𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 𝟕 • Escuridão

SERAFINA não tinha feito muito avanço sobre como laços de parceria poderiam ser quebrados. Ela sabia, na verdade, qual era a única maneira, mas o Encantador de Sombras se recusava a ouvi-la. Se um dos parceiros morresse, o laço sumiria, mas isso não significava que a pessoa que restava neste mundo poderia ter outro parceiro.

Um laço de parceria não podia ser construído, ele nascia com os indivíduos, apenas ficava escondido até o momento certo. Azriel não era capaz de entender isso? Tinha mais um andar que Serafina ainda podia tentar se aventurar para encontrar respostas, mas ela sabia que mal existiam livros nele.

O sétimo andar da biblioteca era perturbador. Era tão sombrio que a escuridão parecia ondular, como se respirasse. Não tinha nada nem ninguém ali, mas a impressão de estar sendo seguida era constante.

Naquele breu, o mais perigoso ser era Serafina. Ela se misturava na escuridão, escondidas como se fosse as próprias sombras que rodopiavam seu corpo. Ela não era uma Encantador de Sombras, nunca foi, mas aqueles véus de escuridão que a rodopiavam eram outra coisa...

Serafina estava escondida há alguns metros, observando o comportamento estático de Nestha Archeron que tinha chegado ao nível inferior alguns minutos antes. Ela desceu tão obstinada a fazer algo, mas ali estava, travada, congelada no lugar depois de começar a ceder a agonia que aquele lugar gerava. Sua cabeça olhava de um lado para outro sem parar, como se estivesse ouvindo seu nome sendo chamado.

— Nestha — sibilou Serafina, pegando-a de surpresa.

Nestha não gritou, mas levou a mão ao coração que batia desenfreado com o susto que levou com a voz angelical e, ao mesmo tempo, tão antiga que fazia os pelos de seu braço arrepiarem. Ela respirou fundo, tentando se acalmar, mas seus olhos ainda varriam o andar em busca de algo.

— Você também vê coisas nessa escuridão? — ela perguntou, os olhos levemente arregalados.

— É apenas seu cérebro criando miragens — disse Serafina, a cabeça levemente inclinada. — Acontece quando se passa tempo demais no escuro. Primeiro você acha que está vendo formas, depois começa a ouvir vozes, sente que está sendo tocada...

Serafina ainda podia sentir como se estivesse trancada em sua cela escura na Cidade Escavada. Algumas vezes, a solidão era a pior das torturas. Ela começava a ter alucinações poucas horas depois de acordar de um sono sem sonhos, quando a escuridão prevalecia e ela não conseguia mais dormir.

Ela então começava a ouvir seu nome sendo repetido várias e várias vezes, com mais palavras e frases que a rodavam como um tornado. Ela contemplava sempre se não era as próprias sombras do Mestre Espião que estivessem ali para levá-la a insanidade, mas sabia que não eram elas, afinal ela não tinha como ouvir o que diziam.

Os toques fantasmas eram o pior de todos. Começava com a sensação de uma brisa correndo pela sua pele, mas então sentia como se garras estivessem deslizando como navalhas em sua pele, abrindo feridas quase cicatrizadas. Serafina sentia o sangue começar a escorrer novamente, manchando os trapos de roupas que ainda tinha... Então, ela abria os olhos, e não tinha nada além de escuridão, estava de volta a sua solitária.

— Eu vi pura escuridão — sibilou Nestha. Ela tinha dito alguma coisa antes, mas Serafina tinha ficado presa em suas memórias que nem conseguiu ouvir. — Não se incomoda com ela?

— Vivi na escuridão por tempo demais para me sentir em paz nela — respondeu, a voz tão melancólica que fazia Nestha ter vontade de chorar. — Mas a sensação está sempre ali, sabe? Como se eu estivesse sendo seguida.

— Você me faz sentir dessa maneira já faz algumas semanas, Serafina. — As palavras escaparam da boca dela antes que pudesse se conter. Ela arregalou os olhos, sentindo a culpa atingi-la. — Eu não queria dizer isso, não dessa maneira.

