26
Winter's pov:
"Não existe segunda chance quando a confiança morre. Você deveria saber disso melhor do que ninguém."
Fico pensativa com o sol. A luz do dia significa ter de enfrentar a realidade. Não tenho certeza se estou muito disposta para isso. Mexo meu corpo nu sobre as cobertas e fecho os olhos pela última vez. Permito que minha mente volte à noite anterior com Jimin. Como me fez sentir segura, como foi libertador quando me amou.
O som do meu celular apitando com uma mensagem de texto me obriga a abrir os olhos. Sentando na cama, esfrego o rosto com as palmas das mãos. E olho para o lado. Ela ainda está aqui. É bom saber que ela ainda está aqui, dormindo tranquilamente. Por um tempo fico apenas observando sua respiração, a maneira como seu peito se expande e retrai sob os lençóis.
Endireito-me na cama ao ouvir meu telefone tocando mais uma vez. Estendendo uma das mãos até a cômoda ao lado da cama, pego-o com cuidado.
Não fico surpresa com o conteúdo da mensagem. E parte do meu desânimo se deve a isso.
— Jimin, acorda — sussurro, e ela quase não se mexe. — Jimin — falo um pouco mais alto. — Acorda.
Jimin se vira e me vê olhando para o celular em minhas mãos. Eu sei que isso faz parte da minha rotina. Mas não deixa de ser cansativo. Ela se senta quando ve o desânimo em meus olhos.
— O que foi?
— Lembrei que tenho uma sessão com a psicóloga hoje — murmuro a contra gosto. — Mesmo que não esteja muito interessada em ir.
— Meu amor... — Ela coloca as mãos nos meus ombros. — Você sabe que isso é para o seu bem, né? Se quiser posso te acompanhar até a clínica.
— É, eu sei — Digo, colocando meu celular de lado. — Mas não precisa se incomodar, eu sei que você ficou de visitar seu amigo hoje.
Jimin olha para mim, sem entender minha reação.
— Minjeong... está tudo bem. — Ela acaricia meu cabelo e beija minha testa, mas eu sei o que me aguarda no consultório hoje.
\[...]
Lembro que há algumas semanas, Somi falou como era fácil esquecer uma paixão. Mas agora tenho certeza de que eu estou certa sobre o meu pensamento. Até alguns meses atrás meus pais viviam brigando, mas na época eu me esforçei ao máximo para não pensar demais nisso. Afinal, pessoas apaixonadas também brigam.
Então, um dia, as coisas mudaram. As brigas acabaram. Os dois se cansaram. Às vezes sussurravam alguma coisa entre si, em outros momentos passavam pelo outro como se o outro não existisse. Por fim decidiram que o melhor seria cada um seguir seu caminho e o processo de separação começou a correr na justiça.
Eu sei que essa foi a melhor escolha para todo mundo, mas ainda sou egoísta o suficiente para sentir falta de como as coisas eram antigamente.
— Eu li algo interessante — diz a Dra. Lee, encostando-se na poltrona e trazendo-me de volta a realidade.
Fico confusa com a mudança no início da consulta. Na verdade, tem muitas coisas diferentes hoje. As canetas na sua escrivaninha não são mais azuis. São pretas. O sofá está com almofadas novas. O consultório é o mesmo, mas... diferente.
— Como eu estava dizendo... — ela prossegue. — Eu pesquisei sobre Bethoveen depois de uma de nossas últimas conversas. Ele tem trabalhos aclamados por todo o mundo, mas a Nona Sinfonia foi a obra que o consagrou. Imagino que você já saiba.
Sim, eu realmente sei.
— Claro que você sabe. Enfim, quando criou a Nona Sinfonia, entre 1822 e 1824, Beethoven já estava surdo, o que é impressionante se pensarmos que ele chegou a reger a estreia da sua mais importante sinfonia em maio de 1824, quando tinha 53 anos. Na ocasião, Beethoven, que já não ouvia nada, contou com a ajuda de um amigo, o primeiro violino da orquestra.
Passando a mão nos cabelos, digo:
— Bethoveen era apaixonado pelo que fazia. Ele revolucionou ao incluir numa sinfonia cantores solistas e coro na parte final. Esses dois elementos aparecem na Nona Sinfonia durante o quarto movimento. Muito a frente do seu tempo para ser sincera já que até então as composições desse tipo contavam apenas com a presença de instrumentos.
— Enquanto pesquisava, algo me chamou a atenção. A Nona Sinfonia, que foi a última das suas sinfonias, também é especialmente lembrada porque nela Bethoveen se aproxima das pessoas, provocando um sentimento de união e unidade. Interessante, não?
Eu me mexo no meu assento, constrangida com a menção desse fato.
— Você não vai perguntar no que estou pensando hoje? — Pergunto. Ela balança a cabeça.
— Hoje não. Resolvi mudar um pouco nossa dinâmica.
Por quê? Por que ela precisa ser tão difícil hoje? Por que ela precisa acabar com a rotina que tínhamos adotado? Por que as coisas precisam mudar?
