Capítulo 5
O alarme toca exatamente as cinco e quarenta e cinco da manhã e me levanto a contragosto. Estou morrendo de sono, já que fiquei até tarde acordada cismada com Ariel. Até quando não quero penso nesse babaca! Como uma pessoa dessas pode ocupar tanto espaço na minha cabeça? Isso é inacreditável!
Estico meus braços, mexo meu pescoço para um lado e para o outro a fim de livrar essa tensão e vou direto para o banheiro. Preciso de uma ducha quente, só assim eu vou poder relaxar.
Quase desmaio de satisfação quando sinto o jato de água quase fervendo caindo sobre mim. Deixo escapar um gemido, e sinto cada músculo se relaxando e voltando ao seu "lugar". Lavo minha cabeça demoradamente e aproveito para pensar mais um pouco no que aconteceu ontem. Ariel estava furioso com o cara que me arrastava, e eu nunca vou dizer isso a ninguém, mas eu fiquei tão aliviada quando o vi ali parado, que quase salto em cima dele e o abraço. Quase.
Por mais que meu mais novo inimigo seja um valentão em tempo integral, ele tinha razão, salvou minha bunda de um possível estuprador. Com métodos nada ortodoxos é verdade, mas me salvou. Agora eu devo uma a ele. Droga!
-Mel, você vai chegar tarde na escola! -Papai grita provavelmente da porta do quarto e eu termino de tomar o banho na velocidade da luz.
Ainda bem que hoje é sexta feira, então pelo menos ficarei longe de certas pessoas até segunda.
Já vestida e depois de tomar um café da manhã rápido, finalmente entro no carro para ir para a escola.
Ligo o rádio e começo a rir. Os acordes de "All I Think Abou is You? " de Ansel Elgort começam a tocar e eu reconheço a música imediatamente. A letra cabe tanto na situação que não resisto e começo a cantar junto.
Once I was with you
No money, no issue
We laughed even when we were down
I made my mistakes
That I paid for in heartache
Now I don't know what to do
'Cause all I think about is you
'Cause all I think about is you
All I think about is you.
Desafino quase a música toda, o que me arranca mais algumas gargalhadas. Nunca fui muito boa cantando, mas adoro fingir que o faço bem.
Coincidentemente a música termina quando estaciono no colégio. Meu estresse volta com tudo ao ver a grande moto de Ariel estacionada no meu lugar. Argh esse garoto consegue me tirar do sério mesmo quando não está perto. Toda a animação pela cantoria se esvai quando tenho que atravessar quase todo o estacionamento depois que ficar um bom tempo procurando um lugar. Como costumo chegar cedo, sempre tenho meu espaço à disposição, mas hoje me atrasei e agora sofro as consequências.
Cruzo correndo os corredores que mais parecem um labirinto e finalmente chego na sala onde passo a primeira aula. Excelente, o professor já está lá dentro! E é um dos menos tolerantes.
Bato levemente na porta e o senhor José me olha por trás dos óculos fundo de garrafa. As aulas de química de sexta feira são uma ótima maneira de começar o dia! Só que não....
Não desvio o olhar e a expectativa cresce dentro de mim. Se eu for parar na direção novamente, aí sim que meus pais tem um treco.
Depois de vários minutos de suspense, o professor finalmente balança a cabeça em um sinal para que entre e eu suspiro de alivio. Até que vejo quem está na minha sala.
Ariel me olha por dois segundos e depois abaixa a cabeça, sua falta de emoção ao me ver, me causa uma sensação estranha.
Olho para cima e respiro ainda mais fundo. Porque você tem que fazer isso comigo, universo? Eu devo ter sido uma pessoa muito ruim nas minhas vidas passadas.
Abaixo a cabeça novamente para não parecer uma doida e vejo Becca balançando sua mão freneticamente e sinalizando uma carteira vazia do seu lado. Cruzo a sala sem desviar o olhar da minha amiga e sento na cadeira fria.
-Bom dia Mel! Ainda bem que guardei essa cadeira para você, aliás, porque chegou tarde?
-Acabei demorando na ducha... perdi a hora e tive que encontrar onde estacionar porque alguém pegou meu lugar de novo. -Olho de soslaio para Ariel que desenha algo no caderno. Sua concentração me assusta. De repente como se percebesse que está sendo observado, seu rosto se vira e nossos olhares acabam se encontrando. Merda!
