Capítulo 1 - Bruno
Bruno se infiltrou em meio aos dois zagueiros, e esperou a bola que vinha por cima. Ele ergueu a perna direita o suficiente para dominá-la. E, prevendo que o chute deveria ser imediato, juntou força suficiente para desferi-lo, mirando instintivamente o canto da trave.
O goleiro se jogou na direção da bola, esticando as luvas para pegá-la. No entanto, a bola não só estava rápida e forte, como também quicou uma vez na frente do homem, tirando sua referência.
- GOOOOOOOOOOOOOL. – A torcida urrou.
Bruno correu na direção da nação rubro-negra. Seus colegas o seguiram, jogando-se em cima dele, em abraços suados e emocionados. Logo depois que os amigos o felicitaram, Bruno fez a comemoração que caracterizava seu nome.
Enquanto bufava, colocou os dois indicadores ao lado da testa, e com a chuteira ciscou o gramado verde natural, simulando o touro que era, assim como sua camisa exibia: Bruno Toro. Guilherme imitou um toureiro, balançando um lenço imaginário na frente dele.
Era o gol da vitória, faltando dez minutos para terminar o segundo tempo. A torcida berrava o hino do Flamengo a pleno pulmões.
Mas ainda tinha jogo.
E quando a partida recomeçou, Bruno já estava jogado a exaustão. Caiu duas vezes quando a cãibra o atingiu. Os músculos dormentes das coxas insistiam em pesar. Mas ele não desistiria. Sustentaria até o fim se preciso.
Ele retornou para marcar os zagueiros, mas um deles conseguiu ser mais rápido. Bruno esticou a perna novamente, mas dessa vez, para impedir que o homem continuasse a jogada.
Não conseguiu.
O bico de sua chuteira resvalou na lateral da bola logo depois de ralar na canela do homem. O adversário caiu no chão. Não antes de gritar e fazer uma bela cena para o juiz conceder a falta e aplicar um cartão amarelo à Bruno.
O que não seria problema, já que faltas táticas eram um instrumento importante para parar o adversário. O problema foi a dor que despontou acima da coxa direita.
- Merda! – Bruno blasfemou enquanto tombava no chão e segurava a virilha.
A dor veio aguda, e ele precisou se contorcer para aguentar. O juiz foi verificar a veracidade do seu tombo. Ele tentou dizer alguma coisa, porém tudo o que conseguiu foi xingar entredentes.
A equipe médica chegou com um carrinho, colocando-o em cima da maca e levando-o para fora do campo. Pelo gesto do treinador, iria ser substituído. Tentou contrariar o professor, no entanto, quando fez menção de se levantar, pisou em falso e caiu do lado do carrinho. A dor piorou dez vezes mais.
- RAFAEEEEL! – Ricardo, o treinador, chamou o reserva. Em um segundo, Rafa estava ao lado do professor, observando a prancheta que expunha a disposição tática do time. – Vai entrar entre o Dodô e Farley. – Ricardo coordenou, apontando a linha de três que seria a zaga.
Era óbvio que com a saída de Bruno, que era atacante, Ricardo colocaria Rafael, mais um zagueiro para cadenciar o time, e oferecer mais segurança ao resultado favorável do jogo.
Porém, se ele fosse o técnico, manteria a si mesmo, ou o substituiria por outro atacante. A melhor forma de ganhar um jogo é destruindo o adversário. Nada melhor que fazer outro gol e massacrar a esperança da outra equipe.
Os médicos colocaram uma bolsa de gelo em cima da virilha dele, gritando ordens para que Bruno segurasse contra a pele. Ordem que ele transgrediria assim que parassem de observá-lo. Odiava a forma como o gelo molhava e causava dormência.
O estádio era um caldeirão pintado de vermelho e preto. A nação berrava o característico "é campeão", num coro de vozes que entrava em seu âmago e causava ebulição.
Quando o juiz apitou o final do jogo, decretando a vitória de 1 a 0 para o Flamengo, nem o gelo que segurava na virilha foi empecilho para que corresse de volta ao campo junto com os jogadores e a equipe técnica.
-"Tu és, time de tradição, raça, amor e paixão , ó meu meeeengoo..." – A torcida gritava. Todos os pelos do corpo dele estavam eriçados.Os organizadores colocaram o pódio a fim de felicitar os ganhadores da Taça.
