O4 ⋆ alguns minutos de trégua.
˖ ┈─ porque agora eu me sinto tão livre
quanto os pássaros perseguindo o vento.
Algumas horas haviam se passado desde o começo da festa de Henry. O ambiente na casa era aconchegante e familiar, na medida certa. Alguns grupos de adultos estavam espalhados pelas mesas de convidados, suas crianças ou dormiam em seus colos ou brincavam no escorrega inflável que John contratou para o filho. Na grama do jardim dos fundos, os adolescentes da festa sentavam em roda para conversarem. Eram poucos, mas estavam bem animados e vez ou outra algum adulto pedia para abaixarem o tom.
O assunto que mais prevalecia na rodinha era sobre o festival que viria, todos eles parabenizando os meninos por terem conseguido se inscrever. Estelle também estava no grupo já que seu pai havia proibido ela de ficar na conversa dos adultos, querendo que a filha se enturmasse. Ela ficou quietinha com seu copo de refrigerante, respondendo quando falavam com ela. De vez em quando, Christopher atraía a atenção dos jovens para ele e seus amigos, arrancando risadas dos demais.
── Mas diz aí, vocês já sabem quantas músicas vão tocar? ── Hyunjin, primo mais velho do pequeno Henry, perguntou.
── De começo, é só uma ── Jisung respondeu, dando de ombros. ── Mas se ganharmos, teremos uma oportunidade bônus para cantarmos o que quisermos, como encerramento.
O resto da banda concordou, parecendo animados com a ideia de encerrar um festival do jeito deles.
── Eu estou muito animada para ir! Não há nada melhor do que praia e música ── uma garota bateu palmas, arrancando concordância dos colegas.
Hmpf, até parece. Estelle se segurou para não revirar os olhos e se contentou em tomar mais da bebida, virando o copo.
── Ei, Chris, por que não toca um pouco agora? ── uma garota diferente, loira, se inclinou para o Bang que estava ao seu lado, apoiando a mão no joelho dele. Estelle não sabia seu nome e no momento pouco importava. ── Todo mundo aqui curte o som de vocês.
── Pode crêr, cara! ── Felix concordou, dando um tapa nele nas costas do amigo. Christopher o olhou feio, mas concordou.
── Vou pegar meu violão.
Ele se levantou, limpando os resquícios de mato da calça cargo. Os jovens voltaram a conversar normalmente para esperar pela volta do garoto, mas ao invés dele ir direto para dentro, olhou para Estelle. Ela estava imersa nos próprios pensamentos, olhando para a um ponto do jardim distraidamente.
Ele se aproximou, mal sendo percebido pelo resto do grupo, e se abaixou, ficando rente ao ouvido da garota. Estelle deu um sobressalto leve, não o bastante para chamar a atenção de todos, apenas Christopher percebeu.
── Quer ir comigo? ── sussurrou, tomando o cuidado para que só ela escutasse.
Estelle recuperou-se do pequeno susto, suspirando. Se inclinou para frente para colocar o copo vazio no chão e então voltou para trás, se apoiando nas próprias mãos.
── Não.
Christopher deixou uma risada incrédula escapar. Esperado, mas cruel. Então olhou ao redor. Felix os encarava com certa curiosidade de maneira disfarçada, mas quando viu que fôra pego no ato, voltou para a conversa de Minho. Chris se demorou um pouco ao olhar o amigo e logo prestou atenção novamente em Estelle.
── Vamos, senhorita sabe-tudo. Vai ser rapidinho ── insistiu, sorrindo de canto. ── Não quer mostrar para o seu pai que estamos nos dando bem?
Estelle virou a cabeça para olhá-lo, desacreditada.
── Essa é mesmo a sua melhor cartada? Você jura?
Christopher deu de ombros, indiferente.
── Não deixa de ser verdade.
Inclinou a cabeça na direção de Anthony Parker e Estelle olhou para o pai. Ele conversava com John e não precisavam estar perto para saberem que a conversa só poderia ser uma coisa: filhos entrando na fase adulta. Anthony pareceu se sentir observado, então devolveu a encarada para a filha, sorrindo e acenando com a mão, antes de dar um joinha.
