14

Winter's pov:

"Eu preciso perguntar, seja sincera. Você pensa em me beijar, quando do seu olhar não consigo desviar?

Devo me encontrar com Jimin no terminal 5 às 8h em ponto. E como de casa até a estação de trem é uma longa caminhada, mesmo para os padrões seulitas, peço por um táxi. Ele me deixa o mais perto possível que a multidão permite, então mando uma mensagem para Jimin dizendo que estou aqui.

Com o braço levantado, acenando, ela desce as escadas que dão acesso ao terminal, suas pernas cobertas por um jeans escuro e uma jaqueta cinza sobre a camiseta branca. Os cabelos dela estão reluzentes, e quando ela se aproxima, sinto o cheiro do seu perfume. Dou-me exatos três segundos para imaginar a sensação de apertar meu rosto em seu pescoço e inspirar esse aroma.

— Isso está bom para você? — Ela pergunta.

— Você está se exibindo, não é?

Ela dá uma risada, um som delicioso.

— Com certeza estou.

Balanço a cabeça, mas estou sorrindo.

— Tá bom, provavelmente só vamos chegar no fim da tarde. Você não vai ter problemas com os seus pais? — Ela pergunta timidamente, segurando na alça da mochila que traz nas costas. — Não pensei em todos os detalhes.

— Tudo bem — respondo. — Vou ficar bem.

Não conto que se meu pai souber que vou passar o dia fora com ela, provavelmente vai causar uma cena, porque tenho certeza de que ela vai cancelar a nossa aventura secreta. E cancelar uma viagem em que veremos pessoas talentosas interpretando músicas clássicas é ilegal. Ou pelo menos deveria ser.

Jimin olha para mim, receosa, então abro um sorriso e mudo de assunto.

— O que tem na mochila?

— Ah — ela diz, a preocupação se transformando em animação. — São nossos kits de trabalhos. Li na internet que a galera descolada leva kits de trabalhos para eventos assim e reflete profundamente sobre tudo.

— O que tem neles?

— O básico. Folhas de tablatura, canetas e lápis, garrafas d’água e Oreos com recheio duplo.

Sorrio.

— Parece ótimo.

\[...]

Quando chegamos à Icheon, eu já tinha comido todos os meus Oreos e dois de Jimin. Ela me ofereceu todos, mas eu recusei dizendo que não era gananciosa. Minha ansiedade chegava a ser perceptível. Eu nunca fiquei tão feliz por estar em outra cidade.

No festival, eu quero assistir cada musicista e ficar até a hora do encerramento. Eu quero permanecer ali mesmo depois que as apresentações cheguem ao fim, para absorver tudo o que for possível dessas músicas clássicas e me perder completamente nelas para poder me encontrar de novo.

Uma pessoa que nunca se perdeu de verdade nunca pode se encontrar de verdade.

A música é tudo que há de certo e de errado no mundo. A música entende coisas que as palavras não são capazes de expressar.

— Sonata n° 21; Waldstein — Jimin diz enquanto estamos sentadas em uma área afastada, observando o pianista entregue na interpretação de uma das obras de Bethoveen. — Essa é uma das três mais notáveis sonatas de seu segundo período, certo?

— Completada em 1804 e ultrapassando as sonatas de piano anteriores, Waldstein é uma obra chave para a década "Heroica" de Bethoveen e abriu margens para composições de piano.

— Agora estou entendendo, Minjeong. É por isso que você adora Bethoveen: suas obras fluem entre movimentos alegres e dramáticos com grande naturalidade. Existe uma alternância controlada durante todo o andamento.

— Sim.

— É isso que a gente devia fazer para o nosso projeto final. Uma composição em três movimentos. No primeiro podemos tocar algo suave. No segundo podemos dar um peso mais dramático. E por último podemos subir o tom e tocar algo mais intenso.

Olho para ela e não consigo parar de sorrir. Genial.

Ela não me olha, mas continua encarando o pianista que agora finaliza sua perfomance.

— Gosto da sua maneira de pensar, Jimin.

— Eu tenho pensado em beijar você — ela diz repentinamente, ainda olhando para a frente. — Tenho pensado muito em beijar você. Eu entendo que você está lidando com questões pessoais… Eu também estou lidando com as minhas. Enfim, a última coisa que precisar saber é que eu penso em te beijar. É totalmente sem propósito, mas muito verdadeiro, e não é só nisso que eu penso.

— Em que mais você pensa?

— Penso que você tem um rosto delicado e que eu quero beijar cada parte dele quantas vezes for possível. Penso que você é a única pessoa que ri verdadeiramente, e toda vez que escuto a sua risada, sinto que posso vencer o mundo.

Engulo em seco, passo a mão em meus cabelos e ela continua.

— Penso que você fica linda mesmo quando está triste, e que eu fico com raiva quando você está com raiva. Odeio quem quer que olhe para você de maneira errada, porque eles não conhecem a pessoa maravilhosa que você é. — Ela expira e em seguida respira fundo. — Gosto de você, Minjeong, e espero que isso não seja nenhum problema, porque não sei como parar. Não estou pedindo nada. Juro que não. Pode... levar o tempo que quiser, só isso.

