outra parte... outra parte sabia que ele estava enganado.

- Você nunca dorme? - Perguntei, quebrando o silêncio.

Pete riu suavemente, sem sequer olhar para mim.

- Alguém precisa ficar de olho em você.

- Não sou uma criança, Pete. - Retruquei, irritado.

- Nunca disse que era. Mas, considerando o estado em que você está, é melhor prevenir do que remediar. - Ele respondeu com uma leveza que só me deixou ainda mais frustrado.

- Você gosta de bancar o herói, não é? - Perguntei, virando-me para encará-lo.

Ele finalmente olhou para mim, um sorriso pequeno e quase desafiador no rosto.

- Talvez eu só goste de te irritar. - Ele respondeu.

Revirei os olhos, mas não consegui evitar um pequeno sorriso. Era impossível não ceder, pelo menos um pouco, à presença dele.

Pete se levantou da cadeira e caminhou até a cama, parando ao lado dela e me olhando de cima.

- Vegas, posso te perguntar uma coisa?

- Desde quando você pede permissão para fazer perguntas? - Perguntei, arqueando uma sobrancelha.

Ele riu novamente, mas o som era mais suave dessa vez, quase hesitante.

- Você nunca pensou em, sei lá, parar de lutar contra tudo e todos?

A pergunta me pegou de surpresa. Olhei para ele, tentando entender de onde aquilo vinha.

- Você acha que eu sou o tipo de pessoa que pode se dar ao luxo de "parar de lutar"? - Perguntei, minha voz mais fria do que eu pretendia.

- Acho que você merece um pouco de paz. - Ele respondeu, sem hesitar.

Aquelas palavras me atingiram como um soco.

Paz. Era algo que eu nem sabia se realmente existia para mim.

- Paz é para pessoas que não têm nada a perder. - Respondi, finalmente desviando o olhar.

- Ou para quem já perdeu tudo e quer começar de novo. - Pete disse, a suavidade em sua voz me irritando e, ao mesmo tempo, me desarmando.

O silêncio caiu entre nós, mas dessa vez, era diferente.

Não era apenas o peso do que havia sido dito; era também o peso do que não foi dito, do que eu não conseguia dizer.

Depois de alguns segundos, Pete quebrou o silêncio.

- Você está cansado, Vegas. Dá pra ver nos seus olhos. - Sua voz era mais suave agora, quase como um convite.

- E o que você quer que eu faça? Milagre? - Resmunguei, a irritação misturada com o desconforto.

Ele deu um passo mais perto e me encarou com uma expressão que não consegui decifrar.

- Quero que você durma. Sem pesadelos. - Ele disse, simples assim.

- Como se fosse fácil. - Murmurei, virando o rosto.

Pete, então, subiu na cama sem pedir permissão, puxando o cobertor e se acomodando ao meu lado.

- O que você tá fazendo? - Perguntei, franzindo o cenho, surpreso e desconfiado.

- Te ajudando a dormir. - Ele respondeu, como se fosse óbvio.

- Isso é ridículo.

- Talvez seja, mas já que você não vai expulsar um cara com um sono impecável, aceite.

Soltei um suspiro exasperado, mas não o mandei embora.

Por algum motivo que eu não queria admitir, sua presença ali, tão próxima, parecia diminuir o peso que eu carregava.

- Só fique quieto. - Murmurei, virando-me de costas para ele.

- Boa noite, Vegas. - Disse Pete, sua voz cheia de uma tranquilidade que, de alguma forma, começou a me contagiar.

Fechei os olhos, tentando ignorar o calor reconfortante ao meu lado.

E, pela primeira vez em muito tempo, a escuridão não parecia tão assustadora.

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