Capítulo I - Vizinhança


Megan jogou a sua mochila no chão do pequeno apartamento. Olhou à sua volta, sentindo um grande descontentamento consigo mesma.

Ela havia passado noites em claro enquanto ainda estava em Wakanda se esforçando ao máximo para qualquer tipo de recordação. Qualquer rosto, voz ou cheiro. Mas absolutamente nada vinha a sua cabeça.

E, como sempre, todos a olhavam com um mar de expectativas, como se ela fosse se lembrar de vinte e tantos anos de vida em dois minutos. Todos esperavam que ela se transformasse na salvação do mundo, na pessoa mais abençoada e endeusada da Terra.

Ela odiava os olhares decepcionados toda vez que respondia não à pergunta de sempre: "se lembrou de algo?".

O 'gran finale' a toda essa pressão foi descobrir o porquê de ter sido descongelada especificamente neste momento, cinco anos depois das tais mortes que presenciou: precisavam dela para salvar um grupo de pessoas das quais ela nem se lembrava que existiram.

Queriam que ela se enfiasse em um tipo de cápsula, fosse a um tal de Reino Quântico, arriscando sua vida e a realidade do universo para buscar cinco pessoas que, aparentemente, se suicidaram para o bem geral da nação. Por que desperdiçar sua vida, então? Se eles morreram por ela também, por que arriscar sua vida ao invés de aproveitar a dádiva que lhe fora dada?

Ela não queria mais pensar nisso. Só queria uma boa noite de sono, queria se sentir um ser humano normal. Ela queria poder arranjar um emprego comum, pagar por um aluguel e viver clandestinamente e longe do circo de aberrações que havia conhecido até agora.

Infelizmente, estava em um prédio do Brooklyn que fora comprado pelo rei de Wakanda. Ele lhe faria esse favor até que ela pudesse se manter sozinha.

Ela tomou uma longa ducha quente, massageando suas têmporas enquanto a água queimava suas costas. Encerrou a ducha, enrolou-se na toalha felpuda já presente no banheiro e encarou seu próprio rosto no espelho.

Ela não se lembrava nem mesmo de como era. Seus olhos castanhos não tinham um brilho comum, sendo envoltos por olheiras roxas e profundas. Sua pele era bem pálida, assim como seus lábios sem vida. Ela não se sentia... Ela mesma. Era como se estivesse habitando a pele de um outro alguém. Era uma desconhecida no receptáculo chamado Megan Carter Stark, e ninguém parecia entender aquilo.

Ela não é má, só não é mais quem costumava ser.

E, talvez, isso nem seja tão ruim.


Megan foi tirada de seus pensamentos com o som de batidas leves em sua porta. Saiu do banheiro, apertando a toalha em seu corpo.

Espiou pelo olho mágico, encontrando um homem a esperando.

Um homem lindo, que despertou seus hormônios.

Ela desprendeu seu cabelo em um ato desesperado, gritando um "já vou!" enquanto passava as mãos pelo rosto e tentava trazer um pouco de cor à sua aparência.

Abriu a porta minimamente, tentando esconder seu corpo coberto apenas por aquela toalha branca das vistas do rapaz.

— Oi! Você deve ser a Megan, certo?

Os olhos verdes dele estavam fixos no rosto dela. Um sorriso tão branco e estonteante como o rosto dele tomaram seus lábios, numa simpatia tão natural quanto lhe era possível. Ele estava com uma jaqueta de moletom, os braços posicionados atrás de suas costas.

— E-eu... Sim. Sou Megan. —ela forçou uma voz cordial e um sorriso, tentando parecer o menos assustadora e perturbada possível.

— Prazer em conhecê-la, Megan. Sou seu vizinho... James. —ele fez uma pausa um tanto esquisita antes de dizer seu nome. Logo a encarava novamente, buscando por algo no olhar da mulher que ela não entendia. —É uma hora ruim? —ele apontou para o corpo dela, o qual ainda estava escondido atrás da porta de madeira e a deixava parecendo como uma mera cabeça flutuante.

— Hm-mm... Sim. Quer dizer, um pouco. Estou sem roupas, então... Talvez. —Megan gaguejava cada vez mais, fechando os olhos quando finalmente parou de falar coisas desconexas.

James claramente ficou desconfortável pela menção à nudez dela, abaixando os olhos com um sorriso ainda mais iluminado por suas bochechas coradas.

— Desculpe, Megan. Só queria dar as boas-vindas. Bem... Se precisar, sou o doze. —ele apontou para uma porta atrás de si, a qual carregava o número "12" tilintando sob o olhar de Megan. Achou particularmente interessante essa coincidência do destino de ter o vizinho mais lindo que alguém poderia imaginar.

— Finalmente a vida está sendo gentil comigo. —as palavras escaparam da boca dela em um tom mais baixo, como se externalizasse seus pensamentos. Assim que percebeu que havia dito aquilo em voz alta, corou e dirigiu os olhos assustados a Barnes. — Digo... É bom ter um vizinho assim, tão... Tão... —ela caçava por palavras que não existiam em sua cabeça naquele momento, complicando uma situação que já estava ridícula para sua dignidade e imagem.

— Simpático? Prestativo? Tudo bem, Megan. —ele riu dela por um segundo, carregando seu tom de diversão. — É um prazer ser um vizinho apreciado. Mas tenho que ir guardar meu sorvete antes que eu suje esse corredor novamente. Foi um prazer vê-la. De novo.

Megan apenas assentiu, tentando privar James de mais palavras imbecis. Nem esperou que ele se afastasse direito, apenas fechando a porta o mais rápido possível para que pudesse soltar o ar que prendeu em seus pulmões. Passou a mão pela testa, notando uma camada fina de suor por conta de seu nervosismo.

Ela sorriu para si mesma, pensando que até que não foi tão mal em sua primeira socialização com um talvez interesse amoroso depois de ser congelada por cinco anos.

Ela se dirigiu ao seu quarto, jogando-se na cama sem roupa mesmo e fechando os olhos para limpar sua mente de qualquer pensamento negativo.

Ela estava cansada de passar noites e mais noites morrendo de enxaqueca por forçar tanto sua mente para não se lembrar de absolutamente nada. Essa noite resolveu que mandaria tudo ao inferno e dormiria.





MEGAN? Você está me ouvindo, amor? uma voz ecoava na cabeça dela. Uma voz desesperada que fazia seu estômago se contorcer e sua mente lhe presentear com pontadas doloridas.

 — Megan, nós precisamos de você! —uma outra voz masculina soou, também desesperada.

Ela continuava ouvindo sussurros desesperados, que ecoavam em sua cabeça de novo, e de novo, e de novo.

 Não nos abandone! um grito feminino foi a última coisa que sua mente lhe apresentou antes que ela saltasse da cama em um susto.

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