Meu coração para, acelera e transforma-se em fogo. Ainda em silêncio, levo minha mão ao seu rosto. Jimin parece prender a respiração enquanto com suavidade e reverência, passo um dedo gentil sobre sua face esquerda.

Meus olhos vão do seu queixo a sua boca.

Também quero beijá-la. Só que, mais do que isso, quero que ela me beije.

Levo minha mão a sua nuca, inclinando um pouco sua cabeça para a direita e tocando seus lábios com os meus, de leve. Um incentivo.

Repito o processo, me demorando um pouco mais.

Quando tento uma terceira vez, sua boca vem de encontro a minha e permito que ela aprofunde o beijo. Lenta, nervosa, silenciosamente, nossas línguas se encontram. E a enorme quantidade de emoções que atravessa meu corpo intensifica a energia que viaja do meu para o dela.

Sei que não deveria estar fazendo isso. Sei que se continuar, corro o risco de acabar me apaixonando. Mas não me importo, porque enquanto pressiono meus lábios contra os dela e permito que ela explore minha boca, posso sentir a forma como nos completamos perfeitamente.

Uma última vez, seus lábios encontram os meus, quase sem tocá-los, como uma cerimônia de encerramento. Quando abro os olhos, encontro o seu olhar, e ela sorri para mim quando se inclina e apoia sua testa contra a minha. Palavras não são necessárias, porque sentimos tudo dentro de nós.

Ela está em silêncio e depois diz:

— Espero que esteja gostado do seu dia. Desculpe não ter pensado em algo assim antes.

Mas não tem nada pelo que se desculpar. Foi no momento certo.

Ficamos de mãos dadas, apreciando todas as performances seguintes. Estar com Jimin é como estar perto de alguém que enxerga minhas cicatrizes e que as chama de bonitas quando tudo que eu vejo são meus erros do passado.

\[...]

De alguma forma, conseguimos chegar à Seul com duas horas sobrando antes do anoitecer. Isso significa que, depois da nossa caminhada de meia hora pela cidade, estávamos próximas a minha casa.

— Me desculpe por ter falado aquilo para você daquele jeito. É só que... Desde quando te vi pela primeira vez, você parecia...

— O quê? — Pergunto, querendo muito saber.

Ela franze o cenho.

— Como se tudo o que você amasse tivesse sido incendiado bem na sua frente, e você tivesse que assistir a tudo virar cinzas. E a única coisa que eu quis naquele momento foi me aproximar de você.

Fico olhando para ela fixamente. Ela deve estar me achando meio esquisita, mas não sei mais o que fazer. Pigarreando, assinto uma vez. Mantenho o olhar nela, incapaz de desviar.

Jimin sorri antes de dizer:

— Ah! Antes que eu esqueça, tome aqui. — Ela para de andar e abre a mochila. Tira um pen drive e me entrega. — Isto é para você. Percebi que gostou da playlist que te mostrei daquela vez, então criei uma especialmente para você. Assim você pode lembrar dessa garota incrível aqui enquanto escuta.

— Ah, então sendo assim... vou levar você para a cama hoje à noite. — Digo, sorrindo.

— Sou uma garota de sorte. — Ela pisca para mim, e sinto meu mundo estremecer. Meu coração está se perdendo em um mundo de felicidade, e permito que ele viaje para esse território desconhecido.

— Bem, acredito que tenha razão. Você já se olhou no espelho? Você é ridícula.

— Ah, é?

— É. Garotas como eu não gostam de sorrisos encantadores, rostos atraentes, nem de barrigas definidas... — Ela rapidamente pega as minhas mãos e passa-as pelo seu abdômen. Suspiro, sentindo meu rosto corar ao tocar seu corpo.

— Então do que é que garotas como você gostam? — Ela cruza os braços.

— Você sabe, das coisas normais. Um cabelo desgrenhado. Nenhuma preocupação com apresentação pessoal. Nenhum sorriso encantador. O de sempre.

Passando as mãos pelos cabelos, ela abre um largo sorriso.

— Vou ver o que posso fazer. Eu odiaria ser ridícula aos seus olhos.

— Por que você é sempre tão legal comigo? — Pergunto, sorrindo.

Antes que ela possa responder, uma voz grita atrás de nós.

— Que merda é essa? O que você está fazendo aqui?

Eu me viro e vejo meu pai sentado na sua BMW preta, o rosto mais vermelho do que nunca.

— Eu fiz uma pergunta. Por que diabos você está com essa garota, Minjeong?

Jimin dá um passo para a frente. 

— Desculpe, Sr. Kim, a culpa foi minha... eu...

Meu pai estaciona o carro em frente de casa, escancara a porta e vem correndo até nós duas.

— Claro que ela está com você, sua degenerada. Fique longe da minha filha!

— Pai! — Grito, vendo-o avançar para cima de Jimin. — Não é culpa dela...

— Você me disse que não tinha nada com essa garota! — Meu pai grita comigo, de punhos cerrados. — Se chegar perto da minha filha de novo, eu não me responsabilizo pelos meus atos.

