06

Winter's pov:

"Estamos separadas por apenas alguns metros, mas por que sinto que você está a quilômetros de distância?"

— Estou preocupada — diz minha mãe baixinho quando paramos na frente de casa. — Estou preocupada com você. Vejo muitas pessoas cujas vidas mudam para sempre por causa de coisas como orientação sexual. Mas acima de tudo, quero que saiba que você pode conversar comigo, Minjeong. Sobre tudo. Prometo que estou do seu lado.

Ela sai do carro, fechando a porta lentamente.

Entro em casa com ela, mas não estou preparada para encontrar meu pai a nossa espera.

Já se passou pouco mais de uma semana desde que eu me assumi para minha família, mas apesar de estar muito chateado comigo, ele está determinado a discutir qualquer assunto a meu respeito somente com minha mãe.

Meu pai demonstra sua decepção quanto a minha orientação sexual várias vezes durante a noite. Todas as vezes sinto meu coração se fragmentar em mais um pedaço. Aparentemente, minha tia Yongsun tinha demonstrado certas "tendências" durante a adolescência, mas hoje é casada com um importante empresário de Seul e essa foi a melhor decisão da vida dela.

— Ela só estava passando por uma fase — ele argumenta. — Consegue imaginar como seria a vida se Yongsun se ela estivesse em um relacionamento com uma mulher?

Ninguém consegue. Yongsun nunca deixou nenhuma duvida sobre sua orientação sexual. Minha mãe costuma dizer que ela só é uma pessoa reservada, mas isso nunca fez tanto sentido para mim como agora.

— Minjeong não é Yongsun.

— É a mesma coisa, Taeyeon! Minjeong só está passando por uma fase. Existe uma solução para isso.

Minha mãe passa a mão nos cabelos.

— Solução?

Meu pai encosta na cadeira da sala de estar e se afunda nela, cruzando os braços.

— Como você nunca percebeu isso?

Os olhos da minha mãe se arregalam, horrorizados. Seungmin entra em casa na hora certa para escutar a briga. Ele ainda está com os fones de ouvido e segura o celular na mão esquerda.

— O que está acontecendo?

— Estamos tentando resolver como nos livrar de um problema.

— Não estamos fazendo nada disso — repreende minha mãe, lançando para o meu pai o olhar mais fulminante da história.

Eu estou em pé com as mãos no bolso do casaco.

— Isso não é um dos processos judiciários que você pega em mãos, Mingyu! É uma vida. É a vida da sua filha.

Os olhos do meu pai voltam-se para mim pela primeira vez desde a notícia. Ele me encara como se nem estivesse me vendo. Então franze a testa e passa as mãos nos cabelos antes de piscar e desviar o olhar.

— Tive um dia longo. O que a empregada preparou para o jantar?

— Você que ficou responsável pelo cardápio do jantar de hoje. Você sabia que eu ia levar Minjeong a psicóloga.

Ele murmura, eles discutem, ele murmura mais um pouco, eles discutem mais um pouco.

— Posso pedir alguma coisa — digo.

— Esquece, Minjeong — diz meu pai, suspirando. Ele levanta-se. — Você já fez mais do que o suficiente.

\[...]

Depois do jantar, me refugio no quarto. Fico sentada na cama, pernas cruzadas, fones de ouvido e algumas partituras inacabadas na minha frente. A música clássica prende minha atenção, evitando que eu escute meus próprios pensamentos. Pretendo me entregar totalmente à minhas composições para tentar esquecer que eu destrui minha família.

Pelo menos esse era o plano até Seungmin aparecer e abrir a porta do meu quarto. Ele parece falar alguma coisa, mas felizmente a música abafa o que quer que esteja dizendo. Então, não sei por qual razão, tiro os fones de ouvido.

— Você tem noção do quanto suas atitudes afetaram minha vida. O meu último ano acadêmico devia ser perfeito, e agora sou o cara que tem a irmã mais nova… com essas tendências.

— Você tem razão. Eu devia mesmo ter pensado em como isso afetaria o meu irmão mais velho e popular. Era muito mais fácil quando eu era apenas a aluna prodígio da faculdade, não é?

Reviro os olhos sarcasticamente. Seungmin é um ano mais velho que eu, um dos melhores alunos do curso de Artes Plásticas, mas parece que isso não mudou em nada a forma como ele vê o mundo. Com seus olhos castanhos e cabelo castanho-claro, ele parece mais com meu pai do que com minha mãe.

— Droga, Minjeong. Você não podia ter esperado até nos formarmos?

