Capítulo 8
— Você tá falando sério? — a Bia perguntou e esperou o Lourenço rir e gritar 'te peguei!'.
O olhar dele continuou firme e se ela não se sentasse imediatamente, suas pernas não iam aguentar. Ela foi até o sofá e desabou, a respiração difícil como se tivesse acabado de correr a maratona.
É um pesadelo. Só pode ser.
E ela ia acordar ao lado do Diego depois da primeira vez mais perfeita que uma mulher já teve, como ele tinha prometido. Qualquer coisa, menos aquela conversa com um desconhecido depois da pior primeira vez da história. E ela nem podia dizer se aquilo era verdade.
Porque ela não se lembrava!
— Que merda!
O Lourenço sentou do lado dela.
— Você não precisa se preocupar com AIDS, nada dessas paradas, mas você era virgem, não deve estar tomando anticoncepcional...
— Para! — Uma coisa de cada vez. Ela ia pensar naquilo depois. Seu peito estava apertado, as paredes do apartamento pareciam estar se fechando e naquele momento só o que importava era sair de lá. — Eu preciso ir.
Ela levantou e procurou a chave do carro dentro da bolsa, mas não achou.
— A chave do meu carro? Você disse que estava com você?
Ele pegou uma calça do chão e tirou a chave do bolso.
— Escuta, eu nunca vacilei assim. Você me fez esquecer tudo...
— A culpa não é minha! — a Bia gritou, e sua cabeça que tinha melhorado um pouco, voltou a latejar. — Não foi a gente que esqueceu a camisinha. Foi você! Você não podia esperar que eu fosse me preocupar com isso. A minha chave, por favor.
Ele não entregou.
— Você não pode ir embora nervosa desse jeito.
A Bia respirou fundo duas vezes e buscou um fio de calma que ela achou Deus sabe onde.
— Você disse que eu podia ir embora depois da conversa. A gente conversou. Eu quero ir embora. — Ela estendeu a mão e ele entregou a chave, relutante. — A minha sandália?
Ele apontou para o chão perto da porta e a Bia foi até lá, se apoiando na parede para calçá-las.
— Olha, Lourenço, eu entendi. Você só queria me ajudar, e, claramente, você acha que tudo o que aconteceu ontem foi culpa minha. Não se preocupa, você não vai mais me ver.
— Um filho não tá nos meus planos, mas se você estiver grávida eu não vou fugir da minha responsabilidade...
— Se eu estiver grávida, a responsabilidade é minha. — A Bia destrancou a porta. Ele veio atrás dela, mas, daquela vez, não tentou impedi-la de sair. — Eu me lembro de vir andando por minha livre e espontânea vontade. Você não me forçou a nada. E eu esqueci a camisinha. — Uma risada histérica escapou pelos seus lábios. — Pode ficar tranquilo, eu era virgem, mas eu não sou inocente, eu sei muito bem o que aconteceu aqui. Eu não tô esperando nada de você e não vou te causar mais nenhum inconveniente.
Ela parou no meio do corredor, perdida.
— Bia... — Ele tentou segurar seu braço. Ela se soltou, com força.
— A escada? — ela perguntou, não querendo escutar o carinho na voz dele, porque não era carinho, era pena e ela não precisava da pena de ninguém.
Ele apontou para uma porta de metal.
— Você pode ir de elevador, é...
A Bia não ouviu o que o elevador era porque a porta bateu com um estrondo atrás dela, enquanto ela voava escada abaixo.
Depois de se perder duas vezes, ela acabou precisando da ajuda de um jornaleiro para achar o caminho do bar. Se ela tinha ido andando para a casa do Lourenço, o carro ainda devia estar lá. Assim que acabou de agradecer ao senhor prestativo e recomeçou a andar, o celular da Bia tocou dentro da bolsa.
— O que você quer dizer com principalmente o Diego? — a Vivi atacou, antes que a Bia dissesse alô. — Onde você dormiu?
— Vivi, agora eu não posso, eu tô na rua. Só faz esse favor, eu dormi na sua casa essa noite.
— Tá tudo bem?
— Não, não tem nada, nada bem! Eu acabei de fazer a maior besteira da minha vida. — A Bia lutou para não se descontrolar outra vez. Ela tinha amarrado um cordão de isolamento em volta do cérebro para não deixar os acontecimentos da noite anterior chegarem até ele. Primeiro, ela precisava achar o carro e chegar em casa e se esconder no quarto. Aí sim, ela podia desmoronar.
