Capítulo 35
A Bia entrou no estacionamento de um prédio comercial perto do condomínio. A maioria dos escritórios e consultórios não funcionava no sábado, e ela foi até o fundo e ocupou a última vaga, o mais longe possível dos outros poucos carros, embaixo de uma pequena árvore.
— Você não se importa de conversar aqui mesmo? Como eu te disse, eu não posso demorar. — Ela abriu os vidros para dispersar um pouco do perfume que tinha tomado o ar, seu próprio cheiro misturado com alguma coisa que era o Lourenço, e que estava fazendo a cabeça dela rodar de saudade.
A Bia soltou o cinto de segurança e se virou de lado no banco, de frente para ele, estudando o rosto cansado que a olhava de volta. O Lourenço parecia ter emagrecido, mas devia ser impressão, necessidade sua de ter uma prova de que ele tivesse sofrido tanto quanto ela com a separação.
— Beleza — ele concordou e assumiu a mesma posição que ela. — Você se vestiu assim pro seu playboy?
Foi muito, muito difícil, não sorrir, mas ela absorveu o ciúme dele como terra seca recebendo chuva depois de um estio prolongado, conseguindo manter a expressão de indiferença no rosto.
— Eu não te devo satisfações sobre pra quem eu me visto, ou não me visto — ela terminou a frase num tom desafiador.
— Justo. — Ele apertou os lábios e respirou fundo antes de continuar. — Você e a Alexa são amigas no Facebook.
Não foi uma pergunta, mas ele fez uma pausa como se esperasse alguma reação, e ela concordou com um aceno de cabeça. Ela até tinha considerado excluir a irmã dele das suas amizades e teria feito se as postagens da Alexa fossem pessoais e fizessem menções frequentes aos irmãos, mas o perfil dela era todo focado em moda e a Bia acabou deixando.
— Ela me mostrou as fotos que você postou com o seu playboy.
O Lourenço esperou e, novamente a Bia concordou, sem fazer nenhum comentário. Na verdade, foi o Diego quem postou várias fotos deles em Friburgo e marcou a Bia, que não se incomodou porque não tinha nada de mais. Ele nem mesmo tentou insinuar que havia algo entre os dois, mas apesar de as fotografias não mostrarem nada além de dois amigos, pareciam ter incomodado o Lourenço. E só por aquilo, o Diego merecia ganhar um beijo. No rosto, claro.
— Mas você não mudou o seu perfil de 'solteira'.
— Lourenço, onde você quer chegar? — Ela estava sem paciência para aquela conversa conta-gotas e queria ir direto para a parte onde ele explicava o 'eu escolho você'.
— Vocês podem não estar namorando, mas tá rolando alguma coisa? — Ele a encarou com o rosto angustiado, sem máscaras, se mostrando todo. — Porque, Bia... se vocês estiverem juntos, não tem muita razão pra gente continuar essa conversa, então, eu precisava saber...
Ele coçou a cicatriz do lado do olho e o gesto familiar, que entregava o quanto ele estava nervoso, por pouco não fez a Bia esquecer de tudo e abraçá-lo. Meu Deus, como ela sentiu falta daquele filho da puta do caralho!
— Eu não tenho nada com o Diego — ela explicou, não porque devia satisfações a ele, mas porque era a verdade e, independente do rumo daquela conversa, ela nunca foi de fazer joguinhos com ninguém. — Nós passamos uma semana de férias juntos, não por iniciativa minha, e nós nos encontramos algumas outras vezes, por acaso também, mas não rolou nada entre a gente.
O Lourenço soltou os ombros, não escondendo o alívio que sua resposta causou.
— Essa semana eu procurei o cara que me passava o bagulho e devolvi tudo. Eu avisei que eu tô fora e mudei o chip do meu celular pra não ter mais contato com ninguém que me procurava antes.
Aquilo era grande. Aquilo era enorme. E o coração da Bia disparou dentro do peito cheio de esperanças com as implicações do que ele tinha feito.
— Bia...