Desvio o rosto rapidamente sentindo o calor nas bochechas,-provavelmente fiquei corada, só faltava essa! - e volto a prestar atenção na minha amiga que agora me lança olhares estranhos.
-O que é agora? -Minha paciência se vai inexplicavelmente quando estou na presença de certa pessoa.
-Nada.... é só que.... ah, deixa para lá.
-Ah, não querida, pode dizer o que está pensando, ou vou te infernizar pelo resto do dia.
-É que.... nossa Mel. Vocês dois tem que resolver o que tem cedo ou tarde.... -Cogito seriamente levar minha amiga a um psiquiatra porque acho que ela acaba de ficar doida oficialmente.
-Becca. -Abaixo minha cabeça e sussurro. -Do que diabos você está falando? Eu e Ariel não temos nada! Já te disse que nem nos conhecemos direito, além do mais o único sentimento que nutro por esse.... por ele, é ódio! -Minha amiga arregala os olhos e nega com a cabeça.
-Ai Mel.... olha eu pensei que você era teimosa, mas cara.... você está se superando!
-Senhoritas, por favor, prestem atenção na aula ou já sabem! -O professor de química nos ameaça e imediatamente ficamos em silencio. Sabemos quais são os castigos para quem não se comporta na sua aula. Desde ter que recitar a tabela periódica diante de todos em forma de música até ter que vir um dia vestido de um elemento químico.
A aula passa incrivelmente lenta, e não consigo evitar espiar Ariel durante quase todo o período. Ele não parou de desenhar no bendito caderno. Dava para perceber pelos movimentos da sua mão, será que esse garoto não anotou nada da aula?
-Ele é tão sexy quando está concentrado assim. -Uma garota cochicha a outra e me pego procurando a dona do comentário.
-Sim! E aqueles olhos! Você viu a sua moto? Eu adoraria dar uma volta naquela máquina! -Bem, em uma coisa ele tinha razão: as garotas adoram sua maldita moto!
Becca me dá um cutucão nas costelas e quase pulo de susto.
-Você está fazendo de novo! -Que?
-Fazendo o que criatura?
-Olhando para ele! E agora está com uma cara de quem quer mata-lo ou beijá-lo. Ou os dois!
Nem me dou o trabalho de responder... ao invés disso, esfrego minhas mãos no meu rosto e suspiro abatida. Eu vou é ficar louca a esse passo. Isso sim.
Pelo restante da aula me concentro -ou pelo menos finjo que o faço- no que o professor explica, mas não consigo anotar nada. O jeito vai ser pedir o caderno de alguém emprestado. Quando o sinal toca, levando da carteira em um pulo e saio quase correndo da sala, escapando de algo.... ou de alguém. Posso escutar Becca me chamando, mas continuo andando rápido para nossa próxima aula.
Entro na sala onde passo a segunda aula, me sento no lugar de sempre e adivinhem? Isso mesmo, Ariel passa pela porta alguns minutos depois, acompanhado de...Becca?
Se meus olhos pudessem lançar raios laser, definitivamente minha amiga já teria virado pó. Como ela faz isso comigo? Eles não chegam a entrar completamente na sala, ficam no meio da porta, nem dentro nem fora da sala. O professor de história ainda não chegou então eles aproveitam os últimos minutos livres.
Me acomodo emburrada na cadeira enquanto vejo os dois conversarem como se fossem melhores amigos. Minha amiga dá risada de alguma coisa e dá um tapinha de leve no ombro de Ariel. Argh. Ela faz isso quando está flertando com alguém. Não dava para ser mais evidente, Becca? Que vontade de ir lá e puxar Becca de volta para mim. Ela é minha única amiga, e não quero perde-la, ainda mais para alguém como.... Ariel.
Mas o que está acontecendo comigo? Estou com raiva da minha amiga por conversar com outra pessoa que não seja eu? Ou será que estou com ciu.... Não, isso é impossível.
Balanço a cabeça e decido escutar música enquanto a aula não começa. Apoio minha cabeça na mesa e coloco uma playlist qualquer para tocar no modo aleatório, no aplicativo do celular.
A primeira música me faz rir pela segunda vez hoje. "I Knew You Were Trouble" de Taylor Swift inunda meus ouvidos, e não posso deixar de associar com Ariel. Quando isso vai parar? Os acordes de guitarra quase explodem meus ouvidos, mas não me atrevo a baixar o volume. Pelo menos isso me distrai dos dois amiguinhos conversando na porta.
