Capítulo 33

Mudança de ares e a companhia da vovó Célia e da Vivi foram o remédio perfeito para os males da Bia.

Depois de voltar para o almoço de bodas, ela deu a desculpa que o Lourenço tinha precisado ir embora por causa de uma emergência de família, e fazendo um esforço sobre-humano, ela colocou um sorriso falso no rosto para não estragar o dia especial dos pais. A Bia só desabou no final da tarde, chorando e soluçando no colo da Vivi, que não tinha resistido e repetido todos os avisos que tinha feito contra o Lourenço antes de o namoro começar. Ela precisou escutar tudo calada porque seus argumentos para defender o ex-namorado tinham se esgotado.

Ex-namorado.

Doía demais colocar aquele rótulo no Lourenço. Ter que passar a se referir a ele no passado.

Talvez imaginar 25 anos ao lado dele tivesse sido uma ambição exagerada, mas eles tinham durado pouco mais de um mês. Um nada de tempo comparado com o tamanho do desespero e da tristeza de saber que nunca mais ia vê-lo. Que nunca mais ia ter os olhos de chocolate queimando por ela, receber os beijos e as carícias, escutar a risada que sempre a fazia sorrir também, e se sentir em casa ao se deitar no peito dele.

Por que os dois tinham visões tão opostas sobre como encarar a vida? Ela preferia um Lourenço honesto e de caráter, mesmo que quebrado e sem tempo, ralando em dois empregos legítimos que pagassem um salário de merda, a um Lourenço cheios de planos que seriam realizados à custa de um pobre coitado que gastava todo o salário comprando crack.

Gostar dos bad boys era uma coisa, ser mulher de bandido era outra, para a qual ela não tinha a menor vocação.

E foi no meio das suas lamentações que a Vivi teve a melhor ideia de todas.

— Suas aulas já acabaram, né? A vovó Célia reclamou comigo que tem tempo que a gente não vai pra Friburgo. Por que a gente não vai passar as férias na casa dela?

— Só nós duas? Sem o Marcelo? — A Bia sentou na cama e secou o rosto.

— Claro que sem o Marcelo. Você acha que eu ia levar o meu namorado pra ficar esfregando na sua cara?

— Você quer dizer se esfregando com ele na minha cara. — A Bia revirou os olhos, se sentindo um pouco melhor com a perspectiva de se afastar daquela confusão toda. — Mas, desse jeito, eu topo. Será que a vovó deixa a gente comer todos os biscoitos da dispensa de novo?

— Eca! — A Vivi ficou com o rosto esverdeado com a menção da noite que ela tinha passado vomitando enquanto a Bia, que tinha comido muito mais que biscoito ela, dormiu tranquila. — Se você tá querendo se consolar, a gente leva umas garrafas de vodca e tequila. Funciona melhor que biscoito recheado.

E foi assim que, depois de justificar o fim do namoro para os pais com uma traição do Lourenço — clichê, mas que funcionou — a Bia e a Vivi subiram a serra para Nova Friburgo.

Não dava mesmo para ficar triste perto da vovó Célia, ainda mais quando ela se juntava com a Vivi. Toda vez que elas percebiam que a Bia se perdia em pensamentos ou ficava calada, inventavam montes de coisas para fazer, desde caminhadas pelos lindos e tranquilos parques da cidade até aprender a assar bolo para o café.

A Vivi, com seu eterno regime, tinha passado bravamente por uma visita à Chocolataria Suíça e deixado a Bia usar e abusar do efeito antidepressivo dos deliciosos chocolates.

A Bia retribuiu, não tão bravamente, passando outra tarde com a prima nas lojas de lingerie. Foi impossível não pensar no Lourenço a cada conjunto que a prima inspecionava e quando a vendedora mostrou um vermelho, a lembrança dele parado no meio da rua com sua calcinha e sutiã na mão foi tão devastadora, que a Bia precisou sair da loja em busca de ar.