— Onde você tá?
— Em Copacabana. Eu tô indo pegar meu carro pra voltar pra casa.
— Vem pra cá — a Vivi ordenou.
— O Marcelo não tá aí?
Os pais da Vivi tinham ido passar o fim de semana fora e era a primeira vez que os dois dormiam juntos.
— Tá, mas já vai embora.
A Bia escutou o protesto do namorado da Vivi.
— Eu não quero atrapalhar — a Bia disse só por obrigação, porque ela realmente precisava da prima.
— Você nunca atrapalha, mas vem bem devagar pra dar tempo de eu dar um presentinho pra ele antes de eu enxotar ele daqui.
A Vivi desligou e arrancou um sorriso da Bia. Pelo menos uma delas não era um fracasso total.
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O porteiro conhecia a Bia e a deixou entrar. Ela enfrentou os quatro lances de escada com o corpo dolorido reclamando do esforço extra.
Desde que tinha ficado presa num elevador, sozinha, quando era pequena, a Bia só usava as escadas. Seu pavor era tão grande que sua família precisou se mudar para uma casa, porque não dava para ficar subindo os doze andares do prédio onde eles moravam na época. A Bia começou a duvidar que todos os flashes que ela estava tendo sobre a noite anterior eram verdadeiros, ao ter a forte impressão de ter subido de elevador com o Lourenço. Nem chapada no último grau ela teria cometido tamanha heresia.
— Demorô. — A Vivi abriu a porta e agarrou a mão da Bia e as duas foram para o sofá. — Agora, conta todos os seus males pra tia Vivi. Eu aposto que você tá exagerando.
Ela e a Vivi nasceram primas, mas viveram amigas. Os laços familiares foram reforçados por um tipo de amizade rara, aquela que aceita sem julgar.
A Bia sabia do dia em que a Vivi aceitou o desafio das colegas de escola e roubou um batom numa loja para provar que não era covarde, e que, quando a prima desaparecia numa festa, nem sempre era por causa de um rapaz. Às vezes era para fumar um baseado, e a única coisa que a Bia fazia, era colar na prima para ter certeza que ela não ia fazer nenhuma bobagem.
A Vivi também conhecia todos os segredos da Bia. Ela era a única que sabia que a prima ainda sofria com pesadelos sobre o dia do elevador, e não importava se eram dois ou dez andares, subia as escadas junto com a Bia sem reclamar. E foi a Vivi quem ajudou a Bia a falsificar a assinatura do pai dela na única advertência que ela tinha tomado na escola, por ter fugido para matar aula numa sorveteria com os amigos.
Por isso, a Bia não precisava se censurar ao se abrir com a prima, começando com o pouco que lembrava do desfile, passando por como tinha chegado muito perto de dirigir bêbada e terminando com o lençol manchado de sangue deixado de lembrança para o Lourenço.
Quando ela terminou, a Vivi abriu a boca para falar e desistiu.
E abriu a boca e desistiu.
E na terceira vez, a Bia não aguentou.
— Se você não sabe o que dizer, é porque eu tô fodida, de verdade.
— Com certeza você tá, o seu amigo cuidou disso pra você. — A Vivi achou a voz. — É que isso é tão... Não você. Eu sempre achei que eu ia ser a mãe solteira da família.
A Bia escondeu o rosto na mão como se fosse o suficiente para fazer aquela ameaça sumir. Uma coisa de cada vez. De tudo o que o Lourenço tinha falado naquela manhã, foi naquilo que a Bia se agarrou para não travar.
— Desculpa. — A Vivi fez carinho nas costas da Bia. — É o choque, já vai passar. O mais urgente primeiro. Pílula do dia seguinte?
— Eu passei na farmácia e já tomei. — A Bia tinha morrido de vergonha com o olhar reprovador da atendente da farmácia, uma daquelas senhoras rígidas e perfeitas, que nunca tinham cometido um erro na vida.
— Ótimo. — A expressão da Vivi relaxou um pouco. — O que você vai fazer agora?
— Terminar com o Diego, óbvio.
— Não faz nada precipitado, Bia. Terminar o namoro por causa de uma bobagem que você não vai repetir? — A Vivi mordeu os lábios, e a olhou com a testa franzida. — Você podia... Assim, se fosse comigo... Você podia transar com o Diego, sem camisinha, só pra garantir...
