Capítulo 41
Um pijama confortável, sua cama e um livro interessante eram o fim perfeito do dia perfeito da Bia, mas claro, era bom demais para ser verdade.
Ela deu um gritinho de susto quando a porta do seu quarto abriu de repente e a Vivi entrou como um furacão.
— Não! — A Bia fechou o livro com força. — Eu te avisei que eu não vou sair!
— Hoje é sábado. — A Vivi puxou a colcha de cima da Bia. — Depois que você fizer cinquenta anos vai ter tempo de sobra pra ficar em casa no sábado à noite. E você não vai me fazer ter vindo aqui à toa, vai?
Não é que a Bia tivesse virado uma reclusa porque não podia se encontrar com o Lourenço, mas seu dia tinha sido tão especial que não merecia terminar com ela indo num lugar onde ela não estava a fim de ir.
— Você veio porque quis. — A Bia puxou a coberta para cima dela novamente.
— Anda, vai? Faz séculos que a gente não faz nada juntas, e o Marcelo descolou uma mesa na área VIP daquela boate nova que eu te falei.
— A gente saiu na semana retrasada.
— Isso foi no mês passado. — A Vivi abriu a porta do guarda-roupa da Bia e tirou dois vestidos lá de dentro. — Você quer o preto ou o vermelho?
— Que por acaso, foi na semana retrasada. — A Bia ignorou o vestido vermelho que a prima jogou em cima da cama sem esperar sua resposta. — Eu tô cansada.
— Pra mim, parece um século. — A Vivi se agachou na frente dos sapatos. — A sua mãe disse que você passou o dia todo fora. Pra sair com as suas amigas da faculdade você não fica cansada, né?
E pronto. A Vivi sabia exatamente quais botões apertar para fazê-la se sentir culpada. Se a Bia tivesse saído com as amigas da faculdade, não ia cair na chantagem da prima, mas ela tinha passado o dia com o Lourenço, que era seu ponto fraco no momento, no que dizia respeito à Vivi.
— A preta ou a prateada? — A prima segurou duas sandálias.
— A prateada machuca menos meu pé. — A Bia aceitou a derrota e levantou.
A Vivi a ajudou com a maquiagem, o cabelo e os acessórios.
— Você fica com um peitão nesse vestido — a Vivi comentou, fechando um colar com a corrente comprida, o pingente indo descansar no vão entre os seios da Bia, como se ela precisasse de mais alguma coisa para chamar a atenção do decote avantajado.
— É melhor eu trocar? — ela colocou a mão por cima do peito.
— De jeito nenhum. — A Vivi empurrou a mão dela e lhe entregou a bolsa. — Vamos.
Elas passaram na sala de televisão para dar tchau para os seus pais.
— Ganhei! — o pai da Bia disse, levantando os braços.
— Tia, tia... — A Vivi balançou a cabeça decepcionada. — A senhora devia saber que apostar contra mim, é derrota na certa.
— Eu sei, mas o Edson foi mais rápido e se eu também apostasse que você ia conseguir tirar a Bia de casa, não tinha graça. — Sua mãe riu, recebendo seu beijo enquanto a Vivi se despedia do seu pai.
— Claro que tinha, todo mundo ganha e todo mundo fica feliz.
Elas trocaram, e a Bia foi dar um beijo no pai enquanto a Vivi beijava sua mãe.
— Não tem problema. — A mãe trocou um olhar rápido com o marido, o rosto levemente vermelho. — O que a gente apostou, ninguém vai sair perdendo.
A Vivi deu uma gargalhada.
— Ah, tia Helô! Quando eu crescer, eu quero ser que nem a senhora.
Por trás do seu sorriso, a Bia pensou a mesma coisa. Quem não ia querer aquela cumplicidade e carinho?
— Juízo, vocês duas — o pai desejou.
— Sempre — a Bia respondeu.
— Nunca! — a Vivi gritou por cima dela.
Quando a Bia tentou ir para o seu carro, a Vivi não deixou.
— Pra quê? Vem comigo.
— Eu prefiro poder voltar na hora que eu quiser.
— Eu te trago a hora que você quiser. — Ela agarrou a mão da Bia, terminando com a discussão.
— Ou eu chamo um Uber. — Que era o mais provável, já que a prima sempre tentava fazer com que ela ficasse mais um pouquinho e mais um pouquinho...
— Ou isso.
— Você tá impossível hoje. — A Bia suspirou, seguindo a Vivi.
— Você ainda não viu nada.
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Lerda! Lesma! Pastel! Lesada! Idiota!
A Bia se xingou de todos os sinônimos de lenta que conseguiu pensar, assim que elas subiram as escadas que levavam à área VIP da boate e viu o Diego sentado com o Marcelo.