A emoção pareceu balançar a alma dele quando ele ergueu o troféu acima da cabeça, expondo a medalha dourada no meio do peito. Dodô e Rafa o seguraram, improvisando um pedestal. Tinha sido eleito o melhor atacante do campeonato.
Depois que estavam de volta ao vestiário, seu corpo já estava frio, e a dor pesava a cada passo dado. Tudo foi arrumado rapidamente para que o elenco retornasse ao ônibus que os levariam para o aeroporto, e depois, de volta para casa.
- Mano, vamos lá para casa do Dodô, vai ter uma socialzinha para comemorar a vitória. – Rafael estava o convidando. Ele olhou para própria perna e meneou a cabeça.
- Cara, tô quebrado. Vou para casa. – Bruno respondeu quando esticou a perna em cima da poltrona. – Mas não tem problema não, vamos marcar alguma coisa no sábado lá em casa.
Era uma quarta, então até sexta ele teria algum tempo para se recuperar.
- Beleza, então. – Rafa sentou na poltrona da frente. – Vou cobrar, hein Toro.
Em resposta, Bruno deu uma piscadela. O ônibus levou a delegação do Flamengo para o aeroporto de Joinville, onde eles pegariam a condução aérea para o Rio de Janeiro.
Não aguentava mais aquele frio cortante do sul. Foram menos de uma semana, mas ele já sentia falta do calor escaldante.
Bruno apertou o cachecol em volta do pescoço e entrou no avião, indo até a sua poltrona. Todos ainda o interrompiam para o parabenizar.
Quando a caixa de lata levantou voo, ele finalmente fechou os olhos e respirou fundo. Chegaram no Rio às 16h da tarde. A hora do desembarque era uma confusão de torcedores e fãs gritando.
- Toroooo, Toroooo ! – Eles berravam, alternando para o tradicional Mengo, e fazendo com que as vozes ecoassem por todo o aeroporto. De fato, era uma torcida magnética.
Bruno acenou para alguns. Uma multidão se fez a sua volta, erguendo papéis e canetas para que desse autógrafos. Ele riu, dando a cada um o que queriam. Um mulher foi até ele e sorriu, puxando o cachecol que ele usava. Ligeiramente abusada.
- Toro... Quero aqui, bem aqui. – Ela murmurou enquanto apontava o decote do vestido curto.
Bruno fez a sua assinatura em cima da pele macia e morena do busto dela. A mulher fez um biquinho quando ele estava indo embora. Ele piscou para ela e apontou para o decote. Num instante, a mulher voltou a sorrir. O telefone de Bruno estava assinado em seus seios.
Não demorou muito para que uma mensagem da morena desconhecida chegasse em seu celular. Ele não perguntou o nome dela, indicou somente o necessário: local e hora.
Tinha pouco menos de duas horas para chegar em casa e se encontrar com a mulher. Bruno estaria lá, e com certeza, ela também. Elas nunca se atrasavam.
Então, antes de ir para casa, ele telefonou para o porteiro e liberou a passagem de uma mulher. Depois, telefonou para a governanta e especificou o que desejaria para jantar.
Bruno pegou seu Ranger Rover e se encaminhou para o Méier. Tinha prometido que visitaria a mãe. No entanto, dirigir com a virilha contundida era um sacrifício. Cada vez que pressionava o pedal via estrelas. Um preço que teria que pagar por não ter acolhido a recomendação médica.
[...]
- Pensei que não iria vir. – A mãe o observou com os olhos semicerrados assim que abriu a porta do apartamento. Ele tentou sorrir enquanto entrava mancado no apartamento.
- Era o que eu deveria fazer. – argumentou quando Isabel o abraçou forte. Bruno deu um beijo nos cabelos tingidos de cobre da mãe.
- Mas o que foi que... – Isabel parou de falar assim que viu o filho segurando a virilha. – Você é muito teimoso. Tenho certeza que fugiu de outra recomendação médica... Só quero ver o que vai fazer quando ficar impossibilitado de jogar.
-Não vou ficar impossibilitado de jogar. – meneou a cabeça fazendo uma súplica silenciosa aos céus. Não poderia ficar sem jogar.
