Capítulo 17

Eram mais de três da manhã e a festa ainda estava a toda quando a Bia voltou.

Sua intenção ao deixar Copacabana foi de seguir direto para casa, mas ela mudou de ideia no meio do caminho. Já que era para escutar um 'eu te disse' da Vivi, que fosse logo, e qualquer coisa era melhor que ficar se revirando cheia de mágoa e raiva na cama. Ou ela extravasava de alguma maneira, ou iria explodir.

A Bia se aproximou da mesma mesa de onde tinha se levantado num estado de espírito tão diferente, não muito tempo antes, com a pequena esperança de que a prima percebesse que o que ela precisava, de verdade, era de apoio e carinho.

Felizmente, foi o que aconteceu. A Vivi lhe recebeu com um abraço apertado.

— Eu não ia me importar de estar errada.

Aquilo vindo da Vivi era uma admissão e tanto. Talvez fosse culpa da quantidade de álcool embaçando o cérebro dela, mas quem era a Bia para reclamar?

— Obrigada. — A Bia retribuiu o abraço.

— Ele não quis vir?

— Pior, mas depois eu te conto. Agora, eu quero fazer um brinde.

As duas sentaram e a Bia pegou dois copos pequenos e uma garrafa de tequila. Ela encheu os dois até quase transbordar, sem se importar por eles estarem usados, e entregou um para a Vivi.

— Um brinde à minha prima amada, que tá sempre certa. Daqui pra frente eu só vou fazer o que ela mandar.

Elas encostaram os copos um no outro e viraram. A tequila desceu queimando, mas a Bia conseguiu não tossir.

— Você gravou isso? — A Vivi se virou para o Marcelo. — Amanhã eu vou ter esquecido.

— Eu te lembro, pode deixar. — O Marcelo deu um beijo na testa da namorada.

— Você voltou. — O Diego sentou do lado da Bia. — Levou um fora?

E o que havia de errado com as meninas daquela festa que nenhuma delas tinha feito o favor de se agarrar com o Diego num cantinho escuro, de preferência bem longe da Bia?

— Continua não sendo da sua conta, mas não, eu não levei um fora. Eu dei um fora, porque eu tô cansada de homem babaca e cafajeste na minha vida.

— Devia ter ficado comigo, então. — Ele deu uma risada.

— Você é um santo, mesmo. Aliás, é tudo culpa sua! Meninas, os copos.

A Bia encheu de tequila os copos de todas as mulheres da mesa.

— Um brinde a nós que temos que aguentar esses babacas, cafajestes e idiotas!

Depois de brindarem, elas viraram.

— Pena que a gente não consegue viver sem eles — uma das meninas lamentou.

— Eu consigo! — A Bia bateu o copo na mesa com força. — Vivi, você deve ter alguma amiga pra me apresentar?

Ela ignorou a risada do Diego.

— A Bebel! — A Vivi agarrou o braço da Bia. — Aquele dia que você foi almoçar comigo na faculdade ela não tirou os olhos de você. Eu até te falei, lembra?

— Eu tenho certeza que eu e a Bebel vamos nos dar super bem. — A Bia tornou a encher o copinho, mas antes que ela bebesse o Diego tomou da sua mão e despejou a tequila no chão.

— Chega.

A Bia se virou para pegar a garrafa de novo porque ela não precisava fazer o que o Diego mandava, mas o Marcelo já tinha entregado para um rapaz sentado na outra ponta de mesa.

— Só mais uma. — A Bia fez sinal para o rapaz devolver a tequila, mas o Diego fez não com o dedo e o banana obedeceu a ele.

— Depois. Agora a gente vai dançar. — Ele segurou a mão dela e tentou puxá-la, mas a Bia resistiu.

— Eu não quero dançar com você!

— Você é muito fraca pra bebida e tomou duas tequilas, uma atrás da outra. Se ficar sentada, vai subir de uma vez.

— É isso que eu quero. — A Bia fechou os olhos e jogou a cabeça para trás. — Que suba de uma vez.

— Você não pode mais pensar essas bobagens. — A voz da Vivi flutuou do lado dela. A tequila começava a fazer seu estrago. — A Bebel não tem nada que sobe.

As duas caíram na gargalhada.

— Eu quero dançar com a Vivi. — A Bia ficou de pé e estendeu a mão para a prima. — Vamos?

