Capítulo 40 - Bruno
Deitado no banco à beira do gramado, Bruno encarou as nuvens no céu. Naquele dia nublado, elas perpassavam lentamente. Tão devagar quanto as noites e dias que se arrastavam longe dela.
Talvez fosse a hora de admitir que havia tido uma decisão errada.
Tempo era tudo o que não queria, e não tinham. Ela estava no final da gravidez, morando em uma casa que não era a deles, guardando os tesouros que haviam se tornado os mais valiosos de sua vida: Luna e a gata (quem ainda se recusava em chamar de Chicória Maria).
E ele estava ali, vivendo como um fantasma solitário e rabugento no centro de treinamento. Quer dizer, solitário não mais.
Não enquanto Dodô estivesse estirado no banco ao lado, e a voz de Farley entoasse outro pagode de corno nos seus ouvidos:
- "Eu sei que deve estar com ele agora. Só de imaginar meu peito chora. Eu não vou te ligar nem procurar saber, fique a vontade pra me esquecer... – Farley mudou o tom do cavaquinho. – Vou te confessar perdi meu chão agora, difícil acreditar que você foi embora. Eu fui ligando os fatos até perceber. Vou tentar continuar a vida, sem você..."
Era o sexto ou sétimo refrão de "ligando os fatos, Pique Novo". E, além de sua situação não ter nada a ver com a letra, ele nem gostava de pagode para que aquela música em específica fosse repetida três vezes.
- Pelo amor de Deus, chega. – Dodô se adiantou ao basta que Bruno se preparava pra dar. – Você só sabe tocar essa música, cara?!
- Não, não... só achei que fosse adequada para o momento de vocês. Tem uma do exaltasamba: "Te amo como nunca amei ninguém, te quero como nunca quis um dia alguém. Você mudou, a minha históriaaa..."
- Farley. - Bruno se sentou de supetão. – Eu juro que...
- Ta bom, mano. Já parei.
O loiro deu um sorriso travesso, tirando um resmungo dele.
- Foi pra isso que você veio antes do treino? Me perturbar?
- Que isso, Toro... assim até machuca. - Farley colocou a mão no peito, fingindo mágoa. - Estou aqui que nem o Dodô: fazendo companhia pro amigo e dando o ar da minha graça.
- É a única coisa que você sabe fazer, né Farley... graça. – Dodô afirmou com um revirar de olhos.
Farley cruzou os braços, devolvendo:
- Isso e ficar contrabandeando informações de Serena e Sarah pra vocês.
- Não, Farley. Você faz isso porque é fofoqueiro. - Bruno corrigiu.
Apesar de que, sem as informações perpassadas de Michele pra Faley, e deste pra Bruno e Dodô, provavelmente já teriam enlouquecido.
Farley colocou o cavaquinho de lado, pendendo a cabeça para o gramado:
- Beleza, Toro. Por que não pergunta direto pra fonte, então?
Bruno seguiu o olhar do loiro, se deparando com Renato, que vinha na direção deles.
Dodô chiou:
- Ihh... Esse cara gosta de uma encrenca, não é?
Farley riu, esperando Renato chegar mais perto para provocar:
- Ele não vai sossegar até tomar uma coça.
O gremista ergueu as sobrancelhas levemente, escutando o comentário de Farley. Ainda assim, continuou caminhando sobre o gramado que já tinha bolas e cones posicionados para o treino.
Bruno não queria, mas era impossível não fuzilar Renato com o olhar. Afinal, era mais fácil colocar a culpa em alguém que não fosse ele.
E o jogador sempre estava nas horas e lugares errados. Um alvo fácil pra sua paciência que era um fio a ponto de se arrebentar.
- Bom dia. – Renato murmurou.
- Um bom dia já não é. - Farley apontou o céu com cara de chuva. - Com sua presença, então...
O jogador gesticulou como se não desse importância, e se virou pra ele:
- Preciso falar com você, Toro.
Bruno piscou, surpreso com a cara de pau do gremista. E depois de um menear de cabeça, se levantou e murmurou, já caminhando pra longe:
- Tenho uma ideia melhor, Renato. Me deixe em paz.
O jogador foi seguindo ele em direção ao vestiário. Cada passo em seu encalço o deixava mais enraivecido.
A respiração já se entrecortava. Os punhos já se fechavam. A mandíbula já se cerrava.
- Bruno! – Renato o puxou pelo antebraço.
Em um segundo, a mão que o segurava sumiu.
Bruno se virou, já imobilizando o homem pra empurrá-lo contra as grades que guardavam o limite do campo para a arquibancada.
- Me deixe em paz – repetiu.
Renato engoliu em seco. Os olhos arregalados denotando receio. Porém, contrário ao medo, disse:
- Não posso fazer isso.
