Capítulo 45 - Serena
Ela olhava através da janela grande da sala de Sarah. Os olhos vidrados no pequeno jardim que já esmorecia pela chegada do outono e seus ventos fortes.
No entanto, o pensamento pairava longe. Tentando gravar cada partícula daquele lugar que fora sua casa por aqueles meses, na companhia de sua melhor amiga. Tentando guardar cada lembrança do Rio de Janeiro, a cidade que lhe acolhera. Tentando manter viva a esperança de que tudo iria dar certo, ainda que com um oceano gigante lhe separando de seu amor.
Bruno.
Subitamente, a atenção desceu para a hora estampada no celular em mãos. Ele estava atrasado. Onde estaria agora? Os olhos correram pelo cômodo, encontrando sua filha adormecida no carrinho, já arrumada para longa viagem de avião.
O macacão florido de Luna era mais uma lembrança. Fora o primeiro presente dado pela tia Bia, assim que ela nascera, e...
- Serena, por favor, já chega. – A voz fina de Munique cortou seu raciocínio. – Eu não aguento mais ver você olhando as coisas como se fosse a última vez.
Serena respirou fundo, e dobrou os braços na frente do corpo.
- E não é?!
- Não! – Foi Sarah quem respondeu, enquanto arrumava em fileiras as malas ao lado da porta. – Lógico que não sabemos quanto tempo você pode demorar na França... Mas a sua casa é o Brasil. Sempre será.
Dessa vez um sorriso xoxo surgiu nos lábios de Serena.
Meu Deus, como as amigas estavam enganadas. Seu lar nunca fora um país, muito menos uma construção feita de tijolos e cimento.
Seu lar tinha um nome, CPF, profissão, endereço, e se acomodava num coração de carne do homem que lhe acolhera em nome do irmão, assumira sua filha, ajudara a reerguer sua profissão e sua vida, e era seu amor.
Bruno Toro era o nome dele.
Em resposta, o peito se retraiu, com o ar lhe faltando por um segundo preciso e angustiante. Pois seria assim que se sentiria em outro continente, quando se lembrasse que estava em um país onde não conhecia nada nem ninguém, sobrevivendo longe da pessoa que era seu porto seguro.
Com Bruno tinha experimentado um amor jamais sentido antes: leve, como uma brisa. Intenso e urgente como as labaredas de uma vela. Doce, como o brigadeiro perfeito de Munique. E com uma pitada certeira de sal, exatamente como as comidas temperadas de Dona Silvana. E, principalmente, respeitoso e protetivo, como o carinho que sua sogra tinha consigo.
Não dependência emocional e possessão, como provara com Hector, agora longe e atrás das grades como tinha de ser.
Era um sentimento substancial, denso e quase palpável. Tão, tão presente, que sentia como se pudesse erguer os dedos e encontrá-lo em volta de si, num cordão invisível e gentil que a circundava e ligava nele.
Um elo.
E nada pior para o amor e duas pessoas que se gostam e querem ficar perto, do que a distância. A incerteza de quando o verá novamente, e se o verá. Ou o medo, de que com o tempo as coisas esfriem e percam a importância.
Mas... sem mais.
Serena fez o medo sumir quando engoliu em seco, e perpassou as mãos pelos cabelos. Já chega desse pensamento que a torturava.
Eles tinham conversado, e ainda que Bruno demonstrasse certo receio, a apoiara pra dar esse salto na carreira. E depois de tudo o que passara, era a sua vez.
Merecia isso.
E ele...a porta da sala se abriu de repente, revelando o homem que perturbava sua mente e coração. Assim que entrou, os olhos pousaram nela. Receosos e brilhantes, o negro ônix mais nebuloso que havia tinha visto.
- Pronta? – Bruno perguntou enquanto se aproximava dela, a mão já erguida para tocar sua bochecha.
Ele não esperou por uma resposta quando o toque macio e pesado a encontrou, puxando-a para um beijo. Pois sabiam, nenhum dos dois estavam prontos para despedida.
Por isso, o beijo que era pra ser um cumprimento, se alongou, e se intensificou a cada momento em que as línguas se esbarravam. As mãos dele rodearam sua cintura, apertando-a contra o peitoral, e...
- Ecat! – Michele ralhou quando chegou na sala, tampando os olhos. – Parem com essa sem-vergonhice, pelo amor de Deus!
Sarah riu, agora empurrando num vai e volta o carrinho de Luna, que se remexia semiadormecida. Mas Bruno não parou o beijo, nem quando Serena sorriu contra os lábios dele, e terminou o cumprimento com um selinho.