Chris riu, e tudo que Estelle pôde fazer foi suspirar pesado e forçar um sorriso na direção do pai. Os dois se levantaram, uma em contragosto, e entraram na casa. Christopher guiava o caminho e Estelle o seguiu de braços cruzados em uma certa distância dele. Que menino complicado. Ela nunca entenderia porque ele grudara nela como um chiclete desde que se conheceram. Se Estelle arriscasse fazer piadas em alto e bom, diria que ele já estava apaixonado por ela.
Eles subiram a escada na lateral da parede, a música infantil do andar inferior ficando mais baixa e abafada. Seguiram por um corredor com paredes neutras, com muitas portas e quadros da família. No final, Bang abriu uma porta branca e esperou Estelle entrar primeiro. Ela não o fez. Ao contrário, olhou para ele meramente desconfiada. Chris suspirou, jogando a cabeça para o lado.
── Precisa de um tapete vermelho? Uma reverência? ── Christopher ironizou, sem sair do lugar.
── Quem me garante que eu vou entrar aí para nunca mais sair? ── essa era a melhor resposta que ela conseguia pensar no momento. Imagine a pior, então. Mas o garoto riu, achando graça na desconfiança enorme dela.
── Relaxa, eu não arriscaria fazer nada com seu pai lá em baixo ── então ele se inclinou na direção dela, como se fosse contar um segredo. ── Tenho medo dele.
── O que eu não entendi é o motivo de me chamar aqui ── Estelle reforçou o aperto dos seus braços entrelaçados, buscando manter a compostura.
── Estelle, Estelle... ── Chris arfou com tédio. ── Vem logo.
Desistindo de deixá-la entrar primeiro, ele foi na frente, deixando a porta entreaberta. Estelle encarou a fresta na entrada, sua curiosidade se atiçando para saber o que tinha lá dentro. Burra. Odiando a si mesma, empurrou a porta e entrou no ambiente. Se parecia mais com uma sala de música do que com um quarto. As paredes eram de um tom de azul bonito, uma cama, um guarda-roupa, uma escrivaninha e o resto do quarto era composto dos mais diversos instrumentos. Era gigante. Christopher estava mexendo na mesinha, organizando algumas partituras espalhadas. Qual é, tinha uma garota no quarto. Tinha que estar, no mínimo, atraente aos olhos.
Estelle correu os olhos por todo o lugar, achando incrível a quantidade de pôsteres em uma só parede. Só então voltou a olhar Christopher, este que estava encostado na borda da escrivaninha alta, cruzando os braços com um enorme sorriso presunçoso no rosto. Típico.
── Curtiu?
É claro que ela curtiu. Poderia não gostar do estilo do quarto ── muito punk ──, mas conhecia e sabia tocar quase todos os instrumentos dali, e isso fazia seus dedos coçarem.
── É bem... legal ── Chris arqueou uma das sobrancelhas com o elogio vago, mas ele não se daria ao luxo de reclamar. ── Por que me trouxe aqui?
Ele deu de ombros.
Ela cruzou os braços.
── Você não parecia estar curtindo o papo dos meus amigos ── respondeu como se fosse óbvio, jogou o corpo para trás e fechou as mãos na borda da escrivaninha para se apoiar. ── Achei que ia querer dar um tempo de lá.
Isso, sim, era estranho. Estelle olhou para o corredor iluminado através da porta que ela se recusava a fechar; não escutava mais aquela gritaria dos jovens, estava silencioso, calmo. Se permitiu relaxar os ombros.
── Então você agora é meu benfeitor? Que surpresa ── sua voz vinha despejando ironia, mas era óbvio que isso não afetava o humor do garoto.
── Eu sou legal, é você que me vê como um rebelde arrogante.
Agora ela riu, quase sem abrir a boca. Um riso contido. Christopher gostou do som. Ela deu um mísero passo para frente, o salto ecoando na madeira diante o silêncio do quarto. Ainda se manteve distante dele.
── Você é um rebelde arrogante, Christopher ── alfinetou. De fato, ele era, não é?
── Pelo menos sou suportável o suficiente para você ainda não ter ido embora, certo?
