Capítulo 22 - Bruno
Bruno cogitou ir embora, mas preferiu ficar esperando no corredor, encostado na parede perto dos elevadores. A cabeça dele ficava rebobinando várias vezes o que Serena tinha dito. Entretanto, não podia julgá-la. Ele mesmo havia falado coisas pesadas para afastá-la.
Era melhor assim.
Bruno encarou a foto que ela havia deixado com ele antes de sair pisando duro pra consulta. A sessão de fotos mexera consigo de um jeito nunca sentido. Imaginou que seria difícil perpassar por todas as lembranças que o lugar onde o irmão trabalhava o fazia reviver.
Mas foi pior, e se Serena não tivesse o consolado, não fazia ideia do que poderia ter acontecido.
Provavelmente iria embora sem olhar pra trás. A fuga era uma velha amiga conhecida. Porém, agora essa já não era uma opção tão simples quando estava com ela.
O celular vibrou no bolso dele, lembrando-o das quase cinquenta mensagens que Diogo, seu empresário, havia deixado. Era compreensível. Em poucos dias a vida dele havia girado 360º, e o motivo de não responder era pelo simples fato de não ter repostas.
Então, mais uma vez ignorou. Ainda teria cerca de quinze dias antes que Diogo voltasse da Europa.
Apesar disso, pegou o celular, se entretendo no instagram. Curioso, digitou no buscador do aplicativo o nome de Serena. Rapidamente o perfil foi encontrado. Ele se deteve por um instante antes de entrar e se deparar com várias fotos dela, quase todas a trabalho.
Porém, antes que conseguisse olhar por mais tempo, a porta do consultório se abriu. Serena saiu e caminhou até ele.
Os olhares se cruzaram, e embora ela tivesse franzido o cenho com irritação, ficou claro que não estava surpresa por encontrá-lo.
- Como foi? – ele falou primeiro.
- Bem.
- Bem como?! Fez ultrassom?
- Fiz.
- Está tudo bem? Já sabemos o sexo?
- Sim e não. – ela murmurou baixo. Ele massageou as têmporas.
- Porra, Serena. Sei que discutimos e que fui um babaca... Mas a criança não tem nada a ver com isso. Eu só quero saber como ele está.
Ela inspirou fundo e o encarou. Os fios loiros balançaram, relanceando em sua direção.
- Eu sei. Não estou assim por causa do que aconteceu. Só estou decepcionada comigo mesma. – Os olhar dela baixou para os pés. – Como não queria saber do sexo sozinha, marquei outra consulta. A médica fez o ultrassom e viu que está tudo bem, mas pedi pra ela não dizer o sexo.
Ele pendeu a cabeça, analisando a expressão feminina.
Bruno se lembrou de quando a irmã estava grávida de Miguel. Beatriz sofreu muito porque o cunhado trabalhava embarcado e não pôde ficar com ela nos momentos essenciais da gravidez.
Era um período importante para as mulheres. E se Henrique estivesse ali com certeza estaria com Serena.
Bruno se sentiu mil vezes pior por ter escolhido uma ocasião tão terrível para afastá-la.
- Eu sei que deve estar pensando que é imaturidade minha ou...
- Tudo bem. – a cortou. Os olhos dela brilharam, sutilmente surpresos – Imagino que seja importante estar acompanhada em um momento como esse.
- Sim, é sim.
Ótimo. Tinham voltado a estaca zero novamente, e tudo por causa dele.
Eles fizeram o caminho de volta para o carro em silêncio. Porém Bruno sabia que não ia demorar muito pra ela falar, e o modo como enrolava as mechas do cabelo diziam o quanto estava incomodada.
- Fala logo, Serena. – disse antes de ligar o carro. Ela suspirou, e se virou pra ele.
- Olha, não quero ficar assim com você. Acho que eu posso ter passado de algum limite... – ela parou pra umedecer os lábios. Bruno não conseguia tirar os olhos dela. – Só...
- Não peça desculpas. – se pegou dizendo.
- Mas eu devia, não é? Forcei algo que não o agradou. – mordeu o lábio inferior. Bruno suspirou fundo, tirando o boné pra passar as mãos pelos cabelos.
Ele tinha esperanças que a discussão os afastasse. Contudo, Serena era uma mulher madura e doce demais pra permitir que continuassem assim.
E isso o deixava tão nervoso quanto excitado. Principalmente quando ficava cada vez mais óbvio que ele seria incapaz de fazer ou manter qualquer coisa que a chateasse.
- Eu também falei coisas que a desagradaram. Não foi? – perguntou. Ela assentiu com um sorriso triste. A mão dele coçou para afagá-la. – Então tá tudo bem.
- Mesmo?
- É o que dizem: chumbo trocado não dói.
