Capítulo 19
Na volta do almoço com o Fred, a Bia ligou para a Vivi e contou todos os detalhes do acontecido com o Lourenço na noite anterior.
— E o que você vai fazer? — ela perguntou.
— Esquecer que ele existe — a Bia afirmou com toda a segurança que conseguiu colocar na voz.
— Até que enfim você tomou juízo! Que tal um cinema? Deve ter algum filme de terror passando.
Aquela era a solução da Vivi nas ocasiões em que a Bia precisava se distrair. Sua prima sabia que os filmes de terror a perturbavam tanto, que ela se tornava incapaz de pensar em outra coisa que não fosse as imagens horríveis criadas por Hollywood para pessoas impressionáveis como ela.
A tentação de aceitar o convite foi enorme. Ter pesadelos com rios de sangue ou possessões demoníacas dava de mil a zero em sonhar com um certo moreno que estava fora da sua vida de vez, além de ser a desculpa perfeita para escapar da conversa com o Diego, mas a Bia foi forte e recusou.
Mesmo que o beijo de despedida tivesse deixado evidente sobre o que o Diego queria falar, e também que ela não sentia mais nada por ele, a Bia tinha prometido escutá-lo e não ia fugir pela segunda vez. Atitude que ganhou apoio total da Vivi ao ouvir os acontecimentos da segunda parte da sua noite.
A Bia estava concentrada no computador, adiantando um trabalho da faculdade, quando a leve batida na madeira a interrompeu. A porta estava aberta, mas o Diego esperava do lado de fora.
— Pode entrar. — Ela salvou o arquivo e olhou a hora, seis e meia, antes de fechar o notebook. — Trabalhando até agora?
— Ahã. — O Diego estendeu uma bolsinha de papel para ela. — Eles deram de presente pras meninas, eu peguei uma pra você.
A bolsa estava cheia de amostras de cosméticos da M.A.C.
— Uau, obrigada. — A Bia abriu um batom rosa escuro e testou nas costas da mão. — Aposto que elas gostaram mais do brinde que do cachê.
— Ser modelo tem suas vantagens.
— Eu nunca disse que não tinha. — Ela tampou o batom e o colocou na mesa.
Se eles ainda namorassem, aquele seria o começo de uma nova discussão. Ela sempre na defensiva com os comentários dele sobre o trabalho, e ele se achando o incompreendido, mas eles não eram mais nada um do outro e faltou incentivo para o assunto ir à frente.
— Vamos dar uma volta? — ele convidou. — Pra gente conversar?
— Eu preferia conversar aqui, se você não se importa.
— Tudo bem pra mim. — Ele pegou a mão dela e a levou até a cama, único lugar onde os dois podiam se sentar.
O Diego foi direto ao assunto.
— Naquele dia que você terminou comigo, eu fui pra casa com tanta raiva de você, Bia, porque do jeito que você falou, pareceu tudo culpa minha, e não foi.
— Não interessa quem tem culpa do quê, Diego. O que interessa é que acabou, e se é sobre isso que você quer falar, é perda de tempo.
Ela tentou levantar, mas ele a impediu, segurando seu ombro.
— Esse trabalho de modelo caiu no meu colo, e eu até podia dizer que eu tô fazendo só por causa da grana, mas não é verdade. Eu tô conhecendo uma porção de gente bacana, indo a lugares que eu nunca teria oportunidade de frequentar, e você só fazia reclamar que eu não tinha tempo pra você.
— Talvez eu não reclamasse tanto se, pelo menos, algumas das suas horas de folga fossem minhas. Depois que você começou a trabalhar, a gente nunca mais foi num cinema, ou jantar, só nós dois. Uma festa igual a de ontem, com os seus amigos antigos, então? Nem pensar.
— Eu sei, e precisou você terminar comigo pra eu enxergar que eu estava deslumbrado. — Ele segurou a mão da Bia entre as dele. — Foi tão engraçado eu te encontrar ontem, porque eu fui naquela festa por sua causa. Não porque eu achei que você ia estar lá, mas porque você me fez ver que não foi só de você que eu me afastei. Agora, de tudo o que eu fiz, tem uma coisa que foi imperdoável, mas eu queria pedir desculpas assim mesmo. Eu não devia ter deixado você ir embora sozinha daquele desfile, não interessa se você estava bêbada ou passando mal.