Bingo. Estelle ainda estava ali, mesmo que não estivesse sendo mantida à força. Poderia ir embora quando bem entendesse, mas estava ali. Ela não respondeu e só balançou os ombros em desdém. Olhou em volta, notando o tal violão que Christopher queria pegar há alguns minutos: era marrom e estava cheio de adesivis infantis, além do nome "Henry" escrito em várias cores numa caligrafia borrada. Chris seguiu seu olhar, sorrindo minimamente.
── Sabe tocar? ── ele questionou. Ela bufou em escárnio.
── Hmpf... Claro que eu sei.
Bang usou a mão para indicar o instrumento, deixando que ela o pegasse. Meio relutante, Estelle pegou, passando a faixa preta pela cabeça e posicionando o objeto na frente de seu corpo. Seus dedos desceram pela corda rapidamente, formando uma única nota. Ela franziu o cenho, sem saber exatamente o que tocar.
Chris alongou o sorriso e então se desencostou da mesa e pegou uma das partituras que vinha anexada a letra de uma música. Arrumou todo o equipamento e colocou a espécie de tripé na frente de Estelle. Ela leu brevemente as notas que teria que tocar e começou. O som saiu baixo, como se não soubesse ao certo para onde ir e se estava fazendo certo.
Em um momento de confusão, olhou para Christopher e viu que ele já a encarava. Recebeu um aceno do maior, uma confirmou de que estava no caminho certo. Pegando um pouco mais de coragem, a música tomou forma, seguindo um ritmo desconhecido por Estelle até então. O garoto acompanhou os movimentos com atenção, gostando de ver seu som sendo tocado por ela.
── Hate to be lame but I might love you ── Christopher citou o último verso da música junto com o final das notas de Estelle. Sua voz saiu rouca. Ela olhou para ele.
── Música romântica? Você? ── retirou a faixa das costas e deixou o violão sobre a cama, se virando para ele.
── Eu não diria exatamente "romântica", mas é por aí. Pensei em chamar de Hate to be Lame ── ele colocou as mãos nos bolsos traseiros do jeans, sem tirar os olhos dela. ── O que você achou?
Com as mãos juntas na frente do corpo, ela ficou parada ao pé da cama. As feições estavam mais leves, era isso que tocar fazia com ela. Relaxava.
── Christopher Bang pedindo minha opinião? ── sorriu de canto. Estelle reparou na forma que Bang mordeu minimamente o lábio inferior ainda com um sorriso travesso. Ele balançou o corpo em desdém. ── Por mais que me doa admitir, está boa.
── Boa?
── Está bem, a música é incrível.
Ele riu e ela gostou do som. Ele não falou mais nada, ela também não. Christopher ainda encarava o rosto dela e Estelle já estava começando a ficar nervosa olhando para qualquer canto do quarto que não fosse ele. O silêncio era ensurdecedor, coisas demais a serem ditas, eles só não sabiam o quê.
Foi quando uma terceira pessoa apareceu no quarto, a mesma menina de antes. Ela segurava um pratinho de plástico com bolo de amendoim e sorria.
── Achei vocês, finalmente! Parecia que tinha ido comprar um violão novo, Chris ── falou apressadamente, reunindo a atenção dos dois. ── Sua mãe quase surtou quando cantamos o parabéns sem você, me pediu para chamar.
No mesmo minuto, Christopher sentiu-se mal. Não queria ter perdido o parabéns de seu irmão. Estelle compartilhava do mesmo sentimento.
── Valeu, Elisa. Estamos indo.
Foi a única coisa que ele respondeu. A tal Estelle assentiu e antes de sair do batente da porta, deu uma última olhada curiosa em Estelle. Já esta citada, não esperou muito e rumou para fora, querendo compensar a falta de sua presença ao pequeno Henry o mais rápido possível.
Bang olhou o caminho feito pela garota em silêncio, ainda estático no próprio lugar. Então seus olhos correram pelo violão largado por ela, suspirando alto. Chris pegou o instrumento e saiu do cômodo, rumando para o andar de baixo. Ao pegar o violão, sua mão formigou. Ele só não sacou o porquê.
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