Elas foram para perto do som, onde algumas outras pessoas dançavam. Que o Marcelo ia junto, era certeza, mas será que o Diego não ia se tocar que ela queria distância dele?

Com o corpo relaxado e levemente tonta, a Bia absorveu a batida da música, que parecia pulsar dentro dela, e com o álcool correndo nas veias, uma vida inteira sem ver o Lourenço deixou de parecer uma tragédia.

Enquanto houvesse música e tequila no mundo, tudo ficaria bem.

Quando a Vivi reclamou dos pés doloridos e voltou para a mesa com o Marcelo, a Bia não se importou de continuar a dançar com o Diego, mas quando ele tentou passar o braço pela sua cintura, ela pôs a mão no peito dele.

— Não. Só dançar.

— Só dançar — ele aceitou, dando um passo para trás.

Se ele queira ficar com ela, devia tê-la deixado tomar a terceira dose.

E a quarta. E a quinta...

A Vivi e o Marcelo voltaram logo depois.

— Eu vou levar a Vivi embora —o Marcelo falou, com a namorada totalmente apoiada nele. Ela estava tão mal que não conseguia nem ficar em pé sozinha.

— Me dá uma carona? — a Bia pediu.

Dançar tinha mesmo afastado um pouco da sua tontura, mas em nome da promessa que tinha feito a si mesma de tomar decisões mais responsáveis, era melhor não dirigir.

— Eu te deixo em casa, sem problema — o Marcelo concordou.

— Você não tá de carro? — O Diego segurou o braço da Bia, que assentiu. — Eu tô sem carona, por que a gente não faz como antes? Eu te levo, fico com o seu carro e amanhã eu te devolvo. E eu não bebi nada, eu juro.

A Bia o olhou de lado, tentando descobrir na expressão inocente do rosto do ex-namorado se aquela era uma oferta com uma dose escondida de segundas intenções.

— Eu tô me comportando, não tô? — ele insistiu. — Assim, eu não preciso me preocupar com um táxi a essa hora e nem você, em voltar pra buscar seu carro amanhã.

— Tudo bem, mas sem gracinha. — A Bia apontou o dedo para ele.

— Sem gracinha — o Diego prometeu.

— Acho bom! — A voz da Vivi saiu enrolada. — A Bia não tá precisando de outro cara pra tirar vantagem dela enquanto ela tá bêbada!

— Vamos. — O Marcelo levou a Vivi, graças a Deus, antes que ela falasse mais besteira.

— Por que outro cara? Quem tirou vantagem de você? — O Diego não deixou o comentário passar em branco.

— Ninguém. A Vivi tá chapada. — A Bia disfarçou. — A gente pode ir também?

— Claro.

Eles se despediram dos outros convidados, que tentaram convencê-los a ficar para assistir ao nascer do sol na praia, e receberam uma vaia coletiva ao se recusarem. Ela e o Diego andaram até o carro em silêncio. A Bia entregou a chave para ele, que a ajudou a entrar e a fechar o cinto.

— Você não sente saudades disso? — o Diego perguntou alguns minutos depois de colocar o carro em movimento. Ele baixou os vidros, por onde o ar fresco da madrugada entrou, e ligou o som que começou a tocar uma música suave e baixinha.

Ele tentou segurar a mão dela, mas a Bia cruzou os braços. Era verdade que uma das coisas que ela mais gostava do tempo em que os dois namoravam, era da conversa e das brincadeiras na calma da volta para casa depois de uma noite agitada. Mas aquilo era antes.

— Isso já não acontecia há muito tempo. — Ela resolveu mudar de assunto. — Você ainda não ganhou dinheiro pra comprar um carro?

Ele apertou o volante com força, frustrado por ela estar forçando a distância entre eles, mas se ele esperava que a carona fosse se tornar uma volta ao passado, estava muito enganado.

— Os meus pais estão atolados em dívidas. Eu tô ajudando eles, primeiro.

Droga! Por que ele precisava ser tão bonzinho? O gesto dele era quase tão generoso quanto alimentar um morador de rua. Quase.

A casa da Bia era perto e eles não demoraram a chegar. Ela desceu antes que ele resolvesse estender a sessão nostalgia aos tempos em que eles se aproveitavam das ruas desertas do condomínio onde ela morava, para se despedirem na privacidade dos vidros escuros do carro.

— Você quer que eu te ajude a subir? — ele ofereceu, depois de destrancar a porta de casa para ela.