— Cala a boca, Seungmin.

Coloco os fones de novo. Meu irmão continua tagarelando por uns cinco minutos antes de bufar dramaticamente e sair furioso. É tão bom saber que posso contar com ele sempre que precisar.

Horas se passam antes que as luzes na casa sejam apagadas. No fim, eu não consegui me concentrar no meu projeto. O notebook está na minha cama, esperando, mas não chego a ligá-lo.

Coloco meu material de lado e vou até o guarda-roupa para pegar meu pijama. Eu sei que já devia estar dormindo. A faculdade não se importa se eu estou cansada. A faculdade não se importa com a reviravolta completa que minha vida está dando. A faculdade não se importa com o fato de eu estar prestes a ter uma crise de ansiedade.

A faculdade só quer que eu chegue antes da primeira aula.

Entro no chuveiro para tentar me livrar da névoa que cobre meus pensamentos. A água escorre pelo meu corpo por mais de vinte minutos. Ao sair do banho, o espelho na minha frente parece rir da minha cara. Apoio às mãos na pia e abaixo a cabeça, tentando entender como é possível ter a mesma aparência, mas me sentir tão diferente.

Visto o pijama e saio do banheiro. Descendo até o piso inferior, estremeço ao ver meu pai sentado à mesa do escritório, com a porta escancarada. Ele está com óculos de armação preta, analisando uma pilha de papéis.

— Pai — Digo, enquanto meu cérebro procura as palavras certas. Ele não olha para cima, mas diz oi. Já é algum progresso.

Eu estou sentindo um aperto no peito desde a noite em que contei a verdade para minha família. O pai de quem eu me lembro se interessava muito mais por mim. Agora, apesar de estar a poucos metros dele, há uma distância estranha entre nós.

— Eu estava pesando e talvez nós...

— Olha, estou tentando resolver minhas coisas aqui. Acha que podemos conversar depois? — Ele interrompe, ainda encarando a papelada. — Feche a porta quando sair.

— Tudo bem.

Ele não diz mais nada. Fecho a porta quando saio.

\[...]

As aulas na faculdade correm relativamente bem, já que a maioria das pessoas está mais focada em cuidar das suas próprias vidas. Porém toda vez que Seungmin e os amigos dele passam por mim, ele faz questão de nem me olhar.

No almoço, sento com Ningning e fico observando enquanto ela remexe sua comida e encara sua paixão ancestral, Uchinaga Aeri, também conhecida como uma das melhores alunas do curso de artes.

Ningning continua falando sobre Aeri como se ela fosse o seu maior sonho que virou realidade.

— Ela está duas fileiras a minha frente na aula de História da Arte. Você provavelmente já sabe, mas Aeri é inteligente, Winter.

Seu discurso parece saído de um romance clássico, um personagem falando do amor da sua vida.

— Você está a fim da garota mais talentosa do seu departamento.

A maneira como ela ri me faz sorrir maliciosamente.

— São o tipo de garotas que mais gosto, as talentosas. Fica mais fácil de elas aturarem os meus debates intelectuais.

— É por isso que sou sua melhor amiga? Porque sou talentosa?

— Não. Você é minha amiga principalmente porque vem de uma família bem sucedida. E como vou precisar de indicações quando me formar é sempre bom manter uma rede de amizades vantajosas.

Olho para ela e sorrio.

— Quase fico emocionada com sua demonstração de carinho.

— Eu sei que sou incrível — Ningning brinca antes de se voltar para Aeri. — Ela é tão linda.

— Por que não convida ela para sair?

Ela apoia os cotovelos na mesa do refeitório e o queixo nas mãos. Então olha para mim antes de dizer:

— Você esqueceu do maior obstáculo em relação ao amor da minha vida? Eu não sei se ela gosta de garotas. Aeri é uma pessoa muito reservada.

— Bom, talvez você tenha chance de descobrir.

Gesticulo na direção de Aeri, que agora está na companhia de Jimin. Ela está com aquele sorriso idiota que faz grande parte das pessoas da faculdade quererem ficar com ela.

Vê-la conversar com Aeri não deveria me incomodar, mas por alguma razão desconhecida incomoda. Eu devia desviar o olhar, mas não consigo.

— Que bom que não fiz meu movimento antes — diz Yzhuo com desdém. — Parece que a novata está super a fim dela. O que é ruim para ela, porque se Aeri for hetero, ela vai ser dispensada.

— Acha que Jimin está a fim dela? — Pergunto, tentando não parecer tão interessada, apesar de secretamente estar bem interessada.