Enquanto a Vivi voltou para casa entusiasmada com as surpresas que ia fazer para o Marcelo, a Bia voltou com um pijama de flanela simples e a certeza que iria demorar para que tornasse a sentir o prazer de vestir uma calcinha de renda só pelo brilho de admiração nos olhos de alguém.

A escuridão da noite trazia à tona todos os sentimentos que a Bia passava os dias fugindo. Depois que a avó ia dormir, as netas dividiam o sofá da sala, um cobertor e uma garrafa de vinho, que combinava mais com o frio de Friburgo, e conversam. A Vivi se revelou muito mais paciente do que a Bia tinha esperado, ouvindo seus desabafos. Talvez porque, pela primeira vez, a opinião da Bia sobre o Lourenço estava de acordo com a dela.

— Meu Deus! — a Bia exclamou numa dessas noites, passando a mão no rosto e secando as lágrimas, depois de reclamar e xingar as injustiças da vida. — Teve uma época em que eu me orgulhava de não chorar à toa. Olha pra mim agora.

— É assim mesmo. — A Vivi dividiu o restinho do vinho da garrafa entre as taças das duas. — Com o tempo tudo passa. A vontade de chorar passa. O arrependimento passa. Até essa sensação de que o mundo acabou e você nunca mais vai rir de novo, passa.

— Arrependimento? — A Bia bebeu um gole do vinho, fazendo o líquido meio seco rolar pela sua língua ao mesmo tempo em que deixava a palavra rolar pela cabeça. — Mas, eu não tô arrependida, Vivi.

A prima, que tinha acabado de encostar a borda da taça nos lábios, desfez o movimento e estreitou os olhos na sua direção.

— Você não vai voltar a defender aquele cafajeste pra mim, vai? Porque eu sou capaz de te dar uma surra.

— Não, eu não vou defender ninguém. — A Bia a tranquilizou. — Mas é verdade, eu não tô arrependida. Em toda a decisão que eu tomei, eu levei em conta o que eu sabia e o que eu achava certo naquele momento. Se deu merda, não foi culpa minha e eu prefiro usar essa experiência como uma lição, e ficar mais atenta no futuro.

— Eu não devia dizer isso, você sabe que eu nunca fui a fã número um desse seu ex-namorado. — A Vivi tomou o gole de vinho do qual tinha desistido segundos antes e continuou. — Mas eu preciso admitir, ele te deu uma força que você não tinha antes. Eu nunca te vi defender alguma coisa com tanta garra como você defendia ele. E mesmo agora, você tá sofrendo, mas é diferente.

— Eu, forte? — A Bia riu e pegou um lenço de papel e assoou o nariz. — O vinho tá embaçando seus olhos e não tá te deixando ver a minha cara inchada de chorar?

— Eu não sei explicar, Bia, é como se você estivesse mais madura, menos menina e mais mulher.

A Bia encarou a Vivi de queixo caído, o elogio aquecendo seu peito, a primeira sensação realmente boa desde o domingo em que tinha terminado com o Lourenço.

A Vivi deu uma risada, dispersando a intensidade do momento.

— Até parece que eu sei o que eu tô falando, o novo entendido em psicologia da família é o Fred. — Ela levantou e conectou o cabo do notebook na televisão. — Pronta pro filme?

— Anteontem eu sonhei que ele era um zumbi que queria arrancar meu coração ao invés do meu cérebro. Ontem eu sonhei que você tinha feito um exorcismo nele e ele tinha voltado a ser meu namorado perfeito. Hoje eu vou sonhar o quê?

— Que ele é um palhaço que mora no esgoto?

— Pode ser. — A Bia se ajeitou debaixo do cobertor para encarar a onda de sustos que ia levar.


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A última semana de férias chegou acompanhada de uma surpresa.