Não estava pronta, porém ainda assim, foi. E eles cinco embarcaram rumo ao aeroporto, em uma viagem silenciosa ao som de Alie Gatie, em Its' You.
Não queria, mas estava com os olhos embaçados pela tempestade de água que se empoçara neles. E fungava a todo instante, tentando segurar na garganta o choro que queria deslanchar numa torrente incessante e salgada.
A oportunidade de mudança para a França só não era pior pela esperança do sucesso, e principalmente, por Sarah.
Sua amiga acumulara folgas e decidira ir consigo. Ficaria na França por quatro dias. E isso era o bastante para a confecção de um roteiro turístico, mesmo que Serena tivesse repetido cerca de mil vezes que estaria trabalhando.
Mas, segundo Sarah: "Ah, Serena. Você vai achar um intervalo para conhecer a França! É a F-r-a-n-ç-a!". A mesma frase sendo repetida, com o auxílio de um par de braços gesticulando a grandeza turística e histórica daquele país.
No entanto... ela olhou para o lado, onde o homem de sua vida dirigia. Os olhos focados na estrada, mas como de praxe, o pensamento longe. Em algum lugar mais alto e longínquo do que todos os aviões em pleno voo.
A chegada no aeroporto, foi ainda mais difícil. Miguel não entendia o porquê de sua mudança, e agora se convencera de que raptar Luna com seus bracinhos, era o bastante para fazê-las ficar.
Silvana tinha o rosto molhado pelas lágrimas, abraçada a Bia, que nem queria olhar na direção dela. Munique, agora estava de braço entrelaçado com a irmã, Michele.
Farley apertava o ombro de Bruno. Guilherme e Dodô juntos e entristecidos, com uma Sarah alegre e no meio. Uma cena um tanto contraditória e quase impossível pra eles, que se encontravam no meio de um triângulo amoroso.
E por fim... ela. Olhando através da vidraça do aeroporto, para as dúzias de aviões estacionados no grande pátio. Dona Izabel servindo-lhe como apoio. Ora afagando seus cabelos, ora abraçando-a, como de fato uma mãe faria se estivesse ali.
Entretanto, ela mesma não se encontrava em lugar nenhum. Seu corpo parecia uma casca sem vida, sendo conduzida contra vontade para outro lugar em que não se encaixava.
- Ei. – Izabel capturou seu queixo, virando-a gentilmente na direção dela. – É normal se sentir assim...
- Perdida?
Izabel respirou fundo, e acenou afirmativamente com a cabeça.
- Sim... mas acredite quando digo: distância é ilusão.
Serena espremeu os olhos já avermelhados pelo choro de mais cedo.
- Como assim?
- Querida... Não há distância que possa separar o amor. – a sogra começou com um sorriso triste. – Sabe... tenho um segredo pra te contar. Algo que muitos querem entender...mas que somente pessoas que conheceram o amor verdadeiro podem compreender. – a mulher de meia idade se aproximou mais, puxando suas mãos e entrelaçando com as dela. – Sabe porque eu jamais consegui amar outro homem senão o pai do Bruno?
Serena meneou a cabeça, incapaz de pensar numa reposta.
- Porque ele se foi fisicamente...mas a presença está gravada no meu coração. – mais uma vez o sorriso triste apareceu. – Não estou dizendo que não há outros amores, e outras bocas, e outras pessoas... isso sempre irá haver. Estou dizendo que, desde que ele se foi, eu jamais encontrei alguém que amasse genuinamente, por mais que quisesse, sabe?
Ela pensou em responder, mas dona Izabel deu de ombros, o olhar indo longe, em algum lugar do passado:
- Engraçado que brincávamos que éramos como aqueles pinguins... que se unem ao companheiro e passam a vida toda juntos. – uma risada cheia de lembrança e amor brotou da garganta da sogra. – Era tudo uma brincadeira, e olha como estou agora... – abriu os braços.
Serena a analisou, as sobrancelhas franzidas.
- Isso... não doí em você?
Izabel pendeu a cabeça, parecendo pensar numa reposta.
- A forma como ele se foi...sim, sem dúvida. Mas hoje, depois de ter vivido os melhores anos da minha vida ao lado do melhor homem que já conheci, e tive o privilégio de tê-lo como pai dos meus filhos... não há dor. Só gratidão, amor e saudade.
Aquela conclusão foi tão pesarosa e cheia de amor, que ela desabou. Izabel prontamente a abraçou, mais uma vez acariciando seus cabelos.
- Nosso amor jamais se apagou. Nem com a inexistência física dele... e eu... bem. – a sogra fungou, dando de ombros. – Só espero ter a oportunidade de me juntar a ele quando for a minha vez.