— Eu não tô tão bêbada assim.

— Amanhã eu tenho um trabalho logo depois do almoço, tem problema se eu devolver o seu carro no final da tarde?

— Pode ser. Eu não vou precisar dele.

Ele se aproximou, devagar, a encostando no batente da porta.

— Diego, você disse sem gracinha.

— Não é gracinha, é só um beijo de boa noite.

Ela aceitou o beijo não porque ainda sentia alguma coisa por ele, mas sim porque queria muito ainda sentir alguma coisa por ele. O beijo foi gostoso, ele sempre beijou bem, mas nenhum arrepio desceu pela sua coluna e as borboletas não se deram ao trabalho de acordar, e a Bia o empurrou.

— Por favor, Diego.

— Eu não sei o que o babaca fez pra te deixar com tanta raiva, mas eu fico feliz por você ter dado o fora nele. — Ele passou a mão pelos cabelos dela, terminando com um carinho no rosto. — Quando eu vier amanhã, eu quero conversar com você.

— Esse beijo não muda nada. — A Bia não queria magoá-lo, mas também não ia dar falsas esperanças.

— Eu sei, mas eu tenho uma coisa pra te falar. Você não vai se negar a me ouvir, vai?

— Tudo bem — a Bia concedeu em respeito aos seis meses de namoro.

— Até amanhã — ele se despediu, com um sorriso e um brilho no olhar.

A Bia foi direto para o banheiro, tirou a roupa e entrou debaixo do chuveiro. Só então, com a água morna e a maquiagem escorrendo pelo rosto, ela se permitiu chorar todas as lágrimas que estavam presas desde que tinha deixado o Lourenço para trás.

Ao contrário do que ela disse para o Diego, a culpa não era dele, nem de ninguém. Só dela. Não houve mentira, nem enganação, nem falsas promessas. Somente inexperiência e uma incrível habilidade para enganar a si mesma e acreditar que ela se contentaria apenas com sexo.

Por que o Lourenço não era como o Diego, que se importava com ela? Ou melhor, por que o beijo do ex-namorado não tinha despertado nenhuma das emoções de antes? Como o Lourenço dizimou tudo o que ela sentia pelo Diego em tão pouco tempo?

A Bia encostou a cabeça na parede, soluçando. Como ela podia estar consternada daquele jeito por alguém só por causa de sexo? A Vivi afirmou que sexo ficava ainda melhor quando envolvia sentimento. Não tinha como ser melhor do que foi com o Lourenço, isso significava que a Bia tinha algum tipo de sentimento por ele?

Amor à primeira vista só acontecia em livros de romance, mas o que ela sentia ia além de mera atração física, senão ela não estaria morrendo como se alguém arrancasse seu coração do peito ao imaginar o Lourenço transando com outra menina na mesma cama em que eles tinham passado aquela tarde tão especial.

— Chega! — A Bia enfiou a cabeça debaixo do jato do chuveiro e deixou a água lavar as últimas lágrimas. As últimas que ela chorava pelo Lourenço.

Ele provavelmente estava dormindo, indiferente ao sofrimento que tinha causado nela, ou pior, devia ter voltado para o bar e já estava se divertindo com outra. E depois outra. E quantas mais ele quisesse, mas nenhuma delas seria a Bia.

Ninguém é feliz o tempo todo, a vida é feita de momentos felizes intercalados de momentos tristes que vão se costurando uns aos outros. E o que é um momento difícil, se não uma oportunidade para a pessoa aprender que é muito mais forte do que pensa?

Ela estava no fundo do poço, mas ia se recuperar.

A ideia de namorar uma menina tinha sido brincadeira, claro. Se algum dia ela se sentisse inclinada a explorar aquele lado da sua sexualidade, não seria por causa de despeito, mas a ideia de ficar sem namorado por um tempo tinha seu valor. Até porque ela não conseguia se ver com outro cara tão cedo.

O Lourenço entrou na sua vida como uma tempestade violenta e ela precisava de tempo para refazer o que ele tinha destruído. Antes de se envolver com outro alguém, ela ia se dar a oportunidade de ficar sozinha e tentar descobrir o que realmente queria de um relacionamento. E ter certeza que suas expectativas em relação a um próximo namorado estivessem dentro da realidade.

Aquele negócio de pular de cabeça dava um toque de aventura na vida e era muito bacana, até o dia em que você se despedaçava lá no fundo.

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