Elas estavam com a avó na varanda tentando aprender a fazer crochê, quer dizer, a Bia estava tentando aprender e a Vivi já tinha jogado a agulha e a linha longe, entediada, quando o carro do Marcelo parou na porta da casa.

— Eu juro que eu não tô sabendo de nada! — A Vivi olhou para a Bia com os olhos arregalados. — Eu vou falar pra ele que ele não pode ficar.

A Vivi tinha sido a amiga e companheira perfeita naqueles últimos dias, não custava nada uma retribuição à altura. Além do mais, não era realista querer que todos os outros namoros do mundo acabassem só porque o seu não tinha dado certo.

— Claro que não. — A Bia precisou sorrir com o alívio da Vivi, que levantou e correu na direção do portão. — Mas, por favor, lembra que vocês estão em público.

O sorriso divertido da Bia desapareceu quando a porta do lado do passageiro abriu. O Diego passou calmamente pelo casal se agarrando na calçada como se o resto do mundo não existisse, entrou e foi cumprimentar a dona Célia.

— Você é o louro do Natal — ela fez a brilhante observação depois de receber o aperto de mão dele e olhou para a Bia desapontada.

É, vó, eu também prefiro o moreno do almoço, mas fazer o quê?

A Bia deu de ombros.

— Fica à vontade, meu filho. — A avó se levantou. — Eu vou arrumar o café.

— O que você tá fazendo aqui? — A Bia cruzou os braços na pior recepção que conseguiu improvisar.

— Eu estava preocupado, você não respondeu nenhuma das minhas mensagens.

— O meu celular ficou no Rio. — Guardado no fundo da gaveta, que era para ela não sentir a tentação de atender aos telefonemas do Lourenço, ou pior, que ela mesma fizesse a burrada de ligar. — Agora que você viu que eu tô bem, eu vou te levar na rodoviária.

— Não. — Ele sentou na cadeira que a avó tinha desocupado e relaxou contra o encosto, apoiando o tornozelo no joelho da outra perna. — Eu tô de folga essa semana e o Marcelo me convidou pra ficar.

— A semana toda? — A Bia se desanimou.

O Marcelo além de destruidor dos namoros alheios era muito folgado mesmo. Tudo bem que ficar ressentida com ele pelo que aconteceu com o Lourenço era igual a ficar com raiva de um bebê que bate com o chocalho na sua testa ou brava com um cachorro que te arranha pulando de felicidade quando te vê, mas ela não estava conseguindo evitar. Mas ele ia e convidava o Diego para passar a semana numa casa que nem era dele? Só podia ser implicância com ela.

— A semana toda — o Diego confirmou. — Algum problema?

— Não, imagina. A casa é sua. — A Bia se levantou. — Já que você vai ficar, quem vai embora sou eu.

— Bia. — O Diego ficou de pé também e segurou seu ombro. — Eu sei que eu não fui legal com você nas últimas vezes que a gente se viu, me desculpa?

Ele queria dizer no bar, quando ele tinha tentado causar problemas com o Lourenço e no aniversário do Marcelo quando ele tinha tentado jogá-la contra a Vivi. Apesar de ter mais de um mês, ele estava certo, ele não tinha sido legal e a raiva da Bia não tinha passado.

— Eu estava chateado porque eu ainda achava que tinha alguma chance de a gente voltar — ele continuou. — Mas eu já entendi que não tem jeito. Eu trabalhei feito um louco esse último mês e tô precisando de um lugar tranquilo pra recarregar as energias. A gente não pode fazer uma trégua?

— Uma trégua? — A Bia virou a cabeça de lado, porque ela conhecia o Diego. Não seria a primeira vez que ele fazia cara de inocente para dar o bote quando ela menos esperava.

— Eu prometo me comportar. — Ele inclinou a cabeça na direção da Vivi e do Marcelo se pegando no portão. — E você tem certeza que quer ficar sozinha com aquilo ali?

