Capítulo 16
A Bia fez o caminho do carro até o bar praticamente correndo. O trânsito tinha cooperado e ela conseguiu não se atrasar, mas o estacionamento do bar estava lotado e ela só arrumou vaga no outro quarteirão.
— Olha se não é a Biatriz com 'i'.
Com a mão na porta, prestes a entrar, ela olhou para o segurança sorrindo. O mesmo que estava na foto do seu celular.
— Ela não se lembra. — O outro segurança, que também estava na foto, deu uma risada.
— Claro que ela lembra. Shrek e Fiona? — O primeiro segurança apontou para ele e depois para o companheiro, que mostrou o dedo do meio para ele.
— Eu lembro, mais ou menos? Tudo bem? — Ela estendeu a mão, que eles apertaram de volta, surpresos.
— Você tá procurando o Lôro? — o Shrek perguntou.
— Ela não ia fazer isso, ela tem cara de menina esperta — a Fiona respondeu por ela, e antes que a Bia pudesse confirmar que ela estava ali, sim, para ver o Lourenço e perguntar onde poderia achá-lo, alguém passou o braço pela sua cintura.
— Pode mandar os dois pro inferno, eu te defendo — uma voz grave sussurrou no ouvido dela.
Ela se virou para o Lourenço. Ele deve ter usado alguma outra saída e tinha se aproximado por trás, quase que da mesma maneira que o Diego tinha feito mais cedo, mas a Bia não ficou irritada, pelo contrário. Seu corpo renasceu na presença dele.
— Oi. — A palavra saiu num sopro, sem fôlego.
— Que bom que você veio. — O Lourenço lhe deu um beijo suave, um breve roçar de lábios, que terminou mais rápido do que ela gostaria.
— Que decepção, Biatriz com 'i' — a Fiona expressou seu desagrado. — Esse vacilão não te merece.
— É a primeira vez que eu escuto você dizer uma coisa que presta — o Lourenço implicou com o segurança sem tirar os olhos da Bia e passou a mão de leve no rosto dela. Ela também não conseguia desviar o olhar dele. — Mas, pra minha sorte, ela pensa diferente, e eu não sou maluco de reclamar.
— No dia que você mudar de ideia, Biatriz com 'i', é só me falar que eu corto as partes dele pra você — a Fiona ofereceu.
— Ela prefere as partes dele onde elas estão, né? — O Shrek deu uma risadinha.
— Eu acho que eu preciso de pelo menos um litro de vodca pra ter essa conversa com vocês. — Ela acordou da névoa que o Lourenço tinha jogado a sua volta e deu um passo para trás, enquanto os três riam da sua cara.
— Vamos? — O Lourenço pegou a mão dela e eles se despediram.
— O carro tá lá na frente.
Eles seguiram na direção que ela tinha apontado, sem pressa.
— Você tá muito arrumada pra quem não estava ocupada.
— Eu estava numa festa. — A Bia deu uma olhadinha de lado para ele e respirou fundo. — A gente podia voltar pra lá? Quer dizer, se você estiver a fim.
— Eu preferia um programa mais calmo, pode ser?
A Bia achou que tinha se preparado para receber aquela resposta, mas a decepção a cortou fundo, como navalha na carne. E não era só porque ela queria provar que a Vivi estava errada, era porque ela queria ser mais que uma transa para o Lourenço. Ela queria que ele sentisse por ela um pouquinho que fosse daquela mesma força de atração louca e inexplicável que ela tinha por ele.
— Ei, não fica chateada. É que já tá tarde e eu ia ter que ir em casa trocar de roupa, e eu tô cansadaço. — Ele levantou uma sacola de plástico que ela nem tinha reparado que ele estava segurando na outra mão. — Eu pensei que depois de levar o jantar do mermão, a gente podia sentar em algum lugar por aqui mesmo, comer alguma coisa, se você estiver com fome?
O alívio passou pelo corpo da Bia como uma onda, levando todas as suas inseguranças embora. Ele só não queria ir à festa depois de uma noite de trabalho. Normal. E ela teria mais tempo para decidir o que responder se ele a convidasse para ir para a casa dele no final da noite.
— Quando eu não tô com fome? — ela replicou bem-humorada outra vez. — O seu irmão mora aqui perto?
O Lourenço deu uma gargalhada.
— Eu não tenho irmão. Você não lembra do mermão? A gente levou comida pra ele da outra vez também.
— O morador de rua?
— É, ele não sabe o nome dele e chama todo mundo de mermão. O apelido pegou.
— Você sempre leva comida pra ele?
— Sempre que dá. Eu ia achar maneiro ter alguém que fizesse isso por mim, se eu caísse na mesma situação.
A Bia parou perto do seu carro.
— É muito bonito, isso.
— Bonita é você, princesa. — O Lourenço colocou a sacola no capô e a puxou para perto dele. — Bonita, não. Linda.
Ela finalmente ganhou o beijo que estava querendo desde a hora em que o viu. Quente, sôfrego e que a deixou com o sangue fervendo. O vestido dela era tipo frente única, e quando ele enfiou as mãos por dentro da jaqueta, suas costas nuas as receberam com um arrepio.
— Você nunca usa sutiã?
— Nunca — a Bia sussurrou a meia verdade. Ela só usava sutiã se a roupa era transparente. — Você sempre repara?
— Sempre. — O olhar dele desceu queimando até o seu peito e ela teve certeza que ele não estava vendo o vestido, e sim o que se escondia por baixo.