Era só o que me faltava, eu ficar sem a única amiga que tenho... sem ela eu não sou....nada. Eu posso até ter ajudado a Becca quando ela sofria e quando tentou tirar a própria vida, mas ela sem perceber acabou entrando no meu caminho e me transformando em uma pessoa melhor. Eu era séria e sequer conversava com ninguém, apesar de defende-los dos valentões, eu era fechada para todo o resto. Por isso o empenho da minha amiga em me juntar com o projeto de Lúcifer. Segundo ela, eu preciso me apaixonar por alguém, ou senão minha vida não terá sentido, não terei experimentado o que é um orgasmo -mesmo que nem ela saiba o que é um- e mais um monte de baboseiras que passam pela cabeça rosa choque.
Becca é meu oposto. A confirmação definitiva de que os opostos se atraem. E eu preciso dela para conseguir terminar o colégio com a mente sã.
-Mel! -Meus fones de ouvido são puxados bruscamente enquanto minha amiga grita meu nome.
-Qual é Becca! Você quer me matar de susto garota! -Seu olhar arrependido me faz baixar um pouco o tom de voz.
-Desculpa, eu não pensei que estivesse tão distraída... te chamei várias vezes, mas você não me respondeu.
-Ah, pelo visto você lembrou da minha existência... pensei que ia ficar conversando com ele até acabar a aula. -Merda, eu não consigo controlar minha boca mesmo.
-Melissa Swansen... você por acaso está com.... ciúmes do Ariel?
Dou uma risada, que sai mais falsa que a cor do seu cabelo e recebo um olhar divertido da minha amiga.
-Claro que não.... eu.... estou com ciúmes de você! Pronto falei!
Tampo meu rosto com minhas mãos e sinto minhas bochechas ficando vermelhas de vergonha.
-Oh, amiga! Não precisa ficar assim não, você sabe que é a dona do meu coração! -Ela brinca e me abraça. Não consigo ficar com raiva por mais tempo. Becca consegue me animar até quando eu sou a que está errada.
Devolvo o abraço, mas aquela sensação ruim ainda continua. Não quero que ela converse de novo com Ariel.... Mas não sei o porquê desse sentimento.
-O que estavam conversando tanto, afinal? -Pergunto jogando esses pensamentos para bem longe.
-Uh.... Coisas de gente louca. -Ela desvia o olhar e eu sei que está me escondendo algo. Abro a boca para insistir que ela me diga o que conversaram, mas bem na hora o bendito professor de história chega silenciando a todos na sala. Salva pelo gongo, Becca, por enquanto.
Reparo que Ariel se senta praticamente do outro lado da sala. Garoto esperto.
Como na aula anterior, ele desenha no seu caderno e não anota nada do que o professor diz. Fico intrigada, será que ele não se importa com suas notas? Como ele vai estudar para as provas no final do bimestre?
Seu olhar cruza com o meu novamente e sinto um frio na barriga. O azul gelado parece ler até o segredo mais profundo da minha alma. Não consigo deixar de olhar para ele. É como uma briga de autoridade. Quem desviar primeiro perde. Ariel dá uma piscada e um sorriso de canto de boca e finalmente volta a olhar para o caderno e fazer sua típica cara de concentrado. Ele pode ter esquivado primeiro, mas tenho a leve sensação de quem perdeu essa briga fui eu.
O resto das aulas, fazemos o mesmo. Entramos na sala, eu sento em um lado da sala e Ariel vai para o lado oposto. Eu o observo desenhar e ele me pega olhando algumas vezes e eu desvio o olhar rapidamente. Estou começando a ficar realmente curiosa para saber o que ele tanto desenha nesse bendito caderno. Será que é algum autorretrato? Um diabinho com chifrinhos e um tridente na mão quem sabe? Tenho um vislumbre do desenho quando o professor se aproxima dele e ele fecha o caderno rápido. Pelo visto, não quer que ninguém veja sua obra de arte. Vai ver ele desenha mal para burro.
-Senhor Albuquerque, posso saber porque não está anotando nada do que estou explicando? -O professor exige ao perceber, assim como eu, que o garoto não escreve nada.
-Eu não preciso anotar, na verdade. -Lança um olhar debochado ao homem.