As emoções de Bruno estavam tão loucas e à flor da pele, que ele riu:
- Acho que se eu tivesse te dado pelo menos um soco naquele dia, você teria me deixado em paz.
Nada como bons punhos para deixar boas lembranças.
Renato empertigou a postura, e respondeu:
- Você sabe que eu não sou o real causador de tudo. A pessoa responsável ainda está aqui. No Rio.
Bruno não queria acreditar, mas a curiosidade e surpresa falaram mais alto:
- Hector?!
O jogador assentiu.
- Achei que depois de conseguir o que queria... ele iria embora.
Renato negou.
- Ele sabe que é uma questão de tempo até você e Serena voltarem.
Bruno ergueu uma sobrancelha, cruzando os braços:
- E daí? Era isso o que queria me contar?
- Não... – o gremista suspirou e passou as mãos pelos cabelos. – Eu não deveria estar conversando sobre isso com você, até cheguei a falar pra Serena que Hector tinha ido embora pra deixá-la mais tranquila...
- Fale de uma vez.
Renato ficou em silêncio por alguns segundos, parecendo ponderar uma última vez:
- Tudo bem... é que você pode resolver o problema de Serena. Só é preciso que vá atrás de Hector, e...
Bruno levantou uma mão, o interrompendo:
- Qual a sua intenção, Renato?! Porque sabemos que Serena não quer meu envolvimento nisso. E eu sei bem que você não está ajudando porque é bonzinho...
- Não. Eu estou ajudando ela porque a amo.
Bruno até ia inspirar fundo, mas o ar tinha sumidos dos pulmões. Já os punhos...
Um deles rapidamente encontrou o supercílio direito de Renato, se chocando com força contra a pele.
Os amigos e a comissão técnica que já se posicionava, se viraram na direção deles.
- Acho que mereci isso... – os dedos do jogador tocaram a ferida que minava sangue. Mesmo assim, os olhos claros se fixaram nele e disseram: - Mas é só por causa do amor que sinto, que quero que ela esteja bem e feliz...com você.
A revelação o deixou sem reação, e a raiva que se acumulava se deteve por um momento. Exatamente como aqueles que vinham para apartar uma possível briga.
- O quê?!
- Bruno, eu já fiz muitas coisas erradas e você sabe. Mas se tem uma coisa que não aconteceu, foi traição. Aquela foto foi tirada em um momento totalmente fora de contexto... – Renato inspirou, tomando fôlego. – Enfim, o resumo da história da foto é esse. Agora precisamos adiantar o assunto porque estamos sem tempo, e...
A explicação só confirmou uma coisa que sabia em seu íntimo. Embora o que mais doesse, fosse o fato de Serena ter escolhido mantê-lo longe para ter alguém como Renato ao lado.
- Sem tempo pra quê?!
- Você deveria estar com ela agora. - o indicador do jogador apontou para o chão, reiterando a importância do momento presente. - Eu sei que deram um tempo, mas o que ela precisava fazer pra resolver tudo... não vai conseguir sem você.
Bruno semicerrou os olhos:
- Renato, eu não estou entendendo porra nenhuma do que está dizendo. Seja claro e direto.
- A razão para Serena não ter te contado tudo não foi só o medo de que você fosse preso, foi o medo do seu julgamento.
- Meu julgamento?! Eu jamais iria julgar ela por qualquer coisa!
- Eu sei! Mas Serena não quis te contar porquê... – ele podia jurar que os olhos claros de Renato ficaram escuros por um segundo, para então fitar o chão e o céu, procurando por alguma saída. E quando não encontrou, murmurou com a voz baixa: - Ela foi abusada por Hector durante o casamento, e...
A voz de Renato era um zumbido longínquo, enquanto ele era enviado para uma mistura de sentimentos: horror, raiva, ódio, dor...
- Bruno?! – Renato o balançou.
Porém seus olhos estavam vidrados em algum ponto inexistente. Remoendo a vontade de desmoronar e ao mesmo tempo ir atrás daquele que ousou fazer isso com alguém, e principalmente, com a pessoa que mais amava no mundo.
– Bruno?!
- Cadê ele, Renato. Cadê ele... – Bruno esfregava as mãos com os nós dos dedos cortados sobre o rosto. - Eu tenho que pegar esse cara...
- Eu sei, mas antes disso, vou te contar tudo.
Então Bruno finamente ficou sabendo do plano real de Serena: pegar um suposto vídeo que provava o abuso dela, para enfim colocar Hector na cadeia.
- Esse vídeo está com ele. Eu não sei onde exatamente, e depois que Hector ficou sabendo que eu excluí o vídeo em que você o agredia...
- O vídeo estava com você?!