— Agora fazem dois meses que seu pai saiu de casa, mas você ainda sente que tem parcela de culpa nisso, não é?
Fico com lágrimas nos olhos porque ela está me vendo, mesmo quando tudo que eu quero é ser invisível.
— Não é tão fácil se livrar desse sentimento.
— Você não é a mesma pessoa que era alguns meses atrás, é? Aquela garota desapareceu, não foi?
Assinto com a cabeça de novo.
— Mas talvez não haja nenhum problema nisso. Talvez não haja nenhum problema em deixarmos de ser a pessoa que achávamos que deveríamos ser. Talvez a gente possa simplesmente ser quem é no presente e aceitar isso.
— Mas eu fiz uma besteira. Desestabilizei toda a minha família e ainda estraguei o futuro dela.
— Mas é essa a questão em relação ao futuro, e até mesmo em relação ao passado. Eles não existem no presente. Tudo que temos é o aqui e o agora. Se focarmos demais no passado ou no futuro, perdemos nossos desejos atuais, as coisas que queremos nesse instante.
Choro no consultório pela primeira vez, desmoronando ao me dar conta de que eu não sou mais a pessoa que costumava ser. Eu sou uma pessoa nova, alguém que meu pai não ama, mas alguém de quem minha mãe tem orgulho. Alguém que precisa se permitir tentar.
A Dra. Lee me entrega um lenço de papel e eu assou o nariz.
Ela cruza os braços e analisa todos os meus movimentos — destruídos.
— O que você quer, Minjeong? — Ela pergunta.
— O quê?
— O que você quer? — Ela repete, como se fosse a pergunta mais fácil da história.
Choro mais um pouco, porque eu sei o que quero. Eu quero seguir em frente, sem me importar com o que meu pai pensa ou não ao meu respeito. Afinal, é impossível agradar todo mundo e eu preciso aceitar isso.
\[...]
Enquanto volto para casa, parece que um peso foi tirado das minhas costas e que tudo está finalmente voltando ao normal — o nosso novo normal, pelo menos. Eu ainda não liguei para Jimin ou mandei uma mensagem, mas penso nela a intervalos curtos. Depois de passar em casa, pretendo ir até a casa dela para que conversarmos pessoalmente.
Quando chego em frente de casa, no entanto, fico surpresa ao ver Somi parada com as mãos nos bolsos do casaco.
— O que você está fazendo aqui? — Pergunto, confusa.
Ela dá um sorrisinho.
— Um bom dia pra você também.
Não respondo. Ela passa os dedos no cabelo. Está com olheiras enormes que combinam com seu olhar exausto.
— Escuta, podemos conversar?
Com cautela, assinto e subo para a varanda. Cruzo os braços na frente do corpo e fico me mexendo para a frente e para trás, me sentindo desconfortável.
— Acho que a gente não tem nada para conversar.
— Terminei com Taemin — ela diz de repente.
— O quê?
— Bem, ele terminou comigo. Eu contei a ele sobre o que aconteceu entre nós duas.
— Você o que?! — Grito, sentindo uma ardência no fundo da garganta.
— Para de gritar, ok?! — Ela reclama, franzindo o cenho.
— Por... por... por que você fez essa burrice? Meu Deus, Somi! Qual é o seu problema, hein?!
Meu coração acelera e minha respiração encurta.
— Acho que a gente devia tentar.
— Cala a boca.
— Posso tentar me redimir pelo que fiz no passado. Posso te mostrar como sou uma pessoa melhor. Podemos dar um jeito. Se você me der uma chance...
— Meu Deus. Você está bêbada? Por favor, diga que está bêbada, porque está falando como se tivesse enlouquecido de vez!
Tento me convencer de que ela esta fazendo alguma piada de Dia da Mentira com alguns meses de antecedência, mas a súplica em seu olhar e nas suas palavras me dizem que isso está longe de ser uma brincadeira.
— Você não está raciocinando direito.
— A gente pode fazer isso, Minjeong.
— Não. Nós não podemos. Eu tenho namorada, Somi.
— É eu sei — ela diz, chegando perto de mim e me deixando nervosa. — Mas você pode terminar com ela a qualquer momento.
— Você só pode estar louca se acha que eu vou fazer isso.
— Eu mudei, Minjeong. As pessoas mudam, sabia?
Ela estende os braços para pegar minhas mãos, mas recuo.
— Não encosta em mim — ordeno.
— Quero ficar com você, Minjeong — ela diz, mas as palavras estão envoltas em sonhos falsos e mentiras. — Você nem cogitou isso? Ficar comigo?
Isso ficou no passado.
— Por favor — ela diz, olhando para trás antes de se aproximar para me beijar.
Com nossos lábios próximos, sussurro secamente:
— Não. Encosta. Em mim.
Ela recua, e escuto o som de alguém pigarreando atrás da gente. Quando me viro, avisto Jimin no final da calçada com as mãos no bolso do casaco.
— Jimin. Há quanto tempo você está aí?
Seus pés calçados com o All Star chutam o ar para a frente e para trás.
— Tempo suficiente para descobrir que ela quer ficar com você. Que ela tentou beijar você.