- Foi um belo gol. – Isabel disse quando se sentaram no sofá. – Tinha que ver como a Bia gritou aqui na sala. – A mãe se referiu a irmã dele.
- E onde ela está?
- Teve que ir buscar Miguel na casa de um coleguinha. - Isabel pegou a xícara de chá mate que estava posicionada na mesa de centro.- Seu irmão ficaria tão feliz...
- Mãe – a voz de Bruno saiu áspera. Tudo o que ele não precisa era pensar em Henrique. Porra, ele merecia um momento feliz sem lembrar do irmão falecido.
- Tudo bem, Bruno. Só estou dizendo que ele ficaria feliz por você.
Henrique não só ficaria feliz, como estaria presente no jogo. Seu irmão era uma presença constante em todos os jogos que o trabalho de fotógrafo permitia.
Mas isso não existiria mais. Nunca. Porque Henrique tinha morrido. Pela mesma doença hereditária que havia levado seu pai e o avô. E que por algum motivo insano, havia escolhido ele e Bia para serem os únicos da família a não morrer pela mesma causa.
Bruno fechou os olhos, se arrependendo amargamente de ter ido visitar a mãe e a depressão dela. A fúria que subia por sua garganta o fazia querer voltar imediatamente para casa e cancelar seu momento de lazer com a desconhecida. Mas não, respirou fundo e tentou.
- Como foi seu dia? – Ele havia prometido a Beatriz que tentaria. Essa promessa ainda o faria perder a cabeça.
- Tudo a mesma coisa. Só seu jogo foi novidade.
- Devia sair com Marília. – Ele falou da vizinha. – Ela sempre te chama pro bingo na casa de dona Patrícia.
- Não tenho vontade. – A mãe respondeu, repetindo a frase favorita dos últimos tempos. Ela nunca tinha vontade para nada.
- Então deve sair um pouco... Já sei, amanhã almoçaremos juntos. E isso não é um pedido, vou pedir que o Jorge venha te buscar.
Foi a vez da mãe menear a cabeça. Porém, Bruno não aceitaria um não. Tiraria ela daquele apartamento nem que fosse à força. Quando Izabel viu que o filho não arredaria o pé, suspirou.
- Estarei pronta às 11h e voltarei às 15h.
Bruno acenou afirmativamente com a cabeça. Amava a mãe, mas a doença dela a fazia insuportável até para a família. Lembrava a ele e a irmã do que eles perderam e pareciam prestes a perder.
- Pelo menos vai fazer algo novo. – Bruno estava feliz por ter conseguido um almoço.
- Eu estou fazendo coisas novas. – Izabel argumentou.
- É mesmo? E o que seria?
A mãe o olhou com as sobrancelhas finas arqueadas, uma expressão estranhamente sugestiva.
- Você logo irá descobrir.
- E isso é bom?
- Depende do ponto de vista, Bruno. Para mim, é ótimo.
- Então se para você é ótimo, pra mim também será.
A expressão da mãe se iluminou um pouco. As linhas de expressão desapareceram por um segundo, transparecendo aquela jovialidade que ele não via desde que seu pai falecera a três anos, e o irmão os deixara há algum meses.
- Espero que continue pensando assim... – Ela arrumou a outra xícara em cima do pires e segurou a porcelana enquanto servia o chá para o filho. – Mas então, está tudo bem? Fora seu machucado.
- Claro! Nós ganhamos, e eu fiz o gol da vitória. Não poderia estar melhor.
Izabel soltou uma risadinha baixa enquanto passava a xícara para Bruno.
- Eu tenho um filho muito arrogante.
- Não...Você tem um filho que sabe que é muito bom no que faz.
Izabel espanou a saia do vestido que usava enquanto ria. Ela foi até a cozinha, levando na mão a bandeja com o chá e as xícaras. Mal dera tempo de Bruno beber o dele. Mas já tinha dado a hora da mãe, o repórter da tarde iria começar, e aquele era o jeito dela dizer que o tempo dele acabara. Então ele levantou e foi atrás dela.
- Não... não , Bruno. Você não deve ficar andando por aí assim.
Ah, se a mãe soubesse que ele faria muito mais do que andar por aí...