— Está brincando, né? Claro que está. É só olhar para Aeri! E, cara, olhe só para Jimin. Ela parece uma personagem de game — Ningning diz, e então faz uma pausa antes de acrescentar: — Sem contar que as duas são populares a sua maneira, então devem ter muito sobre o que conversar.

— Talvez. Mas, falando sério, você acha que elas combinam?

— Acho que é o casal dos sonhos da galera lgbtqia+ da faculdade. Uma forma de esfregar nosso direito a liberdade na cara de muitas pessoas desse campus tóxico.

— Você não vai ficar incomodada se elas começarem a namorar?

Eu sei que ela ainda está encarando Aeri. A garota é tudo para ela, mas conhecendo bem Ningning, sei que ela jamais admitirá em voz alta o quanto isso irá machucá-la.

— Imagina — ela diz, dando de ombros. — Como é que dizem? O que importa é a felicidade dela. Em algum momento eu supero.

Yzhuo continua encarando Aeri, e eu volto minha atenção para Jimin. Ela está rindo com a garota, e quando ela encosta a mão no ombro dela, sinto um incômodo maior. A melhor maneira de descrever Jimin é dizer que ela é atenciosa. Quando ela fala com as pessoas, encara-as como se estivesse percebendo todas as suas características. Ela realmente presta atenção. E me incomoda ver que ela está prestando tanta atenção em Aeri, e não em mim, o que é ridículo porque eu mesma a afastei. E além disso eu só a conheço a pouco mais de uma semana.

\[...]

Estou considerando matar minha última aula do dia. Eu nunca fiz isso em toda a minha vida acadêmica, mas por algum motivo parece o momento perfeito para fugir. As portas da frente da faculdade estão a apenas alguns metros de mim. Com um rápido movimento, eu posso desaparecer pelas ruas de Seul e parar alguns instantes para refletir de verdade.

Desde que minha vida deu essa reviravolta, não parei para pensar hora nenhuma.

Me aproximo das portas.

— Oi, Minjeong.

Meus passos são interrompidos quando Somi para na minha frente com um olhar cauteloso. Ergo a sobrancelha. Quando estou prestes a me virar, ela coloca a mão no meu ombro.

— Eu só queria me desculpar pelo que fiz.

Cruzo os braços e a fulmino com o olhar.

— Eu confiei em você, Somi. E o que você fez? Contou para todo mundo na menor oportunidade. — Sinto um aperto no peito, e por um momento penso em esmurrar o nariz dela. — Você não tinha esse direito.

— Eu não estava raciocinando direito. Eu juro, Minjeong. Eu e a Yeji estávamos ali falando sem parar e...

— Você tem alguma ideia do quanto o último ano foi difícil para mim? Definitivamente, eu não preciso que você piore tudo.

Mordo o inteiror da bochecha enquanto seguro o choro que deseja se fazer presente. Para mim, as lágrimas dão uma espécie de poder para quem as vê. Eu preciso manter o máximo de poder possível. Somi arregala os olhos, chocada. Então se aproxima, mas eu recuo.

— Minjeong, me desculpe.

Silêncio. Ela semicerra os olhos na minha direção como se eu fosse uma aberração. O que ela está esperando? Que eu a desculpe? Porque isso não tem a menor condição de acontecer agora.

— Só esquece que eu existo, Somi.

Lágrimas de raiva embaçam minha visão enquanto dou as costas para ela e sigo pelo corredor. Então paro. Jimin está encostada em uma das paredes, falando no celular.

Meus olhos se voltam para ela, e de repente me sinto extremamente mal.

Que tipo de babaca chama uma garota como essa de intrometida? Ela não é nenhum pouco intrometida. Pelo contrário, tem uma personalidade adorável. E a única coisa estranha é a forma como ela me tratou bem, especialmente depois do meu encontro com Yuna e seu grupinho.

Eu não pensei no que dizer para ela. Sei que devo dizer alguma coisa, mas não faço ideia de como me desculpar pelo que disse da última vez.

Olhando mais de perto, ela parece não ter dormido bem na noite anterior. Apesar da expressão sorridente de sempre, seu semblante parece cansado. Estamos separadas por apenas alguns metros, mas Jimin parece estar a quilômetros de distância.

Eu não a conheço bem o suficiente para perguntar se ela está com raiva de mim, se dormiu mal ou se quer conversar.

Na verdade, eu não a conheço nem um pouco.

Depois de ficar parada por um minuto, percebo claramente que não tenho como me aproximar dela.

Então vou embora.

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