A Vivi tinha um plano, lógico. Para alguém que não a conhecia bem, o plano poderia parecer outra tentativa de empurrá-la para o Diego, mas a Bia foi esperta o suficiente para enxergar o verdadeiro objetivo da prima. Ela estava desconfiada e queria uma confissão. E se a Bia não ia oferecer uma espontaneamente, a Vivi não tinha problemas em forçar a barra. A Bia endireitou os ombros e se preparou para resistir até o último minuto.
— Vocês estão lindas — o Marcelo gritou por cima da música eletrônica.
— Obrigada — elas gritaram de volta.
A mesa era num cubículo, com dois pequenos sofás de cada lado. A Bia não teve alternativa a não ser se espremer perto do Diego.
— Esse sempre foi meu vestido preferido — ele falou no ouvido dela. — Você fica mais gata ainda.
A palavra gata tirou o Lourenço do segundo plano e o colocou bem na frente da cabeça da Bia. Ela tinha dito ao namorado que ia ficar em casa e, se ele não se importaria por ela ter saído, não ia gostar nada de saber quem foi sua companhia. E o Diego não estava nem tentando disfarçar o olhar grudado no seu peito.
— Você gostou do vestido ou do decote? — A Bia segurou o queixo dele e o obrigou a olhar para o seu rosto.
— Não pode ser os dois? — Ele deu uma risada baixinha.
Um garçom chegou e colocou quatro doses de vodca com gelo e duas latinhas de energético na mesa.
— Pra começar bem a noite. — A Vivi se encarregou de fazer a mistura.
— Eu não vou beber — a Bia avisou.
— Você não tá dirigindo. — A prima colocou um dos copos na frente da Bia. — Só um.
— Eu não quero. — A Bia empurrou o copo para o meio da mesa. Tudo o que não podia acontecer, era ela ficar bêbada e fazer besteira.
O Diego pegou o copo desprezado e bebeu um gole.
— Você não ficou com saudade de mim? — ele se aproximou do ouvido da Bia para fazer a pergunta.
Tudo bem que a música alta dificultava a conversa, mas ele estava se aproveitando da situação, e ela chegou um pouco mais para a ponta do sofá, se afastando dele.
— Você voltou quando?
A Bia já sabia quando ele tinha voltado da Europa, onde passou algumas semanas trabalhando, mas a pergunta a salvou de ter que responder a dele.
— A semana passada. — Ele se fez de desentendido e apoiou o braço por trás dela, no encosto, se inclinando bem perto novamente. — Eu trouxe um presente pra você. Depois a gente tem que combinar de se encontrar, pra eu te entregar.
A Bia não queria presente nenhum. A única coisa que ela queria do Diego, era distância, mas se se afastasse mais no sofá, ia cair no chão. Ela levantou o olhar e deu de cara com a Vivi, os encarando com os olhos brilhantes e um sorriso satisfeito. A Bia ia matar aquela idiota!
— Vamos dançar? — a Vivi sugeriu.
— Vamos. — A Bia aceitava qualquer sugestão para sair dali.
Só que a pista lotada foi pior. O Diego se aproveitou do pouco espaço e passou os braços pela sua cintura. Cada vez que ela tentava pôr mais distância entre eles, alguém a empurrava de volta. Aquilo não estava dando certo, e ela virou de costas, resolvida a voltar para a mesa. O Diego não desistiu e a abraçou por trás, com as duas mãos espalmadas na sua barriga. Um milímetro para cima e os polegares dele roçariam na parte de baixo dos seus seios.
— Qual é, Diego? — A Bia virou a cabeça e reclamou. — Me solta!
— Você vem me encontrar com esse vestidinho provocante e quer fazer jogo duro? — Ele a puxou para perto, não deixando nem um espacinho entre os dois.
Claro que o plano da Vivi incluía não contar ao Diego que a Bia não tinha a menor ideia que ele também estaria na boate. Ele estava achando que ela tinha se aprontado toda para ele. Antes que pudesse esclarecer o mal-entendido, ele a virou e a beijou na boca.
A Bia tentou se soltar, mas o Diego segurou um dos seus braços dobrado nas costas e agarrou seus cabelos com força. Ninguém tentou ajudá-la, para os outros, eles eram só mais um casal num beijo superquente. Quando sua mão empurrando o ombro dele não fez efeito, ela apelou e mordeu, sem pena, o lábio que a atacava. Se ele ficasse com a boca inchada e perdesse algum trabalho, bem feito!
— Que porra é essa, Bia? — Ele a soltou e passou a mão na boca.
— Eu que pergunto, seu filho da puta! — as palavras gritadas arranharam sua garganta. — Que parte você achou que eu estava gostando?
Ela se espremeu entre as pessoas dançando, subiu as escadas da área VIP correndo e foi direto para o corredor dos banheiros. Ela só percebeu que o Diego tinha vindo atrás dela, quando ele segurou seu braço e a virou.