— Tá certo. — A Bia concordou com um suspiro. — Mas um escorregão que seja e eu te levo na rodoviária.

—Tranquilo.

No fim, a presença do Diego não foi tão ruim. Ele cumpriu a palavra e manteve a distância e se ela não podia dizer que estava se divertindo, pelo menos com o esforço de não deixar sua depressão estragar os passeios e as saídas à noite, a Bia conseguiu manter o humor num nível aceitável.

Na sexta-feira, depois do almoço, quando a avó saiu para seu jogo de cartas e chá semanal com as amigas, a Vivi e o Marcelo não perderam tempo em se trancar no quarto.

— Você conhece Lumiar? — a Bia perguntou ao Diego, num impulso.

— Não — ele respondeu com a mesma indisposição que ela de ficar ali ouvindo as risadas e os gemidos que começaram logo depois. — E se for pra vazar daqui, eu topo ir até pro inferno.

A Bia pegou a chave do carro da Vivi e os dois passaram uma tarde super agradável passeando pelas trilhas e cachoeiras de um dos lugares mais bonitos do mundo. O Diego até conseguiu arranhar sua convicção de que, mesmo sendo homem, os dois poderiam ser amigos.

Ele foi uma ótima companhia, fez a Bia rir com algumas histórias de trabalho, respeitou os silêncios pensativos em que ela viaja para longe dentro dela mesma e só tentou segurar sua mão em algum pedaço difícil da caminhada, soltando quando ela não precisava mais de apoio.

No domingo, eles se despediram de uma dona Célia chorosa, prometendo voltar no verão para aproveitar os banhos de cachoeira que eles não puderam tomar em julho. O Marcelo foi com a Vivi, deixando o carro dele para o Diego e a Bia.

Assim que eles pegaram a estrada, uma sensação ruim envolveu a Bia.

Era como quando uma pessoa morre. Depois do primeiro choque, você passa pelo velório e enterro anestesiado, como se tudo fosse um sonho, mas na volta à rotina, nos detalhes do dia a dia era que você sentia, pela primeira vez, a dor da perda. As semanas em Friburgo tinham sido o velório e o enterro do namoro com o Lourenço, e ela não se sentia preparada para enfrentar o que a esperava no Rio.

No dia seguinte, ela iria sentir falta da ligação que recebia quando ele estava indo da academia para o bar. Durante a noite, ela ia lutar para não pensar se ele tinha voltado ao velho hábito de levar mulheres para casa, porque é claro que sim. Óbvio que ele tentaria apagar as lembranças da Bia com sexo. Ele era homem. É isso o que eles fazem.

O Diego tentou puxar papo com ela algumas vezes, mas a deixou quieta quando ela não fez questão de responder com mais que monossílabos. A Bia acabou cochilando e só acordou na porta de casa.

— Bia... — ele começou, ao pousar a mala dela na calçada.

Naquela palavrinha e na esperança com que ele levantou os olhos para ela, a Bia viu que ele ia tentar de novo. E ela não queria escutar.

— Obrigada por tudo. —Ela ficou na ponta dos pés e deu dois beijinhos nele. — Pela companhia essa semana, pela carona e, principalmente, por estar respeitando a nossa 'trégua'.

Ela soltou um suspiro frustrado e massageou a nuca.

— Tudo bem. Mas se você quiser conversar, ou qualquer outra coisa, me liga.

— Eu ligo, obrigada.

Mas ela não ia ligar.

O oferecimento não era desinteressado, e se ela continuasse a aceitar as atenções dele, estaria alimentando a falsa impressão de que o relacionamento deles podia voltar a ser como antes, quando seu coração ainda estava longe de estar pronto para recomeçar, nem com ele, nem com ninguém.

A Bia precisava de tempo para ficar de luto pela morte do seu namoro e cicatrizar a falta que o Lourenço fazia.

E tempo era o que ela iria se dar. 

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