A Bia se soltou e passou as duas mãos pelo rosto.
— Diego, você não tem ideia de como tudo ia ser diferente se você tivesse ido me ajudar.
— Você não ia ter terminado comigo. — Ele balançou a cabeça, triste.
— Não, eu acho que isso ia acontecer de qualquer jeito, mas talvez essa conversa pudesse consertar as coisas.
— Não diz isso, vai. A gente ainda pode consertar as coisas. — Ele se aproximou mais. — Eu te falei do Cláudio, o cara que eu conheci no desfile. Ele e a Vera estão me ajudando a selecionar melhor os trabalhos. Eu até consegui voltar pro cursinho.
— Que bom, eu fico feliz por você. — Não foi um encorajamento dito por dizer. A Bia realmente torcia para que tudo desse certo para ele.
— Agora me diz, que graça tem morrer de trabalhar e estudar, se eu não posso dividir com você?
— Diego, não faz assim. — Sem dar tempo para que ele a impedisse outra vez, ela se levantou, colocando vários passos de distância entre eles.
— Bia, eu não posso garantir que vai ser como era antes de eu começar a trabalhar, a gente vai continuar a ter pouco tempo, mas esse tempo vai ser só nosso, isso eu te prometo. — Ele foi atrás dela e tentou abraçá-la, mas ela se esquivou.
— Eu sinto muito, mas as coisas mudaram.
— Eu sei, você se envolveu com alguém, mas, pelo que eu vi ontem, não deu certo. A gente deixa isso pra trás.
— Não, não dá. Acredita em mim. — A Bia estava tentando não perder a paciência, ele não merecia, mas aquela incapacidade de aceitar suas recusas estava começando a ficar irritante.
— Me escuta. — Ele a segurou pelos ombros. — Eu não tenho vergonha de admitir que eu precisei te perder pra perceber como eu gosto de você. Bia...
— Não! — Ela colocou os dedos nos lábios dele. — Não fala mais nada, você vai se arrepender.
Ele retirou sua mão com carinho e beijou os dedos, antes de abaixá-la.
— Eu não vou me arrepender. É verdade, eu sou louco por você, e eu sei que você também gosta pelo menos um pouquinho de mim. Vamos tentar de novo? Não é possível que você tenha esquecido como a gente era bom juntos...
— Para, por favor — ela o interrompeu, a angústia formando um bolo na sua garganta.
Seria tão mais simples se ela pudesse se jogar nos braços dele e voltar a sonhar com o seu final feliz. O Fred tinha razão, o Diego era um cara legal que tinha errado com ela, sim, mas estava ali, reconhecendo suas falhas, arrependido e disposto a mudar. Se seu coração fosse obediente, ela não precisaria magoá-lo e poderia dar a ele a segunda chance que ele estava pedindo, mas se fizesse aquilo, ela estaria enganando a si mesma tanto quanto a ele.
— Diego, eu não sou mais a mesma pessoa, a gente não pode simplesmente recomeçar como se esse mês não tivesse acontecido.
— Claro que você ainda é a minha Bia. — Ele passou a mão pelo rosto dela, com suavidade. — E eu ainda sou o mesmo, a sua pessoa certa, lembra?
O coração da Bia se partiu. Aquela ilusão que ele tinha criado de que havia algo a ser recuperado entre eles, era culpa dela. Tudo porque ela não foi corajosa em assumir suas próprias falhas.
Ela foi até a porta e a fechou. O Diego arregalou os olhos porque conhecia a regra, amigo, ou namorado, no quarto, só com a porta aberta, mas a Bia preferia o castigo pela porta fechada a correr o risco de alguém mais escutar o que ela ia dizer.
Ele tinha razão, a culpa do fim do namoro não era toda dele e, o mínimo que ela poderia fazer, era ser honesta em admitir sua desonestidade.