-Ah, é mesmo? Então será que pode me fazer um resumo do que acabo de explicar? -Agora sim Ariel está ferrado. Se ele não anotou nada, isso quer dizer que tampouco prestou atenção na aula. Assim como você sua cínica.
Quero ver como o garoto vai sair dessa. Até chego a sentir uma pontinha de pena por ele, mas ela vai embora tão rápido como chegou. Ariel olha para todos os outros companheiros da sala, e seu olhar estanca bem no meu. Levanto uma sobrancelha como quem diz "vai lá garotão, se ferra aí". Mas o sorriso que ele me lança, me causa duas reações. Uma: me tira o ar (novamente) e duas: me deixa puta da vida. Baita garoto arrogante esse.
Levanto minha cabeça levemente na sua direção em um desafio tácito e ele ri mais uma vez me surpreendendo ao começar a dizer tudo que o professor explicou durante a aula inteira. Fazendo inclusive comentários próprios sobre o assunto e discordando do ponto de vista do professor na maioria das pautas expostas.
-Se você não fechar a boca, vai acabar engolindo uma mosca, amiga. -Becca empurra gentilmente meu queixo para cima.
-M-mas c-como? Ele não anotou nada, Becca! -Minha voz surpreendida e com um tom amargo sai um pouco alta, o que chama a atenção do professor. Merda de boca grande, Melissa!
-Quer acrescentar alguma coisa à explicação do senhor Albuquerque, senhorita Swansen? -Ele me olha de lado tentando parecer indiferente, mas sei que está tão surpreso quanto eu.
-Não....eu só...estava.... e-eu...-Ótimo, agora comecei a gaguejar. Becca me cutuca em um sinal para que eu diga alguma coisa coerente. Como se eu pudesse lembrar do que o professor explicou, amiga!
Ariel me observa seriamente e meu olhar desesperado parece tocar o pequeno coração de pedra do garoto, porque ele volta a falar da matéria, com domínio, como se fosse o próprio professor e aquela mesma pergunta de ontem retumba na minha cabeça: quem diabos é Ariel Albuquerque?
Finalmente a última aula chega e graças aos céus, hoje não temos reunião no grupo.
Tudo ocorre tranquilamente e incluso consigo anotar algo do que a professora de literatura explica, em um garrancho, mas anoto.
O sinal finalmente toca, anunciando nossa liberdade -por dois dias pelo menos- e enquanto caminhamos pelos corredores do colégio em direção ao estacionamento, praticamente obrigo a Becca a me dizer porque me atendeu toda esbaforida ontem à noite.
-Poxa Mel, achei que você tinha se esquecido disso! Eu.... tenho vergonha de dizer.... por favor.
Seu olhar de cachorrinho não vai me convencer, não hoje.
-Oh, vamos Becca, não pode ser tão ruim! -Incentivo minha amiga e ela para olhando para os dois lados antes de sussurrar.
-Promete que não vai dar risada?
Porque quando uma pessoa diz essa frase, automaticamente você começa a rir antes da hora? É como ativar uma parte idiota do seu cérebro sem querer. É um caminho sem volta.
Becca me olha com zangada e eu me seguro para não soltar nem uma risadinha sequer.
-Prometo. -Fecho minha boca e faço aquele típico sinal de "fechar como se fosse um zíper" e jogo a "chave" fora.
-Amiga, se você "zipou" sua boca, para que jogou a chave fora?
-Para ter certeza de que não vou rir, e não mude de assunto, vamos, desabafa.
-Uff, tudo bem. Eu estou fazendo aulas de dança.
Ela solta de uma só vez e eu não entendo porque achou que riria disso!
-Que bom! Desde quando começou, e que estilo de dança você está aprendendo?
A encho de perguntas e Becca suspira aliviada. Voltamos a caminhar e ela me conta que está fazendo jazz contemporâneo e que está gostando bastante. Suas aulas são de noite e a dois dias quando ela faltou de manhã, foi porque estava indo pagar a inscrição, já que o prazo era só até aquele dia.
Não sei porque mas se sinto mais tranquila em saber que era por isso que ela estava agindo tão estranho. Eu não sei o que faria se soubesse que ela voltou a fazer.... aquelas coisas.
-Melissa, preciso que me encontre na minha sala em dez minutos. -A diretora me barra antes mesmo de que consiga sair do bendito colégio e uma sensação ruim se apodera do meu corpo. O que será que eu fiz agora?
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