- Depois te conto sobre isso, Bruno. – Renato parecia correr contra o tempo. – O fato é que eu tenho quase certeza de que, se você for atrás dele, Hector te mostrará o vídeo... – as mãos gesticulavam sucessivamente. – Ele acha que pode colocar dúvidas na sua cabeça sobre a paternidade de Luna. O resultado, que é negativo, já até saiu...
Cada informação sobre aquelas armações só o deixava com mais raiva. Tanto de Hector, quanto dele.
Porra, é certo que Serena tinha que ter lhe contado tudo. Porém agora ele compreendia perfeitamente o motivo dela não ter conseguido, apesar de não ter concordado.
Diferente dele, que escolhera se fechar mesmo quando ela sempre mostrara ser uma pessoa com quem poderia conversar sobre perdas, já que também havia sofrido duas e conhecia o sentimento de dor que o paralisara.
Renato segurou seu ombro, pescando sua atenção novamente, para concluir:
- Eu sei que Serena chamou toda a responsabilidade para resolver o problema, e não quer que você se envolva... mas nesse momento, é só você que poderá conseguir o que ela precisa.
Bruno assentiu, e mal acreditou em suas próprias palavras quando murmurou:
- Me diz o que preciso fazer.
[...]
- Beleza, só pra recapitular: Já está quase na hora do almoço. Está vendo aquele carro ali? – apontou para uma BMW vigiado pelo chofer – É o dele. Hector costuma almoçar em um restaurante aqui perto. Então antes dele pegar o carro, você vai até lá e inventa algo sobre Serena e a paternidade de Luna. Finge que não sabe do resultado do exame, e sei lá... – a voz de Renato se esvaiu bem no momento que Hector ultrapassou a saída do Hotel.
O gaúcho caminhava com passadas longas e decididas, trajando Prada e um sorriso nos lábios. Uma emoção bem destoante das vezes em que Bruno o vira.
Renato começou:
- Toro, não...
O fato de não ouvir mais a voz do jogador, era porque já tinha batido a porta do carro e corria com sangue nos olhos na direção de Hector.
Alguém - que Bruno imaginou ser Renato - praguejou repetidas vezes, pedindo calma. Porém, suas pernas se moviam instintivamente, da mesma maneira que suas mãos latejavam para sentir a carne daquele engomado que machucara sua mulher.
Os olhos de Hector se arregalaram brevemente ao identificá-lo.
- Eu fiquei imaginando quanto tempo ia demorar pra Renato se virar contra mim e trazer você. – a voz do gaúcho estava floreada. Apesar disso, Bruno percebeu a maneira como os ombros engravatados se encolheram na presença dele.
- Eu estou aqui. – Bruno abriu os braços, indicando a si mesmo, ainda vestido com o uniforme de treino.
Totalmente deslocado daquela fachada luxuosa do Copacabana Palace, e os clientes endinheirados que saiam a todo momento.
- Veio me bater? – Hector soltou uma risada provocativa, que chamou a atenção de alguns transeuntes. - Porque se ousar colocar as mãos em mim aqui, vai ser preso em flagrante. E eu nem terei precisado do vídeo que Renato excluiu.
Bruno pressionou os lábios, contendo a repulsa e raiva que sentia para seguir com o planejado.
Por Serena.
Porque ele estava pouco se fudendo para o risco de ser preso, quando podia descarregar toda sua ira naquela cara cínica e fazer justiça com as próprias mãos.
- Não. Eu vim dizer que apesar de você ter feito o que fez, Serena vai estar comigo no final.
Bruno se sentia ridículo falando aquilo. Como se ela fosse uma taça que brigassem para ver quem seria o vencedor capaz de conquistá-la e levá-la pra casa.
Mas o plano de Renato pareceu funcionar, porque o sorriso de Hector logo sumiu do rosto.
- E a criança?! - o gaúcho perpassou as mãos pelos cabelos loiros - Você vai assumir um filho que não é seu?
- É uma menina e se chama Luna. E ela é sim minha filha.
- Não é não.
Bruno cruzou os braços.
- Não vou ficar debatendo a verdade com você.
Pois apesar de qualquer coisa que Hector dissesse, Bruno sabia que Luna era de Henrique. E que, ainda assim, a biologia não seria motivo para que não assumisse como filha a menininha que morria de saudades.
- Você não está entendendo! Não vê que ela está te usando? Agora que está pobre e não tem onde cair morta, virou uma maria-chuteira...
Somente o passo que deu na direção de Hector o fez cessar a frase. Graças a Deus, porque a conclusão dos absurdos ditos provavelmente o tiraria do sério. E nem o controle que tentava estabelecer por Serena o seguraria.