- Mas, Izabel...
- Não, querida. Não chore. – a sogra murmurou com a voz embargada, os olhos molhados e languidos. – Com o pai de Bruno, eu experimentei o amor verdadeiro... E depois que conhecemos esse sentimento, jamais aceitamos algo inferior. – ela apertou ligeiramente a mão de Serena. – Luiz foi e é o amor da minha vida.
Dessa vez, Serena quem se surpreendeu com a primeira vez que ouvia aquele nome. Por isso, ergueu os olhos.
- Luiz?!
- Sim...o nome dele é Luiz Henrique. - Izabel sorriu complacente, o olhar vidrado no horizonte, como se tivesse visualizando uma linda lembrança. – Quando decidimos que íamos ter filhos, Luiz disse que seria eu quem escolheria os nomes...Protestei na época, mas ele acabou me convencendo de que teria péssimas ideias.
A sogra ajeitou a postura quando olhou Bia de esguelha.
– Beatriz era o nome de minha boneca preferida na infância. E eu a amava tanto... que decidi que quando tivesse uma filha, daria esse nome a ela. Já a gravidez de Bruno e Henrique foi engraçada... a primeira ultrassom indicou somente um menino. E como seria um casal, pensei em Bruno, para combinar com Beatriz. O nome dele significa "moreno calmo e diplomático.''... – Izabel pigarreou, e ambas riram. – Sabemos que de todo o significado, ele herdou somente o ''moreno''.
- Mas, e Henrique?
- Não tenho certeza se foi no quinto ou sexto mês da gravidez... só me lembro que fui do céu ao inferno. - A expressão da sogra se nublou por um longo momento. – Quando descobrimos que havia um outro bebê... comemoramos o dia inteiro. Era certo que aquela gravidez não era esperada, ainda mais em um momento em que nossa condição financeira era péssima. Mas era uma dádiva...
- A criação da vida sempre é. – Serena completou, lembrando vagamente do que as tias disseram quando souberam de sua gravidez.
- Mas então, comecei a sentir coisas estranhas... Fraqueza, vazio... sentimentos que eu atribuía a preocupação financeira e ao estresse. Afinal, não podia trabalhar grávida, com uma filha pequena e aqueles sintomas. E ele...
Izabel perdeu a fala por um instante, momento no qual Serena a amparou com um abraço apertado. Uma lágrima solitária desceu pela bochecha da sogra, que sorriu triste e fechou os olhos antes de recomeçar.
- Luiz foi a minha luz naqueles tempos '' sombrios'', em que eu me sentia fraca e sem esperanças. Ele segurou as rédeas de nossas vidas, e ainda me reergueu junto... Daí veio a ideia de Henrique. Uma homenagem àquele homem e amor que se provou ainda mais forte, e foi o elo que sustentou nossas vidas e nossa relação.
Mesmo com lágrimas nos olhos, Serena sorriu. E sentiu o coração já apertado, esquentar devido ao calor daquela história tão linda.
Instintivamente, olhou na direção daquele com quem queria viver um amor tão forte como da sogra. Bruno ninava Luna nos braços musculosos, o olhar vidrado na bebê quase adormecida.
Ela suspirou, sentindo o sorriso se alargar ainda mais no rosto.
- É essa alegria que quero ver em Paris! – Sarah urrou depois de bebericar do café mocha que tinha em mãos, cortando totalmente o clima nostálgico e amoroso.
E quase que imediatamente, o sorriso de Serena murchou. E não estava nem perto da infelicidade de ouvir o que veio logo após:
- Senhoras e senhores, embarque em meia hora no portão 5 para voo 7789, com destino a Paris - a voz formal de uma aeromoça sonorizou o ambiente.
Todos os presentes lamentaram, menos Sarah, que deu um sorriso excitante de aventura.
Michele e Munique vieram primeiro, a apertando como um sanduiche em meio a frases de ''Tome cuidado com os parisienses. São nariz em pé'' ou, ''Você precisa conseguir aquela caxemira pra mim no sale da Zara.''
Depois, Guilherme, Farley e Dodô a cumprimentaram com abraços firmes e rápidos. Rogando para que ela voltasse antes que o mau humor de Bruno os matasse.
Bia chorava mais que Miguel, parecendo uma criança perdida. Mesmo assim, a apertou em um abraço molhado, que a deixou com os vestígios de lágrimas na bochecha.
Silvana e Izabel sorriram através do véu da maturidade e lhe desejaram força. Afinal, '' a oração é resposta para todas as coisas.''