— Não é o que... — começo a falar, mas Somi me interrompe.
— Estamos conversando sobre um assunto pessoal, garota. Se puder dar o fora, seria ótimo.
— Somi! — Grito.
Olho nos olhos de Jimin, que pela primeira vez parecem indecifráveis. Tento ir até ela, mas Somi agarra meu pulso, me segurando.
— Deixe que eu resolvo isso.
Eu me solto e dou um tapa nela.
— Eu falei pra você não encostar em mim.
Torno a olhar na direção de Jimin. Sua mão direita ainda está dentro do casaco, mas a esquerda está com o punho cerrado. Ela avança em direção a varanda, com o peito subindo e descendo fortemente.
— Foi você que brincou com os sentimentos da Minjeong, né?!
As palavras dela estão cheias de ódio.
— Olha, garota. Acho melhor você...
O punho de Jimin acerta o queixo de Somi, que cai na varanda.
— Não se meter — murmura Somi, encostando a mão na boca.
— Droga, eu vou acabar com você! — Jimin grita, jogando-se para cima de Somi.
— O que está acontecendo aqui? — Pergunta minha mãe, aparecendo na varanda.
Ela avista as duas garotas brigando no chão. Minha mãe agarra Jimin antes que ela possa causar mais danos, e Somi se levanta cambaleando.
— Ela é minha namorada, sua babaca!
— Jimin, se acalme! — Diz minha mãe, ainda segurando minha namorada, que está prestes a cometer um assassinato.
— Eu só queria uma chance — diz Somi, limpando o sangue da boca.
— Cala essa boca! — Exclamo. — Para de dizer isso.
— Não vou parar — ela diz, balançando a cabeça. — Porque é verdade.
Faço meu máximo para manter a calma, encarando minha mãe que olha para nós duas, alternando entre Somi e eu. Ela ainda segura uma Jimin furiosa, enquanto tenta assimilar o que está acontecendo ali.
— Eu só passei aqui para dizer que quero tentar — diz Somi, colocando as mãos no bolso do casaco. — Com você, Minjeong. Quero namorar com você.
— Meu Deus — sussurra minha mãe, puxando o lóbulo da orelha. — Você precisa ir embora agora, Somi.
— Mas...
— Não. Nada de mas. Você precisa ir embora e deixar a gente resolver as coisas — ela diz.
— Sra. Kim...
— Vá embora! — Minha mãe grita, o tom de voz fazendo nós todas tremermos.
Somi baixa a cabeça, assentindo e se vira para ir embora. Minha mãe solta Jimin e, depois de um segundo, ela parece começar a se acalmar. Quando me aproximo dela, vejo o machucado em sua mão e sinto meu peito se apertar ainda mais.
Minha mãe coloca os braços nos meus ombros.
— Acho melhor entrarmos.
Minha mãe passa um bom tempo dizendo que tudo vai ficar bem, mas eu não faço ideia de como isso vai ser possível. Sinto como se as paredes ao meu redor estivessem desmoronando. As coisas finalmente estão melhorando. E então Somi tem que decidir arruinar tudo.
— Amanhã de manhã vou resolver essa questão. Não se preocupe. Vai dar tudo certo.
Ela beija minha testa e sai da sala de estar.
Assim que ela sai, olho para Jimin, que esta calada desde que entrou em minha casa. A situação toda é estressante demais. Passo os dedos nos cabelos. Não me surpreende ela estar assim. Não me surpreende se quiser uma explicação para o que viu.
— Me desculpe por ter arruinado as coisas — digo. Fecho os olhos, tentando conter as lágrimas que insistem em querer cair.
Ela não responde, mas escuto seus passos se aproximando.
— Eu não deveria ter aceitado conversar com Somi — continuo. — Se eu soubesse que as coisas acabariam assim, não teria aceitado. Desculpa.
Abro os olhos e vejo que ela está parada na minha frente, encarando-me com seus olhos castanhos calorosos.
— Você não arruinou nada, Minjeong.
Ela beija minha testa, colocando meu cabelo para trás da orelha.
— Não arruinou nada. Aquela garota é uma idiota. E se me lembro bem, eu avisei que se ela voltasse a mexer com você teria que se entender comigo.
— Eu sei. É só que...
Jimin beija minha testa de novo.
— Está tudo bem.
Juro que sinto meu coração se aquecer diante dessa demonstração de confiança. Agradeço por isso, e ela sorri.
— Passei os últimos meses conhecendo você, Minjeong. Descobri muitas coisas interessantes. E poderia dizer várias coisas agora, mas... — Ela envolve os braços em minha cintura e me puxa contra seu corpo. — Mas só quero que saiba que confio em você.
— Obrigada, Jimin. — Digo, beijando seus lábios de forma demorada. Então seguro sua mão, vendo o quão vermelhos estão os nós de seus dedos. — Agora deixe eu dar uma olhada nisso.
— Não esta muito ruim — ela diz, dando de ombros. — Você precisava ver a outra garota.
Rindo, eu a puxo em direção ao meu quarto.
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