- Não se preocupe, dona Izabel. Amanhã já estarei novinho em folha.
Izabel o olhou de soslaio, enquanto ensaboava as louças do café da tarde. A lavadora de pratos que ele dera estava logo ali ao lado, intocada. Talvez ela jamais tivesse usado.
- Tudo bem então. – A mãe terminou e secou as mãos finas na toalha da mesa. – Agora vai indo, preciso ver as notícias. – Ela espanou a mão para que ele se fosse. Bruno girou nos calcanhares para voltar para a porta, mas foi segurado no antebraço.
Izabel afagou a face do filho entre as mãos e lhe deu um beijo em cada bochecha.
- Como é possível que você esteja se tornando cada vez maior? São tantos músculos. – Ela dava batidinhas nos ombros dele como se não acreditasse que fosse real. Izabel meneou a cabeça. As vezes nem ele acreditava que o menino franzino que era havia virado um hulk. – Tsc, Tsc... Você parece um caderno de desenho com todas essas tatuagens... – A mãe sibilou, guiando-o para a porta.
Bruno sorriu.
- Até amanhã... - sussurrou com uma piscadela. Izabel sorriu largamente, o olhar vago e longe. Bruno franziu o cenho. – O que foi?
- Nada, meu bem. Só me lembrei de uma coisa aqui... Pode ir agora. – Ela o enxotou novamente. . Ele até perguntaria o que era, mas não queria ser assombrado por lembranças do passado, o único lugar que a mãe se permitia viver. Bruno a olhou por alguns segundos antes de se mover em direção ao elevador. – Juízo, hein! E... seja gentil – A mãe gritou antes que o elevador se fechasse.Bruno tentou entender, e quando não conseguiu, deu de ombros. Visitar a mãe era estranho e constrangedor.
Ele baixou a cabeça e olhou o relógio a fim de ver a hora. Faltava pouco para chegar em casa, e não deveria esperar muito para que a morena chegasse. Se ela já não estivesse por lá.
Bruno alisou o cabelo, arrumando-os um pouco e colocando o boné e o óculos escuro que sempre levava consigo. Quando o elevador abriu, ele mancou para fora, em direção ao estacionamento.
Enquanto dirigia com a mão esquerda, o polegar da mão direita brincava com o anel no dedo indicador, um dos modos pelo qual a sua ansiedade se expressava. Bruno chegou rápido no condomínio localizado no Recreio dos Bandeirantes.
Assim que chegou na guarita, apertou o botão do vidro, que deslizou para baixo.
- Ei, Márcio! A morena já chegou? – Ele olhou o porteiro por debaixo dos óculos escuros.
- Fala Brunão, já está lá. Como o senhor disse, ela chegou com antecedência. – O homem deu uma piscadela. - E... não foi um gol tão ruim.
- Acho que isso é um elogio, vindo de um vascaíno. – O comentário dele arrancou risadas do porteiro.Bruno acenou afirmativamente com a cabeça e seguiu para sua casa.
No entanto, assim que entrou no portão da garagem, estranhou. Por que a morena traria uma mala? Ele a tinha chamado para uma noite, não para morar em sua residência. O semblante de Bruno se fechou enquanto descia do carro e marchava para sala.
Com nenhuma cautela, abriu a porta. Observou o ambiente meio escurecido devido as cortinas fechadas. Um pequeno feixe de luz do jardim sobressaia no canto direito, onde estava o grande sofá.
Ele mancou para perto da mulher que estava deitada. Mas, para sua surpresa, a mesma tinha os olhos fechados, parecendo dormir. Ela se aninhou ainda mais entre as almofadas, repousando serenamente. Bruno franziu o cenho enquanto a observava.
O nariz aquilino, a boca carnuda, e as maçãs altas. Porém, os cabelos não eram grandes nem negros como os da morena com quem marcara. Os fios eram uma mistura de castanho e caramelo, que formavam ondulações que iam até os ombros, emoldurando ainda mais o rosto em formato de coração.
Ele colocou as mãos na cintura. Quem era aquela mulher?
Ahhhhh, me diz, o que achou? Não se esqueça de deixar seu voto, viu? Beijosss e até o próximo!
Sei que sou a autora, mas estou louca para ver esse encontro pelos olhos de Serena. E você?
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