Você quis sim, Serafina queria poder responder, mas ela não fez isso. Ela deu um passo para trás, colocando distância entre ela e Nestha. Seus lábios avermelhados estavam entreabertos, sua mente pensando no que fazer.

Nestha tinha mostrado tanta bondade à ela, mas aquelas palavras... Serafina deveria mesmo ser como o Grão Senhor, o General e o Espião Mestre alegavam — ela era escória, um monstro, não merecia estra viva, que morta seria bem melhor... Ela queria tanto que o pedido deles pudesse se tornar real.

— Me desculpe — sussurrou Serafina, a voz tão leve como se estivesse se desmanchando.

Antes que nesta pudesse fazer algo, a sensação de dor, agonia, tristeza e a vontade de morrer absurda a atingiu e cheio. Ela me contorceu para frente, tentando ficar de pé e lutar contra as emoções que não eram suas. Em um piscar de olhos, Serafina tinha desaparecido dentro da escuridão fatal do sétimo nível, como se estivesse se escondendo dela. A sensação de ser temida não foi bem-vinda para Nestha Archeron.





AS SOMBRAS DE AZRIEL não obedeceram às ordens para ficarem com ele. Elas se movimentaram pelos corredores inferiores da Casa sem parar, entrando e saindo de cômodos quando não encontravam nada.

Era uma sensação estranha. Suas sombras nunca saíram de perto dele todas de uma vez, mas aqui estava Azriel, correndo pelos pisos do andar enquanto tentava acompanhá-las. Estavam frenéticas, como se caçando algo ou alguém.

Azriel sentiu o choque no encontro fantasma delas contra seu corpo em instantes. Ela ainda está ferida. Ele nunca seria capaz de explicar como as ouvia, ou como era um som estranho de vozes alternadas que não tinha uma única característica em particular. Ela está ferida por sua causa.

Obviamente, ele queria responder. As sombras falavam de Serafina, ele tinha certeza. A nefilim estava ferida... Por quê? Já fazia dias desde que ele a encontrou pela última vez, estando ocupado demais com sua missão principal. Como ela ainda poderia estar ferida? Deveria ter se curado até o final do dia, na pior das hipóteses no dia seguinte...

Contendo sua irritação, Azriel se deixou ser levado pelas suas sombras que estavam a ponto de arrastá-lo até Serafina. EM anos que morava na Casa, ele nunca tinha reparado naquele corredor em particular. Ele era bem mais estreito do que os outros, mais claustrofóbico e sem luz. Era um esconderijo perfeito. Ele teve que dobrar suas asas e tomar cuidados para não as bater nas paredes que o cercavam. Todas as portas estavam fechadas, mas um no final estava entreaberta.

Um pequeno raio de luz saia por sua abertura... Os gemidos de dor atingiram Azriel mais rápido do que uma flecha disparada contra seu coração. O som agudo de agonia o fez se arrepiar completamente. Serafina. Ela a voz angelical da nefilim. Azriel não entendia como um demônio poderia se disfarçar de anjo tão facilmente.

Pela brecha da porta, ele percebeu que era um pequeno cômodo que algum dia devia ter sido usado como despensa. Tinha uma mesa alta, e outro armário de vidro na frente com algumas pequenas caixas. Em cima da mesa, um pequeno quite de primeiros socorros estava aberto. Azriel viu gazes manchadas de sangue e algumas novas, fitas e uma tala.

Serafina estava de costas para ele, pequenos gemidos de dor escapavam de seus lábios enquanto ela tocava seu pulso — exatamente onde Azriel tinha o quebrado. Estava roxo, inchado e parecia que o osso nunca tinha voltado ao lugar certo. Que droga era aquela? Ela já deveria ter se curado, da mesma forma que se curou todas as outras vezes...

Ela enfiou a luva justa que sempre usava no mesmo instante que Azriel escancarou a porta de madeira que rugiu com o impacto. Serafina se endireitou no mesmo instante, mas as lágrimas de dor que desciam dos olhos melancólicos dela ainda escorriam.