— Senhor — Jimin diz, erguendo as mãos como se estivesse se rendendo.

Mas meu pai não se importa.

— Entre na droga da nossa casa, Minjeong — ele ordena, colocando a mão no meu antebraço e me puxando para ele.

— Ai, pai! Me solta! — Grito.

Jimin aproxima-se por reflexo, e meu pai me solta.

— Se você der mais um passo vai se arrepender, garota. Minjeong, casa. Agora!

Ele aponta para a porta da frente e me obriga a entrar. Em segundos, ele está na minha frente, batendo a porta com força, deixando Jimin do lado de fora.

— Qual é o seu problema?! — Grito, batendo no seu braço duro. — Não acredito que fez aquilo!

— Não acredita que fiz aquilo?! Cuidado, Minjeong, você está prestes a...

— A quê?! A deixar você com raiva? A obrigar você a me ignorar? A obrigar você a me odiar? Porque tenho certeza de que já fez tudo isso. Eu só estou sendo eu mesma, pela primeira vez na minha vida, e você decide praticamente me deserdar?!

Ele ainda esta parado em frente a porta.

— Então seu raciocínio é esse? É por isso que está agindo assim, andando pela cidade com aquela degenerada, e se comportando como uma criança? Porque estou sem falar com você? Meu Deus, Minjeong. Amadureça um pouco.

As lágrimas escorrem pelo meu rosto, e eu grito:

— Ela não é uma degenerada!

— Mentira, eu conheço a tia dela. Eu sei o quão afetada aquela família é. Além disso, Somi me disse que essa garota tem assediado você na faculdade!

O quê?!

— Nem ela nem a tia são pessoas de boa índole, e não quero ver você nunca mais com aquela garota. E como se já não estivesse claríssimo, você não pode namorar uma garota, Minjeong!

Ele fica em silêncio e continua me encarando enquanto as lágrimas caem dos meus olhos.

— Você só pode estar brincando! — Grito ao mesmo tempo que minha mãe entra em casa com uma expressão confusa.

— O que diabos está acontecendo? — Ela pergunta, alternando o olhar entre meu pai e eu. — Minjeong, por que você está chorando?

Ignoro-a e corro até meu quarto, batendo a porta. Mando uma mensagem para Jimin querendo saber se ela está bem, mas ela não responde. Mesmo com a porta fechada e com meus soluços, ainda consigo escutar a briga dos meus pais.

— O que está acontecendo, Mingyu? Por que você estava gritando com Minjeong?

— Ela estava vagando pela cidade com aquela garota.

— Que garota?

— Aquela Yoo Jimin! Juro por Deus que vou matá-la!

Eles começam a brigar, de novo. Minha mãe diz para o meu pai se acalmar. Meu pai grita que ela precisa parar de tratar as coisas com naturalidade.

— Se eu pegar aquela garota perto de Minjeong novamente, juro por Deus que...

— Você está sendo ridículo, Mingyu!

— Não, Taeyeon. Você precisa parar com isso tudo. Você já sabe o que eu acho sobre aquela garota e cansei de ver você agindo como se o fato de nossa filha ser lésbica não fosse nada de mais!

— Por que não é, Mingyu! Eu tenho tentando entender tudo sobre isso enquanto você inventa desculpas para não voltar para casa e nunca olhar para ela. Como foi que eu nunca percebi esse traço desagradável da sua personalidade?!

Eles brigam por mais de meia hora. Fico surpresa ao ver que os dois ainda tem voz.

— Enfim. Preciso resolver algumas coisas relacionadas ao trabalho. Não me espere para o jantar.

— Não precisa se preocupar, ok? Faça o que você sabe fazer melhor: vá embora.

A porta da frente bate e a casa fica em silêncio. Minha mãe sobe as escadas e abre a porta do meu quarto. Ela não diz nada de imediato. Em vez disso, senta na minha cama e cruza as pernas, parecendo refletir.

— Mãe, desculpe, posso explicar...

— Estou de plantão hoje no hospital e o seu pai disse que vai trabalhar até tarde, então você vai estar sozinha hoje a noite já que Seungmin vai dormir fora.

Ela continua falando sem parar sobre coisas básicas, mas isso não têm muita importância para mim. Eu sei que ela está prestes a perder a cabeça, porque não para de mexer no cabelo, e eu sei que a culpa é minha.

— Não queria que você tivesse que ficar sozinha depois do que aconteceu, mas tem tanta coisa acontecendo e seu pai não está facilitando. Também não quero que você se sinta culpada... vamos encontrar uma forma de lidar com essa crise familiar e, e...

Ela respira antes e cobrir o rosto com as mãos. E então começa a chorar. Foram raras as vezes que vi minha mãe chorar. A mulher mais incrível da minha vida está desmoronando bem na minha frente, e há algo muito doloroso nisso. Me aproximo dela, abraçando-a.

Às vezes, é muito fácil esquecer que adultos não passam de jovens em corpos maiores, que os corações deles se partem assim como os nossos.

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