- Dói sim. – Serena discordou com uma risadinha. Ele sentiu um meio sorriso crescendo lentamente nos lábios enquanto ligava o carro. – Ah. – ela tirou um papel da bolsa.
- O que é isso?
- Bom, eu... eu mencionei da doença presente na sua família. A doutora achou melhor fazer exames específicos mais pra frente.
O carro morreu de repente. A mão dela prontamente pousou em seu antebraço.
- A médica disse que depende muito da genética. E que no caso da sua família, sua mãe provavelmente não tinha os genes da doença, tanto que ela teve três filhos com seu pai e apenas um deles apresentou a mutação.
Bruno sabia sobre a probabilidade da cardiomiopatia hipertrófica, porém tinha ciência de que não podiam relaxar.
Uma das causas de Henrique ter falecido fora por não ter sido testado pra patologia. A mãe dissera que deles três somente a Bia -mais velha – havia sido testada, e como dera negativo, eles relaxaram.
No decorrer de seu crescimento, Bruno fizera testes recorrentes como jogador, e o fato de sempre ter dado negativo pra mutação corroborou o pensamento de que Henrique também não tivesse, já que eram gêmeos. Além de que o irmão sempre fora uma criança aversa à esportes, e sem que ficasse agitado, era difícil observar os sintomas.
Assim, em um dia comum, sem mais nem menos, Henrique falecera. Pelo mesmo motivo do pai: ser imprudente com algo sério, embora fácil de ser tratado.
- Tem alguém na sua família com essa doença? - perguntou.
- Não sei. Não conheci meus pais por muito tempo pra saber. Mas vou perguntar as minhas tias.
Ele assentiu, pegando lentamente no volante.
- Ei. – Serena apertou seu ombro levemente. – Vai ficar tudo bem.
[...]
Já haviam se passado cerca de quinze dias desde que ela chegara. E era cada vez mais difícil se afastar.
Em parte porque quando estava em casa, Serena não aguentava ficar sozinha, e sempre aparecia na academia, observando-o se exercitar, como uma companhia barulhenta que não parava de falar.
Ela contava como se sentia e o que pensava, e depois perguntava sobre coisa diversas pra ele, exigindo repostas que não fossem monossilábicas. Tudo isso enquanto comia sorvete, e ele levantava barras e pesos.
Já era certo que fizessem as refeições juntos, e que cada noite se encontrassem na sala para ver algum filme. O único problema era a escolha. Bruno odiava comédias românticas na mesma proporção em que ela não suportava ação e terror.
Serena batia o pé, e ganhava. O que se mostrava um tanto infrutífero já que costumava adormecer no meio dos filmes. Então ele a pegava no colo, e a levava para o próprio quarto, para enfim voltar pra sala e ver alguma coisa sangrenta e dinâmica.
Porém, mesmo que estivesse se consultando com Sarah, Serena continuava com os pesadelos - talvez amedrontada pela presença fantasma de Hector, que não tinha voltado pro Sul, mas também não havia dado as caras -. Era corriqueiro que despertasse esbaforida as noites. E ele sabia que era uma questão de tempo para que ela retornasse pra sala, exigisse a troca de filme, e aninhasse o corpo trêmulo junto ao dele.
Na quarta noite, quando estava cansado de acordar no sofá, Bruno passou a levá-la para o quarto dele. Não importava o quão longe quisesse ficar. Sempre acordavam entrelaçados, com a gata embolada entre eles.
Aliás, a gata - a quem se recusava chamar de Chicória Maria - era um presença tão constante quanto a dona. E inclusive agora se habituava a levar baratas mortas pra perto dele. Serena dizia que era a maneira que Chicória demostrava o amor por alguém. Ele achava bem bizarro, mas acabava agradecendo e a recompensando com um petisco.
Isso tudo estava o afetando.
Havia se acostumado tão rápido a Serena que, nos dias em que viaja para jogar, mal conseguia pregar os olhos. Ela devia sentir o mesmo, porque em seu segundo dia fora, passara a ligar pra ele de madrugada, onde iniciavam uma conversa sem pé nem cabeça, e ele adormecia ouvindo o ronco baixinho dela.
A pelada marcada com os amigos para o fim de semana retrasado havia sido cancelada e remarcada. Sarah e Dodô estavam passando por problemas no casamento. E do jeito Guilherme estava descontrolado, era possível que fosse um dos motivos.
Os dois não conseguiam ficar no mesmo campo sem terminarem brigando. Sendo a razão pela qual ultimamente faziam companhia um ao outro no banco, sentados em extremidades opostas.
Um dia ou outro, Sarah e Michele os visitavam. E elas desapareciam dentro do quarto de Serena. Quando saiam, o rosto de Sarah tinha os olhos inchados e o nariz vermelho.