— Por que não se curou? — indagou ele, seu porte físico grande cobrindo toda a passagem e suas sombras varrendo o lugar com agilidade. — Agora é masoquista, Serafina?

— Eu... Eu não... — As palavras não saiam de sua garganta, ela não conseguia.

Fazia dias desde que Azriel não foi atrás dela para machucá-la mais e mais. Aquela falsa sensação de paz e segurança desapareceu completamente. Ali, na sua frente, estava o Encantador de Sombras da Corte Noturna, aquele que nunca mediria esforços para arrancar informações de qualquer um que fosse sua vítima.

— Para sua sorte, soube que está mantendo distância de Nestha Archeron — resmungou ele, a voz mais cortante do que Reveladora da Verdade. — E quanto o que eu te pedi para descobrir?

— Eu já li cada livro existente na biblioteca — afirmou ela, rápido demais, como se aquilo pudesse amenizar a ira dele. — Não existe magia que possa romper um laço de parceria. É contra as regras do Universo...

— Não está procurando o suficiente — exclamou ele, levantando os punhos quando gritou.

Serafina se encolheu, fechando os olhos com força, esperando o primeiro golpe ser desferido em sua pele. De repente, as sombras de Azrie pararam de se movimentar, ficando paradas no ar como se também esperassem pelo golpe... Algo amargo se formou no fundo da garganta de Azriel. Era uma sensação confusa, que ele não conseguia descrever direito.

A forma com que Serafina se encolhia com medo dele o atingiu como um golpe no estômago. Ele nunca sentiu aquilo antes, em nenhuma das vezes em que a torturou. Ele quase não conseguia aguentar o pavor que viu nos olhos dela quando Serafina os abriu, ainda abaixada. O lábio inferior dela tremia de medo, incontrolável.

O peito de Azriel se contraiu, como se o músculo de seu coração estivesse encolhendo sem parar. Por que ele estava sentindo aquilo? Seus lábios estavam entreabertos, ele não conseguia respirar... Azriel esticou o braço, agarrando o pulso quebrado da nefilim.

Ela deixou um grunhido de dor aguda escapar, o que fez uma pontada cravar a cabeça de Azriel. Aquela era a sensação de que Nestha dizia ter sentido — a vontade de morrer? Os sifões azuis brilharam com força. Serafina soltou um arfar que, se não fosse de dor, Azriel poderia tê-lo confundido com outra coisa.

Ele soltou o pulso dela com certa violência, ainda extasiado com aquela onde de emoções e pelo que tinha acabado de fazer pela criatura que jurou odiar e destruir ainda nesta vida. Serafina rodopiou o pulso, o testando, e a realidade a atingiu como um tapa na cara.

Azriel tinha curado seu pulso quebrado. A magia que correu por seu corpo foi como a primeira dose de metanfetamina depois de anos de reabilitação... Ela teve que lutar contra as lágrimas, contra a vontade de gritar e espernear, indagar o deus criador que a colocou naquele mundo e o que ele teria feito com sua própria magia... Por que eu? Ela sempre quis saber. Por que eu tenho que continuar viva quando só quero morrer? Por que eu sofro nas mãos de tiranos quando nunca fiz nada?

— Deve ter alguma forma — sussurrou Azriel. Sua voz estava baixa e cansada, algo que Serafina nunca tinha ouvido. — Se não há uma forma de quebrar, então encontre uma forma de forjar um laço de parceria.


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23.10.22

𝐍𝐎𝐓𝐀𝐒 𝐅𝐈𝐍𝐀𝐈𝐒:

Boa tarde, meus leitores incríveis! Como vocês estão? Gostaram do capítulo de hoje? Eu sei que prometi um Azriel tóxico, mas nos poucos momentos em que é possível, eu gosto de iludir tanto a mim quanto vocês com ele sendo relativamente fofo...

Mas essas oscilações de humor também fazer parte de um relacionamento tóxico, certo? Minha próxima semana será bem corrida (logo logo vou poder contar o que estou aprontando), mas vou me esforçar para conseguir deixar o próximo capítulo pronto!

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