- Ok. – Hector levantou as mãos em rendição. – Não quer acreditar em mim? Eu tenho um vídeo com data e hora que pode provar que ela está te usando. Porque é isso o que ela faz, seduz as pessoas. – o homem começou a tatear o bolso. – Assim que você o ver, saberá que estou fazendo um favor por abrir seus olhos. Olhe aqui, olhe!
Hecto e Bruno começaram a se aproximar sob a calçada beira mar e alguns olhares curiosos. Cada passo na direção do gaúcho elevava a raiva dele. Estava tão esbaforido quanto como se tivesse corrido um campo inteiro.
Bruno comprimiu os olhos pra ver o vídeo que iniciava:
Numa noite de agosto, próximo às 20:30, Serena entrou em um ambiente que parecia uma garagem.
E estava linda.
Um vestido branco rodado, saltos altos e cabelos loiros brilhantes. As mãos delicadas tateavam a bolsa à procura de algo que ele imaginou ser uma chave para o carro que estava estacionado ali dentro.
Mas então, o portão automático começou a abrir, revelando outro automóvel. O carro recém chegado manobrou de forma torta, revelando Hector, que pela forma que cambaleou pra fora, estava bêbado.
Por algum tempo, a filmagem mostrou ele e Serena frente a frente. A forma como se moviam em gestos rápidos e fortes indicavam uma discussão.
Porém, o estopim foi a maneira como ela abriu os braços, recebendo um tapa dele em reposta. Bruno prendeu o ar, vendo Hector ir pra cima dela, puxando o vestido branco, e então desfivelando o cinto...
- Seu filho da puta...
Seus olhos queimavam lágrimas e ódio.
- Eu?! Ela ia sair, sabia?! Como se não tivesse homem pra satisfazer em casa!
O empurrão que Bruno deu em Hector foi tão forte que o jogou contra a grade preta que guardava o entorno do Hotel.
Rapidamente, uma correria de pedestres, hóspedes, curiosos e banhistas começou. Gritavam briga, outros assalto.
Contudo, Bruno não conseguia ver nada do que acontecia de cima de Hector, lutando contra os braços de Renato que o puxavam enquanto gritava que já tinham o que precisava.
É claro que não tinham metade do que precisavam.
Até a cadeia seria um tormento pequeno para uma pessoa tão suja quanto aquela que recebia seus golpes.
Outras braços o puxaram, empurrando-o para longe. Bruno notou serem os seguranças do hotel, que agora acudiam Hector, o ajudando a se levantar.
- BRUNO! – Renato berrou na sua frente.
- Me solta... esse cara...
- BRUNO! – dessa vez o jogador segurou seu rosto com força, recebendo um olhar fuzilador dele.
- Quem você pensa que é pra me segurar assim...
- Me escuta, porra! Se não ir embora agora, a polícia vai chegar e você vai perder o nascimento da sua filha.
- O Hector... o quê?!
- Serena entrou em trabalho de parto nesta manhã.
Bruno piscou, sentindo os músculos adormecerem como se de repente se extasiassem. Renato o chacoalhou, gritando:
- A LUNA ESTÁ NASCENDO! Você prefere parar na delegacia, ou aproveitar meu carro pra chegar a tempo do nascimento?!
Bruno o fitou, buscando controlar a respiração. O celular de Hector estava na mão de Renato. Percebendo seu olhar para o aparelho, o jogador explicou:
- Vou pegar esse vídeo e denunciá-lo. Enquanto isso, você vai embora.
Bruno agora era empurrado na direção oposta da qual um Hector ensanguentado e bufante vinha.
Já na porta do carro, Renato colocou uma chave em sua palma, e perguntou:
- Confia que eu farei o certo?
Bruno entrou e encarou o jogador:
- Se Serena confia em você, eu também confio.
Renato assentiu com respeito, mas logo levantou o olhar:
- Precisa saber de uma coisa também: além do problema que Hector os meteu, outras coisas aconteceram. Quando ela me ligou hoje de manhã, parecia estar com raiva e mágoa de você, Não queria te ver mais...Bruno?!
Ele já ligava o carro, bombeando de forma cadenciada o pedal do acelerador.
- Renato. – Bruno começou – Quando eu chegar lá, vou descobrir o que aconteceu. Mas uma coisa é certa: não vou perder o nascimento da minha filha. E independente do que tenha ocorrido, nunca mais vou deixar a Serena sozinha.
Oi oi gente! Vamos ignorar que eu estou mais uma vez atrasada na postagem deste cap kkk
Então, foi grande, né?! Renato, a primeira vista um traíra, tentou se redimir dos seus feitos. Ele já merece um perdão?
Outra coisa, próximo cap será o nascimento da nossa menina. Planejo muito emoção para receber Luna. (ansiosa aaa)
Obrigada por acompanhar essa casal!! Fico tão feliz de ver cada vez mais pessoas vivendo essa história comigo!! <3
Não está revisado :(
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