Quanto a família dele, Serena havia se integrado tão naturalmente que parecia sempre ter sido um membro dos Toro. Izabel, sua mãe, estava em êxtase. E cada visita dela era regada à roupinhas e brinquedos. Beatriz parecia ter encontrado uma irmã e amiga, e bombardeava Serena com ligações de vídeos para fofocar e conversar.
Bruno ainda não fazia ideia do que estava acontecendo entre ele e Serena. Mas sentia uma espécie de alívio e irritação quando ela o chamava de amigo, dizendo o quanto ele a estava ajudando a reconstruir e transformar a própria vida. Em resposta, Bruno apenas acenava a cabeça, tentando minimizar o fato de quem que estava completamente transformado era ele.
E cada vez que pensava mais nisso, só tinha uma conclusão: estava muito fudido.
[...]
- Bruno? – Serena o chamou.
Ele colocou os pesos no aparador do supino, e se virou pra ela. Serena estava arrumada e agasalhada, com uma bolsa a tiracolo.
Ela entrou na pequena academia, trazendo o cheiro delicioso do perfume floral. As mãos finas estenderam algo na sua direção. Bruno pegou e observou três imagens consecutivas do ultrassom em contornos distorcidos de um feto, no qual conseguiu identificar somente a cabeça.
- Queria que ficasse com você. – ela murmurou. Bruno ergueu os olhos, a fitando. – Só... sei lá. Pra ter algo do que se lembrar do bebê quando quiser. Eu ia te dar isso há algum tempo, mas acabei me esquecendo.
- Obrigado. – deu um meio sorriso. - Mas se eu quiser me lembrar do bebê é só olhar pra você.
Serena pendeu a cabeça e sorriu.
- É... – colocou as mãos no ventre. – Não deixa de ser verdade.
Bruno umedeceu os lábios, passando o dorso da mão na testa. O olhar de Serena desceu por ele, observando seu peitoral.
- Eu... vou sair, mas não vou voltar tarde.
- Tudo bem. – percebeu como ela fugia dele. – Você não vai sozinha, né? – perguntou com o cenho franzido. Tudo o que não precisavam era que ela se perdesse novamente.
- Não. Ele vem me buscar. – disse um pouco rápido demais, antes de apontar pra lombar dele. – Que é esse?
Bruno ignorou o fato dela estar fugindo do assunto, e olhou pra baixo.
- Meu pai.
- Por um segundo achei que fosse você.
Ele encarou a tatuagem realista, onde um homem de cabelos negros e óculos de grau usava uma camisa do Flamengo.
- Não sou tão narcisista assim, e o Henrique era mais parecido com ele.
Ela se arqueou um pouco e tocou a sua pele, tracejando o rosto do pai como uma carícia.
- A aparência pode ser. Mas seus olhos são iguais aos dele.
- Sei que o que está tentando fazer. – se referiu ao fato de que ela estivesse inventando algo pra fugir do assunto de antes.
- Eu não estou tentando fazer nada. É sério. Seus olhos são parecidos com os do seu pai.
Ele arqueou uma sobrancelha, optando por entrar na brincadeira.
- É mesmo? E como?
Ela tocou o rosto dele, imersa em pensamentos. Os dedos subiram pra sobrancelha, escorrendo pra baixo dos seus olhos. Bruno segurou a respiração.
- São obstinados, parecem saber exatamente o que querem.
Era verdade. Ele sabia exatamente o que queria.
Serena soltou um suspiro, mordendo os lábios em seguida. Instintivamente, a mão dele pousou em cima da dela. A pele feminina estremeceu sob seu toque, e...
A campainha tocou.
Ela se separou tão rápido que parecera nunca ter estado perto.
Ele expirou de alívio. Foi por pouco.
Era sempre assim. Ficavam juntos até que a tensão quase papável os separasse como um choque, colocando-os em seus devidos lugares.
Bem longe um do outro. Ainda que estivessem tão perto e íntimos que só faltava estar dentro dela. E esse pensamento recorrente o estava fazendo enlouquecer.
Antes que começasse a pensar no que poderia ter acontecido, Bruno se levantou e caminhou pra porta. Serena veio silenciosa no seu encalço.
Quando girou a maçaneta, dois homens estavam ali. Um era Renato, o outro era Diogo, seu empresário. Serena soltou um som estranho com os lábios, como se estivesse surpresa. Afinal, Renato segurava um buquê de rosas.
Diogo abriu a boca pra falar, mas logo depois a fechou. E quando abriu de novo, falou na mesma hora que Renato.
- Oi!
O empresário deu continuidade:
- Vocês estão se falando agora? – Diogo fez a indagação mais idiota possível, gesticulando entre Bruno e Renato. Depois, se virou pra Serena, os olhos astutos a perscrutando através dos óculos de grau. – E essa é quem? A moça que vai nos dar um mulequinho?