Em fim, ela se apoiava no carrinho de Luna, segurando com força o bilhete de embarque. Não precisava sequer checar o horário para saber que era a sua hora. Ela e Sarah ficaram minutos vidradas em um pedaço de papel frágil que significava nada e tudo ao mesmo tempo.
O ingresso para uma nova vida. Um novo emprego. E.... Uma passagem somente de ida para outro continente.
Seus dedos quase amassaram o bilhete senão fosse pelas mãos de Bruno.
- Serena.
O olhar ônix a fitava cauteloso, mas firme. Uma característica que admirava, e fazia jus à tatuagem de uma palmeira que ele tinha na costela: a resistência do caule em meio ao caos em que as folhas poderiam perpassar por causa do sol e vento. A raiz firme de uma estabilidade que se mantinha de pés no chão, ainda que a cabeça sonhasse cercada pelo céu e estrelas.
- Bruno.
Um esboço de um sorriso torto se desenhou nos lábios dele, quando a começou guiar para o salão de embarque. Nenhum dos dois tinha mais o que falar. E ela temia muito que aquele nó na garganta a fizesse desabar assim que abrisse a boca.
E de fato, Bruno nada falou. Até porque, tudo o que precisava era aquilo. Os braços dele a rodeando, a respiração quente em seu pescoço. Aquele cheiro amadeirado do perfume masculino dançando em seu nariz, e representando a casa que aquele abraço sempre significara desde que entrara na vida dele.
Bruno suspirou fundo, e segurou seu queixo quando a encarou:
- Você e Luna... são tudo na minha vida.
Sua boca se entreabriu em meio a surpresa.
Queria... deveria falar qualquer coisa que fosse. Um eu te amo e vou sentir saudades. Porém, nada saiu e ele nem a deixou pensar em uma resposta. Só continuou:
- Sei que a distância pode machucar, a saudade...doer. – um arquejo foi emitido por ele. – Na verdade, já doí muito. E você ainda está aqui na minha frente...
- Bruno...
- Serena, preciso que saiba que meu amor por você e nossa família é maior que eu mesmo. – ele piscou, com poças d'água brilhando nos olhos. – Por isso... – apertou sua mão. – Você não deve ter nenhuma dúvida sobre nós. E mais... precisa ter em mente que eu farei o impossível para estar ao seu lado.
O choro que saiu dela foi agudo, quase como uma nota de dor e lamento de uma música triste com final feliz.
Afinal, o the end perfeito que marca nossos corações, não são aqueles em que os mocinhos terminam juntos. Mas sim, a despedida fiel e amorosa de um amor que transcende qualquer obstáculo, e cruza qualquer montanha para se manter unido e vívido.
Por isso, quando passou para o salão de embarque, e se distanciou daquelas pessoas que tanto amava, seguiu de cabeça erguida. Fortalecida e cheia de esperanças para o novo capítulo que se abria na vida.
Sarah sorriu cúmplice quando entregaram seus bilhetes à aeromoça. Contudo, assim que começaram a caminhar em direção a aeronave, a amiga a cutucou.
Serena se virou na direção em que Sarah apontava, ajeitando Luna já acordada em seus braços.
- Se... olha ali!
Ela comprimiu os olhos na direção do salão de embarque que haviam acabado de sair. Ali, caminhando rápido em direção à um café, estava Bruno. No entanto, uma mala de mão o acompanhava.
- Bruno?! - se ouviu exclamar.
- Não entendi... – Sarah murmurou, tirando a pergunta de sua boca – Ele vai pegar um avião? Pra onde?!
Gente... com que cara que volto depois de anos sem dar sinal de vida?! KKK apreciem minha cara de pau e me ajudem a passar óleo de peroba.
Mas ok.. vamos ao que interessa: SERENA E BRUNO VOLTARAMMMMMMM <3 (eu ouvi um aleluia?!)
É que assim, mil coisas aconteceram na minha vida.. e eu literalmente me perdi. Na verdade, talvez ainda não tenha me encontrado. Porém, a vida é assim. Se a gente não se encontra, outro caminho se revela, e por aí vamos...
Esse capítulo foi gigante... e me deixou com o coração apertadinho de amor. Nosso grande final está a um palmo de distância.. e só de pensar nisso, fico triste.
Porém, calma... mais emoções estão a caminho, e eu espero tirar algumas lágrimas de vocês. (esse eu terminei cheira de esperança, rs)
Então, perdoem essa escritora doida e perdida, e continuem comigo. Trarei novidades tanto no meu perfil, quanto para essa história (teremos uma continuação... mais informações nos próximos capítulos) hehehe
Obrigada por estar aqui comigo, Serena e Bruno! Espero te encontrar no próximo capitulo <3
Obs: não está revisado.
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