— Antes de você continuar, deixa eu te fazer uma pergunta — ela o interrompeu, colocando a mão no braço dele. Foi um gesto involuntário, inocente, mas o primeiro contato entre os dois depois de tanto tempo foi como um choque e ela puxou o braço de volta. O interior do carro pareceu ficar ainda menor, como se a presença dele tivesse se tornado mais real e as possibilidades tivessem ficado mais claras. Ele parecia ter sido tão afetado quanto ela, e a Bia engoliu algumas vezes antes de continuar. — O que você ia fazer seu eu dissesse que eu tinha voltado a namorar o Diego? Você ia procurar o cara e pedir tudo de volta?
— Não. — A resposta foi firme, o olhar preso no dela continuou claro e sincero. Por mais que fosse lisonjeiro pensar que ela foi a motivação do Lourenço, era muito melhor saber que ele estava se levando em consideração. — Depois que eu comecei a trabalhar com o Toninho, eu pensei que ia ser maneiro ter um bar também, algum dia. Eu gosto da noite e eu sou bom com pessoas. Mas você tá certa, não adianta nada juntar grana se eu cair na cadeia, de novo. A merda ia ser pior agora que eu não sou réu primário. Mas também foi por sua causa. Eu vou ter que dar outro jeito de seguir com meus planos, porque uma coisa que eu não quero mais, é ficar longe de você.
Alívio, saudade, orgulho pela coragem dele, felicidade por estar ouvindo palavras que ela nunca imaginou que fariam parte do seu dia quando ela tinha acordado, tudo se misturou num caldeirão dentro do seu peito e encheu seus olhos de lágrimas.
— Não chora. — Ele levantou a mão, tentativamente, e passou o dedo pelo rosto dela, colhendo uma lágrima que escorreu.
— Não. Tá tudo bem. — Ela esfregou os olhos. — Continua. Você ia falar e eu te interrompi.
— Naquele dia, na sua casa, eu me apavorei. Não é que eu não achasse que um dia alguma parada daquelas pudesse acontecer, mas eu nunca pensei que ia ser lá, no meio da sua família. Você é tão certinha, eu achei que todos os seus amigos fossem caretas. — Ele sorriu da expressão de revolta no seu rosto ao ser chamada de certinha e se inclinou para a frente. — Não o tempo todo.
A Bia colocou a mão no ombro dele e o afastou, ignorando a chuva de arrepios que aquela frase, dita na voz baixa e provocante que ela não tinha palavras para descrever como era bom escutar de novo, causou nela. Ela precisava ouvir tudo o que ele tinha a dizer, antes de tomar qualquer decisão.
— E foi porque você se apavorou que você não me escolheu? — A pergunta saiu num tom de voz amargo. Ainda doía ter sido colocada em segundo plano pela pessoa que tinha tomado posse do primeiro lugar na sua vida com tanta rapidez e segurança.
— Eu fiquei puto porque você mesma disse que usar era tão ruim como vender, mas o namorado da sua prima podia continuar lá, na sua casa, e eu não podia voltar. Você me colocou contra a parede e eu fiz o que toda pessoa normal faz, eu escolhi a outra coisa. No fundo, eu sabia que não te merecia.
— O Lourenço que escolhia o caminho mais fácil, não me merecia mesmo, mas se você realmente estiver disposto a mudar...
— Eu já mudei. Quando eu vi você naquelas fotos... a ficha caiu que era só uma questão de tempo você colocar outro no meu lugar... — Ele segurou o rosto dela com as duas mãos, colando as testas dos dois. — Me diz que essas últimas semanas foram uma merda pra você também? Que você também tinha um buraco no peito que parecia que nunca ia fechar?
— Lourenço, você não tá brincando comigo? Você largou tudo, de verdade? — A Bia queria muito acreditar nele, mas era tão difícil colocar aquele medo de lado e voltar a confiar nele... — Fácil desse jeito?
— Ao contrário do que você pensa, eu não era um traficante. Eu era só um vendedor no meio de uma porrada de outros. Um grão de areia na praia de Copacabana. Eu não vou fazer falta. — Ele encostou o nariz no dela. — Me dá outra chance? Eu prometo passar o resto da minha vida escolhendo você em tudo.
— E não vai me esconder nada de importante?
— Nunca mais. — Ele roçou os lábios nos dela.
Talvez ela devesse ter resistido, ter bancado a difícil, imposto condições, mas a verdade era que quando o assunto era o Lourenço, sua resistência não existia. Foi daquela maneira desde o início, quando ele tinha levado um copo de água para ela — que a Bia não queria, mas bebeu para agradá-lo — e não parecia prestes a mudar.