Olha aí o motivo de o querer longe.
Bruno pressionou os lábios, de repente sentindo uma vontade insana de rir. Serena pigarreou e estendeu a mão.
- Prazer, sou a Serena. E não, não sou mulher do Bruno.
-Sou Diogo. Empresário do Toro. - Diogo aceitou o cumprimento, e engatou uma pergunta pior. - Não é a mulher dele, mas a criança é, né?!
Serena estremeceu ao lado de Bruno, que instintivamente afagou o ombro dela, a puxando pra si.
- Diogo... – murmurou com um olhar de aviso.
Renato trocou o peso dos pés, parecendo irritado e ansioso. Então, como se não conseguisse mais ficar calado, disse:
- Trouxe pra você!
Diogo olhou a cena e soltou uma risadinha.
- Você trouxe flores para o Bruno, cara?! Achei que se odiassem. Quem te viu quem te vê, hein.
- Claro que não trouxe flores pra ele, babaca. – Renato ralhou. – São para Serena.
Serena pegou as flores com um sorriso amarelo, se esquivando do abraço de Bruno.
- Não estou entendendo porra nenhuma.- Diogo os avaliou consternado.
- Bom, eu já vou indo... – Serena murmurou saindo porta a fora, parando somente pra dar uma última olhada pra Bruno. – Obrigado, Renato. São lindas.
Renato deu um sorriso bobo, estendendo o braço pra Serena. Bruno sentiu vontade de vomitar, mas ainda assim ficou os observando sair e desaparecer portão a fora.
- Vamos ficar olhando Renato levando sua mulher ou vamos entrar? -Diogo perguntou encostado na porta. Bruno meneou a cabeça e deu passagem ao empresário engravatado.
- O que você quer, Diogo? – Bruno perguntou, se sentando ao lado do amigo no sofá da sala.
- Como assim? Quero saber que porra está acontecendo com você. Eu fico fora uma quinzena e você arruma um filho e uma mulher.
Diogo era um homem de meia idade rechonchudo, careca e desbocado. Contudo, da mesma maneira que não tinha papas na língua, era um bom negociador, e agora estava pleiteando um salário maior pra próxima temporada enquanto analisava propostas de outros clubes da Europa.
- Bom... – Bruno não sabia o que dizer. Diogo riu.
- O negócio parece sério, Toro.
- Não. Não é. – recuperou o controle. – Eu e Serena não estamos mais juntos.
- Ela te substituiu rapidinho então, né? Mais sagaz que minha ex.
- Diogo...
O empresário gesticulou enquanto abria a pasta e retirava alguns papéis.
- Tá um calor dos infernos.- afrouxou a gravata e ajeitou os óculos de graus no rosto suado. - Vamos ao que interessa. Nem vou comentar o fato de que você não atendeu minhas ligações e não respondeu minhas mensagens...
Diogo continuou contando acerca dos negócios, revelando que haveria grandes chances do salário aumentar. Entretanto, uma proposta de um clube da Europa havia chego, propondo muito mais dinheiro.
Eles deveriam pensar com cuidado em qual passo dariam para o crescimento e rendimento da sua carreira.
Bruno estava seguindo o raciocínio dos prós e contras da proposta. Contudo, o celular vibrou no bolso do calção dele. Era uma mensagem de Serena.
Tá tudo bem? – S
Ele soltou um meio riso, digitando uma reposta.
Eu quem deveria perguntar, não? – B
Estou bem. Apenas indo jantar com um amigo – S
Os punhos dele se fecharam subitamente. Seria a mesma amizade que ela tinha com ele?
Ótimo. Qualquer coisa, me liga. – B
- Bruno? Bruno! – Diogo tirou a atenção dele das mensagens.
- Que foi?!
- Você não escutou nada do que eu disse.
- Escutei sim.
Diogo pendeu a cabeça careca.
- Então qual foi a minha última frase?
Bruno suspirou e deu de ombros.
- Sabia! Alguma coisa está acontecendo. Você não é mais o mesmo.
Não, não era. Bruno tinha se tornado outra pessoa desde o momento em que se deparara com Serena deitada no sofá dele.
Estava desencontrado de si, completamente perdido em alguém que estava jantando com um homem que não era ele.
AAAA que capítulo giganteee. (desculpa gente, vou tentar aliviar no próximo!)
O que me dizem desse? Eu achei um amorzinho <3
Fica com a gente, que o próx cap guarda revelações... Esse jantar da Serena vai dar o que falar! E como eu sou uma fofoqueira, já revelo: Rebeca vem dar o ar da graça. E não, não é para coisas boas...
Obrigada por acompanhar esses dois <3
Não está revisado :(
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