Ele deslizou as mãos para o lado, resvalando os polegares pelas laterais dos seus seios, que se tornaram pesados, ardendo por mais. A jaqueta não permitia que as poucas pessoas que passavam pela rua percebessem o que ele fazia, mas mesmo que não fosse o caso, a Bia não teria forças para impedi-lo. Era gostoso demais o que ele fazia com o seu corpo. O toque dele era envolvente e sedutor. Um feitiço que roubava seu livre arbítrio e a tornava prisioneira dele.
Se ele continuasse com o carinho, não havia a menor chance da Bia não terminar a noite rolando na cama com ele. Ela se afastou, pegou a chave e destrancou o carro antes que acabasse indo além do que deveria ali, no meio da rua.
— O seu irmão fica onde? — a Bia perguntou depois que o Lourenço entrou do outro lado e fechou a porta.
— Numa esquina perto da minha rua. E não é seu irmão, é mermão.
— Não foi o que eu disse? — A Bia revirou os olhos e ligou o carro.
O Lourenço se abaixou e pegou alguma coisa do assoalho.
— Foi mal, eu pisei no seu livro.
— Não tem problema. Põe no banco de trás pra mim?
— Medicina e Saúde — ele leu o título. — Você faz medicina?
— Por que a surpresa? — Ela deu uma olhadinha de lado, enquanto ele fazia o que ela tinha pedido.
— Você pinta tão bem, eu achei que fazia alguma parada ligada a artes.
— Infelizmente, arte no Brasil não paga as contas no fim do mês.
— Tão certinha e comportada. — Ele se inclinou e quase encostou os lábios no ouvido dela. — Sorte minha que não é assim o tempo todo.
Ela estava sensível, elétrica de tanto desejo, se ele encostasse nela, ela ia acabar causando um acidente. Ele voltou a se recostar no assento e a Bia relaxou.
— É aquele ali? — ela apontou para um homem sentado na esquina.
O Lourenço confirmou e a Bia encostou o carro em fila dupla, ligando o pisca alerta. O trânsito naquela hora era tranquilo e ela não estava atrapalhando ninguém. Muito.
— Eu já volto. — Ele desceu e bateu a porta.
— Mermão — o homem cumprimentou o Lourenço estendendo a mão para a sacola. — Tu tá melhorando de vida, hein? Andando de carrão.
— Só de carona. — O Lourenço se agachou para conversar com ele.
O homem a olhou pela janela aberta, e ela deu um tchauzinho para ele.
— Tu devia colar com essa. — O mermão apontou o dedo para a Bia. — A de ontem era mais bonita, mas andar a pé não tá com nada.
A Bia demorou um segundo para compreender o significado do que o homem disse, e outro segundo para arrancar e ir embora.
— Idiota! Idiota! Você é uma imbecil, Biatriz! — ela gritou, agarrando o volante com força.
Ela tremia toda, mas segurou as lágrimas. Chorar e dirigir não combinava. O celular dela começou a tocar no alto-falante do carro e ela olhou para a tela do rádio mostrando um número desconhecido.
— Agora você liga, né? — Ela desligou o rádio. — Pois agora é tarde, mermão!
O celular continuou tocando dentro da sua bolsa, sem parar. Ela tinha se repetido tantas vezes durante a semana que ela não era especial e que ele fazia aquilo sempre. Por que ela não acreditou em si mesma?
— Porque eu sou uma burra! Burra!
A gasolina estava acabando, e ela parou num posto. Melhor tentar se acalmar um pouco antes de voltar para casa, mas o celular não parava, cada toque elevando e elevando e elevando a irritação da Bia.
— Completa, por favor — ela pediu ao frentista e abriu a bolsa para pegar o cartão do banco, agarrando também o telefone. Melhor acabar logo com aquela merda.
— Bia, volta pra gente conversar? — o Lourenço falou assim que ela atendeu.
— Eu vou te fazer uma pergunta, se você não quiser responder, me diz e tá tranquilo, mas se você responder, vai ser com a verdade. — Ela jogou de volta para ele o pedido que ele mesmo tinha lhe feito no domingo. — Você levou uma mulher pra sua casa ontem?
A pausa foi longa, seguida por um suspiro.
— Levei — ele admitiu. — Mas, Bia, volta pra eu explicar...
— Lourenço, você não precisa explicar nada. Você foi honesto comigo. Eu não tô me sentindo enganada, nem tô chateada com você. Eu tô puta da vida comigo mesma, porque eu sabia que eu não devia ter te dado o meu telefone! — Ela deu um tapa no volante e imediatamente esfregou a mão na perna porque, droga, tinha doído, mas ainda não era nada perto do aperto na garganta que ela se recusava a deixar virar choro. — Eu sabia que isso não ia dar certo!
— Eu sei que tá parecendo que eu não me importo com você, mas não é verdade.
— Acredita em mim, vai ser melhor, pra mim e pra você também, parar com essa história por aqui. Eu vou desligar e bloquear o seu número. Não adianta mais ligar.
— Bia...
Ela endureceu o coração e firmou as mãos, fazendo o que disse que ia fazer, e o celular finalmente se calou. Quando o frentista se aproximou com a maquininha do cartão, uma estranha calma tinha tomado conta dela e ela tinha voltado a ser dona de si. Foi repetindo seu novo mantra que ela saiu do posto.
— Ele é só mais um. Ele não é especial. E eu nunca mais vou fazer isso!
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