Ela segurou a nuca dele e tomou o beijo que ele estava oferecendo. Nenhum dos dois tentou esconder ou segurar as emoções. Foi entrega. Foi forte. Intenso.
A Bia o empurrou para trás, e montou no colo dele, qualquer milímetro de distância entre os dois, mais do que ela podia suportar. O Lourenço deslizou as mãos pelas suas coxas, passando pelo seu quadril, encontrando pele porque sua saia tinha subido e a bainha estava embolada quase na cintura.
— Porra, princesa! — ele grunhiu com a boca colada na dela. — Eu senti tanto a sua falta!
Ela correspondeu ao desespero dele o beijando com mais paixão, sentindo os dedos apertando sua carne, a ajudando a se mover com ele, contra ele, e qualquer pensamento racional fugiu da sua cabeça. A Bia desceu as mãos pelo peito forte, subiu a bainha da camiseta e soltou o botão do jeans que ele usava, mas foi interrompida por duas outras mãos inconvenientes.
— A gente não pode fazer isso aqui. — A voz dele saiu ofegante, e o olhar era sério e penetrante. — A gente pode ser preso.
Ela foi tomada por uma gargalhada que apareceu do nada. Seria mesmo muito irônico, ele ser preso por atentado ao pudor logo depois de ter parado de vender drogas. Ele se juntou às suas risadas, e era um som tão bonito, a felicidade dos dois misturada, que a Bia deixou de se importar com qualquer outra coisa.
— Não se a gente for rápido. — Ela enfiou o rosto no pescoço dele, respirando fundo. — Eu preciso de você, por favor...
— Bia... — ele tentou resistir, mas a Bia não queria saber de ser rejeitada com ele bem ali, no mesmo estado que ela. Agarrando uma das mãos dele, ela interrompeu a argumentação que ele estava prestes a começar.
— Sente aqui. — Ela encostou os dedos dele na parte de baixo da sua calcinha, onde seu desejo estava evidente. — Olha o que você faz comigo. Por favor, Lourenço, por favor...
— Puta, merda! — Ele deitou a cabeça no encosto, os olhos fechados com força. — Eu não tenho camisinha.
— Eu achei que você sempre ia ter uma camisinha quando estivesse perto de mim?
— Mas eu não vim aqui pra isso! — Ele abriu os olhos cheios de desejo e pesar. — Eu não queria que você achasse que eu vim aqui pra isso. Eu queria conversar. Só conversar.
A sinceridade dele ecoou dentro do carro e fez a Bia empurrar qualquer restinho de razão para longe. Eles já tinham conversado, e ela estava com tanta saudade...
— Eu tô tomando anticoncepcional. Se você me garantir que foi cuidadoso desde a nossa última vez, a gente não precisa de camisinha.
Graças à Vivi, outra que ficaria com muita raiva se soubesse como contribuiu para o que estava prestes a acontecer dentro daquele carro. Nas férias em Friburgo, a Bia disse que não ia começar a tomar o anticoncepcional — pra que, se ela não tinha mais namorado? — e a prima encheu seu saco, argumentando que quando ela voltasse a se interessar por alguém, já estaria protegida. Não que a Bia tivesse a intenção de transar com ninguém num futuro próximo, ou num impulso, como na sua primeira vez com o Lourenço, mas ela tinha mesmo comprado três cartelas do contraceptivo e concordou que era sempre melhor prevenir do que arrancar os cabelos depois.
O Lourenço desviou o olhar por cima do seu ombro, mordendo o lábio inferior. Ter a confirmação que ele tinha procurado esquecimento em outras, não era a melhor coisa do mundo, mas tinha acontecido e não havia nada que ela pudesse fazer para mudar os fatos. Adiantava menos ainda, deixar aquilo se intrometer naquele momento especial entre os dois.
— Não precisa falar nada. Só continua, se estiver tudo bem. Eu confio em você. — Ela se inclinou para a frente e sussurrou, usando seu último argumento, enquanto voltava a se rebolar no colo dele. — Imagina, eu e você, nada entre a gente.
Com um gemido, ele mesmo desceu o zíper da calça e levantou o quadril o suficiente para abaixá-la um pouco.