— Eu cansei, Bia. Tá escutando? Eu cansei! — Ele a sacudiu. Ali, a música não era tão alta, mas ele gritou mesmo assim. — Eu tô cansado de correr atrás de você igual a um cachorrinho esperando você me jogar uma migalha.
— Eu nunca te pedi pra correr atrás de mim! — Ela puxou o braço com força, e tropeçou para trás quando ele a soltou. — Eu te disse que eu não queria a responsabilidade, lembra?
— E eu te disse que eu não ia desistir de você enquanto eu não precisasse. Pois eu tô desistindo. Agora! — Ele levantou as duas mãos com as palmas para a frente. — Se você quiser alguma coisa de mim, vai ser você que vai ter que vir atrás.
— Vai sonhando! — Ela deu as costas e entrou no banheiro feminino, se apoiando na bancada da pia, tremendo. — Merda!
Seus olhos se encheram de lágrimas, e ela pegou um pedaço de papel, tentando não deixar o rímel escorrer.
Nada daquilo precisava ter acontecido! Ela não precisava ter brigado e magoado o Diego. E ela ia ter que contar para o Lourenço do beijo forçado. A culpa de tudo era da manipulação da Vivi, que só pensava no que queria, sem se preocupar em como ia atingir os outros.
A porta do banheiro abriu e a Vivi entrou. Os olhos das duas se encontraram no espelho como dois pistoleiros se aprontando para um duelo.
— Qual é o seu problema? — A Vivi deu o primeiro tiro.
— O meu problema? — A Bia se virou e a encarou de frente. — Pra que essa armação, Vivi?
— Desde Friburgo você e Diego estão nesse vai, não vai. Eu resolvi dar um empurrãozinho. — A expressão dela era pura inocência.
— Eu não sei quantas vezes eu já repeti que eu não vou voltar com o Diego. Não rola mais. Acabou! Por que tanta dificuldade em aceitar?
— Você tá tão alegrinha, se não é por causa dele, só pode ter outro alguém na parada. Me diz quem é Bia, anda!
— Você sabe muito bem quem é. — A Bia levantou o queixo, cansada de se esconder.
— Eu sei. — A Vivi soltou uma risada sarcástica. — Mas eu quero ver se você vai ter coragem de admitir pra mim que você voltou com aquele babaca.
— O Lourenço não é um babaca!
— Você perdeu a porra do seu juízo, só pode ser!
— Eu sei que você não vai acreditar, mas ele parou...
— Não acredito mesmo! — a Vivi a interrompeu, gritando. — Esse não é o tipo de coisa que você entra e sai a hora que quer.
— Porque você é super entendida no assunto. — A Bia revirou os olhos.
— Eu posso não ser entendida, mas eu enxergo mais que você. Esse cara entra na parada, e você fica cega. Quando essa porra toda estourar você não vai poder culpar ninguém, só você mesma! E não vem chorar no meu ombro porque eu não quero mais saber das suas merdas.
A Vivi saiu batendo a porta e a Bia se apoiou na pia de novo, quase desabando no chão. Aquela não tinha sido sua primeira briga com a prima, mas tinha sido a mais séria. A acusação de que ela era cega quando o assunto era o Lourenço doeu, porque não era verdade. Ela enxergava muito bem tudo o que ele fazia e, justamente por ver o quanto ele tinha rearranjado sua vida por ela, é que ela não deixaria de dar aos dois todas as chances que pudesse.
O dia que a Vivi encontrasse alguém que fizesse aquilo por ela, alguém que a envolvesse numa bolha de proteção, carinho, preocupação e respeito, ela ia entender porque a Bia não podia, não queria e nunca iria desistir do Lourenço.
A porta de um dos cubículos abriu, e ela deu um pulo. Ela não tinha reparado que tinha mais alguém no banheiro.
— Liga não. — A menina cambaleou até a pia, passando as costas da mão na boca. — Ciúme puro. Abre o olho, que ela quer o seu bofe.
Se não estivesse tão consternada, a Bia teria rido da ideia absurda que era a Vivi querer o Lourenço.
A menina lavou o rosto e se atrapalhou ao girar a manivela do porta-papel. A Bia foi socorrê-la.
— Você tá precisando de ajuda? — ela ofereceu, melhor do que ninguém sabendo o que era estar bêbada e sozinha num banheiro.
— Beleza. O meu namorado tá me esperando... lá fora? — A menina girou em volta dela mesma, a testa franzida.
A Bia foi até a porta do banheiro e a segurou aberta para a menina passar. Assim que elas saíram, um rapaz se aproximou, a expressão preocupada.
— Melhorou, amor?
— Não — a menina se agarrou a ele toda dengosa. — Me leva pra casa?
— Claro. — Ele passou um braço pela cintura dela e a ajudou a andar.
A Bia suspirou, olhando os dois se afastarem.
Pena que o Diego não estivesse mais lá para aprender como se dá valor a uma namorada que você não quer perder.
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