A Bia deu um olhar tão mortal para a prima que matou a idiotice que ela estava falando.
— Tem razão — a Vivi concedeu. — Melhor não.
— Você sabe que eu não vou terminar por causa disso. Essa foi só a conclusão infeliz de uma história que estava acabada há muito tempo. E eu preciso fazer um exame de sangue. O Lourenço disse que eu não precisava me preocupar com nenhuma doença, mas eu acho melhor não confiar.
— Essa é a minha Bia. — A Vivi deu dois tapinhas no braço dela. — Claro que não pode confiar num babaca que leva mulher bêbada pra casa. Viu? Aprendeu rapidinho.
A Bia deitou a cabeça no encosto do sofá, uma exaustão enorme se abatendo sobre seus ombros. Era ridículo estar com o estômago todo apertado por pensar nas outras mulheres bêbadas que o Lourenço levava para casa. Ele trabalhava num bar, devia ser rotina. Será que ele também convidava as outras para sair no dia seguinte? Ele estava tão ansioso ao fazer o convite, como se não fosse uma coisa que ele fazia sempre.
Ela afastou os pensamentos absurdos da cabeça. Não precisava ser Freud para ver que, por causa da sua ideia romântica sobre perder a virgindade, seu subconsciente traidor estava tentando transformar o Lourenço num cara que, talvez, ela tivesse escolhido para ser seu primeiro, se as circunstâncias fossem diferentes. Mas as circunstâncias eram aquelas, péssimas, e a Vivi tinha razão, ele não passava de um aproveitador.
— Eu tenho uma teoria — a Vivi falou e a Bia se concentrou nela outra vez. — Todo mundo tem direito a fazer uma merda muito grande na vida. Uma merda tão monumental que você passa a pensar na vida como 'antes da merda' e 'depois da merda'. Você já fez a sua. Pronto. Acabou. A partir de hoje, você pode viver sem medo, sabendo que nunca vai conseguir fazer nada pior que isso.
A Bia não conseguiu segurar a gargalhada. Se havia uma pessoa que iria conseguir levantar seu moral naquele dia, essa era a Vivi, e a Bia a amou ainda mais por aquilo.
— E se eu estiver grávida? A pílula não é 100%, né? — O estômago da Bia se apertou de novo ao encarar a chance muito real de ter sua vida virada de cabeça para baixo.
— Você vai saber daqui a alguns dias. Até lá, a gente vai esquecer a palavra gravidez. Se precisar, eu vou com você na farmácia comprar o teste e a gente faz juntas. Se der positivo, a gente pensa no que vai fazer.
— Obrigada, Vivi. — A Bia segurou a mão da prima com força. A Vivi seria seu apoio, pelo menos enquanto a carga não estivesse muito pesada.
— Mas se você não estiver grávida, meu bem... — A Vivi levantou e puxou a Bia junto, balançando os braços dela, dançando no ritmo de uma música silenciosa. — Nós vamos sair, tomar um porre e dançar a noite inteira pra comemorar a sua passagem pro lado negro.
— Você tá lembrada que foi com um porre que os meus problemas começaram, não tá?
— A gente leva o Marcelo pra tomar conta da gente. O pior que pode acontecer é você acabar na cama com nós dois, mas eu não vou deixar ele esquecer a camisinha. Relaxa.
— Vivi! — A Bia deu um tapa no braço da prima.
— Você sabe que eu sempre quis experimentar, e você é bem gostosa. O Marcelo topava na hora.
A Bia olhou de boca aberta para a Vivi, porque só podia ser brincadeira, mas com ela nunca se podia ter certeza.
— Você não pode mais usar essa cara de Nossa Senhora dos Aflitos agora que não é mais virgem. — Ela puxou a Bia na direção do corredor que levava aos quartos. — Eu preciso de um banho e a gente sai pra almoçar. O Marcelo abriu meu apetite. Peraí! — A Vivi parou tão de repente que a Bia quase deu um encontrão nela. — Pelo menos você...?
Demorou alguns segundos para a Bia entender e ela levou as mãos até as bochechas queimando de vergonha, se concentrando em buscar a resposta escondida num cantinho da memória enevoada.
— Eu não sei, eu não lembro.
— Então, não. Senão você lembrava. — A Vivi recomeçou a andar. — Eu tenho tanta coisa pra te ensinar...
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