A Bia observou fascinada ele se acariciar uma, duas, três vezes.
— A gente já quebrou meu recorde de quantidade. — Ele afastou a frente da calcinha dela para o lado. A Bia se apoiou nos joelhos e se posicionou acima dele. — Agora a gente vai quebrar o de rapidez.
Ele a segurou pelo quadril e a abaixou de uma vez, lhe arrancando um grito. Talvez não fosse certo se sentir completa por causa de outra pessoa, era assustador ter uma parte grande da sua felicidade depositada em alguém, mas foi o que aconteceu quando o Lourenço a preencheu. Ela se sentiu inteira, plena, curada de todos as suas mágoas, inclusive o tal buraco no peito.
Com os antebraços apoiados no teto do carro, a Bia o seguiu no ritmo acelerado. Seu corpo era um fio desencapado, soltando faíscas para todos os lados e era tão bom que ela queria fazer aquilo durar para sempre, mas lá no fundinho da sua consciência ela sabia que não podia, e se prometeu mais tempo, depois. Ela fechou os olhos e se concentrou naquele ponto onde os dois eram um só e se entregou, se deixou levar pela correnteza.
Ela estava perto. Tão perto...
— Lourenço...
Como sempre, ele a entendeu quando ela mesma não tinha noção do que estava pedindo. Ele deslizou o dedo por dentro da sua calcinha e mordeu um dos mamilos por cima da sua blusa.
A Bia virou o rosto no seu próprio braço e abafou os gritos que acompanharam seu orgasmo. Alguns segundos depois, grunhindo e xingando, ele chegou no mesmo lugar que ela.
Ela desabou no peito dele, mas o Lourenço não a deixou matar a saudade do seu lugar preferido. Com as duas mãos na sua cintura, ele a ajudou a voltar para o seu banco. A Bia só teve forças para virar a cabeça de lado e observá-lo se ajeitando e fechando a calça.
— Bia, a gente tem que vazar. Nesse minuto.
Ela deu uma gargalhada.
— Lourenço, eu não consigo nem me mexer.
— Eu tô falando sério. Esse estacionamento deve ser cheio de câmera. — Ele se inclinou pela frente dela e puxou o cinto de segurança o fechando com um clique alto.
— Então eles já viram tudo o que tinha pra ver.
Ela não estava preocupada, eles nem tiraram a roupa. No máximo, eles animaram um pouco a manhã tediosa do segurança do prédio, mas a aflição do Lourenço parecia genuína, e a Bia se obrigou a ligar o carro e a tentar coordenar os movimentos das pernas, que ela não estava sentindo, pelos três pedais. Ao passar pela câmera na saída do estacionamento, a Bia soprou um beijinho e deu tchau.
— Você é louca, sabia? — O Lourenço deu uma gargalhada e um beijo na bochecha dela.
— E agora? Pra onde? — Ela o olhou de rabo de olho.
— Você não tinha um compromisso?
— Nada importante. — Ela abanou a mão entre eles. — Um ex-namorado meu. Você acredita que o otário me deixou mais de um mês sozinha?
O sinal fechou e a Bia se virou para ele, que a encarava de volta com uma expressão divertida.
— Já que ele é um otário tão grande não tem problema você dar o perdido e passar o resto do dia comigo?
Ele não precisou explicar o que ele queria dizer, a maneira que o olhar dele ardia era o suficiente para que ela entendesse, e ela estava silenciosamente planejando a rota para Copacabana quando o sinal abriu e ela arrancou.
— Tudo bem, mas a gente pode tomar café antes? — Como que concordando com ela, seu estômago roncou alto. — Eu não tive tempo de comer nada, hoje de manhã.
Ele se inclinou na sua direção e encostou a testa na lateral da sua cabeça. A Bia firmou a mão no volante para não perder o controle do carro.
— Biatriz com 'i', você pode o que você quiser — ele murmurou no ouvido dela. — Você manda e eu obedeço.
— Você não devia ter dito isso. A minha lista vai triplicar.
Ele deu uma gargalhada, mas era brincadeira, claro, porque ela não tinha nenhuma exigência a fazer. E o que ela queria, infelizmente, estava fora do alcance do Lourenço: que o dia, que antes tinha parecido impossivelmente longo, tivesse mais horas para passar do lado dele.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top