— Senta aqui. — A Bia voltou para a cama e esperou que ele se juntasse a ela. — Me desculpa, por não ter contado antes. Você não teria falado nada disso, se soubesse que eu te traí. — O choque no rosto dele quase a fez parar, mas ela respirou fundo e foi em frente. — No dia do desfile, eu fui pra casa de um cara que eu nunca tinha visto na vida e a gente transou.
Ele demorou alguns segundos absorvendo todas aquelas informações.
— Então, foi por isso que a Vivi falou aquilo ontem? Porque, Bia, você estava bêbada e esse babaca se aproveitou de você.
— Não foi só uma vez, eu voltei depois, quando eu sabia muito bem o que eu estava fazendo. E ontem à noite, talvez tivesse acontecido de novo.
— Mas alguma coisa deu errado. — A voz dele soou monótona, sem entusiasmo.
— Deu, mas não interessa. — Lembrar da decepção com o Lourenço e saber que ela estava causando o mesmo mal ao Diego, encheu seus olhos de lágrimas, mas ela as limpou antes que caíssem. — Eu não tô te contando por maldade, mas vai ser mais fácil você me esquecer, se você puder me odiar.
— Eu não te odeio, vem cá. — Ele a puxou para ele e daquela vez a Bia se deixou abraçar. — Você não me traiu. Você nunca ia fazer um absurdo desses comigo no seu estado normal, e eu tenho uma parcela de culpa pra carregar. Você mesma disse, se eu tivesse ido te ajudar tudo seria diferente.
Ele deu um beijo na sua cabeça.
— Diego, você não me escutou dizer que eu voltei lá depois?
— Eu sei, mas eu não posso te cobrar uma coisa que aconteceu enquanto a gente estava separado. Eu também não fui um santo, e a Simone não foi a única. — Ele se afastou e segurou o rosto dela com as duas mãos. — Quando eu te conheci, eu não achei que eu ia ser o seu primeiro, eu só valorizei a sua virgindade porque era importante pra você. Eu não me importo.
— Pelo amor de Deus, Diego! Para de ser tão bonzinho. Eu te traí! Me xinga, me chama de vagabunda, piriguete, qualquer coisa.
— Deixa de ser babaca, Bia, eu não vou te xingar de nada. — Ele a abraçou de novo, e a Bia deu uma risada fraquinha. — Eu adoro você e quero você de volta e não me arrependo de ter falado. Nem isso, nem nenhuma das outras coisas.
— Você não existe, sabia? — A Bia chegou para trás e passou a mão pelo rosto macio, os olhos verdes a fitavam de volta mais brilhantes do que nunca. — E eu odeio te dizer isso, mas eu preciso ficar um tempo sozinha. Eu preciso tentar entender porque esse cara mexeu tanto comigo.
— Tudo bem, eu espero. — Ele retribuiu o carinho.
— Diego! Você não vai me esperar, eu não quero essa responsabilidade.
— Não é uma responsabilidade. Põe uma coisa na sua cabeça, eu não vou desistir de você enquanto eu realmente não precisar. — Ele deu um beijo demorado na testa dela. — Agora, é melhor eu ir. Antes que a sua mãe descubra a porta fechada e me proíba de voltar aqui.
— Eu vou calçar um sapato pra te levar em casa.
— Não precisa, eu chamo um Uber. — Ele abriu a porta sem fazer barulho e se virou, sorrindo. — Eu te ligo, sem compromisso, pra saber se tá tudo bem.
— Tá bom — a Bia concordou, devolvendo o sorriso. Ela não podia se negar depois de tudo o que tinha acabado de acontecer.
Depois que ele foi embora, ela deitou e abraçou suas almofadas.
Tantas meninas beijavam tantos sapos até encontrar um príncipe. A Bia não precisava, ela já tinha um, de verdade, disposto a lutar por ela.
O que não a impediu de beijar seu próprio sapo.
O pior era que o sapo era tão irresistível que ela nem se importaria se ele continuasse sendo sapo para sempre. Desde que ele não aceitasse outros beijos, claro.
Uma condição tão simples para uns, e completamente impossível para outros.
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