Capítulo 15
Tudo bem. Às vezes você precisa de uma amiga de verdade, daquelas que não se importam se você está toda feliz no seu mundinho de fantasia, e te arranca de lá e te obriga a encarar a realidade porque é o melhor para você. A Bia sempre podia contar com a Vivi para cumprir essa tarefa com excelência, e, no fundo, se sentia grata por ter alguém que fizesse aquilo por ela.
As palavras da prima a ajudaram a voltar a cabeça para o lugar e a colocar os pés no chão. A esperança de receber uma ligação do Lourenço foi apertada e comprimida até virar um pontinho minúsculo, que a Bia escondeu lá no fundo do coração.
É verdade que, de vez em quando, seu coração disparava ao confundir algum moreno alto com o outro que tinha se entranhado na sua pele e fazia a tarde de domingo voltar aos seus pensamentos, ameaçando a realidade cuidadosamente construída de que estava tudo bem, que a dor no seu peito não era nada e ia passar.
Quando aquilo acontecia, ela repetia seu mantra, levantava a cabeça e seguia em frente.
Na sexta-feira, foi impossível evitar que o pontinho se inchasse e virasse uma bola de pingue-pongue. Se o Lourenço quisesse mesmo vê-la no fim de semana, a ligação aconteceria naquele dia. Mas não aconteceu. A Bia empurrou a esperança para um lugar ainda mais remoto, mandando que ela se perdesse por lá e sumisse de vez.
O único programa que apareceu na sexta à noite foi sair com as colegas da faculdade e para não correr o risco de precisar assistir a uma reprise do show do Diego com a Simone, a Bia ficou em casa.
— Que milagre é esse? — o pai perguntou quando ela se jogou, de pijama, ao lado dele no sofá.
— Eu não tô a fim de sair, mas se você não me quiser, eu volto pro quarto — a Bia brincou.
— Claro que eu quero que você fique. É que tem tempo que você não troca a night pela nossa companhia. Algum problema?
— Não, eu tô um pouco desanimada.
— Alguma coisa a ver com o rapaz que ganhou o seu quadro? Ele não gostou?
A Bia não se surpreendeu com a pergunta. A não ser que ela pedisse segredo, a mãe sempre contava tudo para o pai.
— Ele gostou, mas não foi nada de mais, ele é só um amigo.
— Eu pensei que você não acreditava em amizade entre homem e mulher? — O tom de voz foi brincalhão e o pai ameaçou uma cosquinha na cintura dela.
— Tem razão, ele não é meu amigo. — A Bia empurrou a mão dele, rindo. — Ele é um conhecido, e o quadro foi um agradecimento, por um favor.
— Deve ter sido um favor e tanto. — O pai franziu a testa esperando uma explicação. Ele não era controlador, o que não queria dizer que não estivesse prestando atenção no que acontecia com os filhos.
— Ele me ajudou com um carro, um dia. — A Bia chegou o mais perto da verdade que pôde.
— E te deu o endereço dele?
— Eu dei uma carona pra ele depois. — A expressão no rosto do pai foi clara o suficiente, ele não gostou. Imagina se ele soubesse o que tinha realmente acontecido. — Ele não era um estranho qualquer, que apareceu do nada. Ele trabalha de garçom no bar em que eu estava e quando eu fui levar o quadro, eu entrei na casa dele sim, mas só porque a irmã dele estava lá também.
O pai segurou seu rosto com carinho.
— Não é que eu não confie em você, filha, mas você tem que tomar cuidado. Não é porque uma pessoa te ajuda que ela tem boas intenções. Aliás, infelizmente nos dias de hoje, em geral, é o contrário. Você teve muita sorte.
— Nós ganhamos uma companheira de filme? — A mãe entrou na sala com uma vasilha de pipoca na mão e com um sorriso enorme no rosto, salvando a Bia de se afogar na culpa de estar contando uma versão tão distorcida dos acontecimentos para o pai.
— Ganhamos, mas você vai ter que escolher outro. Eu não acho que a Bia vai querer assistir Cinquenta Tons de Cinza com a gente.
— Eca! Eu vou embora. — A Bia tentou sair do sofá, mas o pai a impediu, passando o braço pelos seus ombros, rindo.
— Deixa de ser bobo, Edson. — A mãe colocou a vasilha de pipoca no colo da Bia e sentou do lado dela. — A gente vai assistir aquele sobre a vida do Stephen Hawking.
— Ah, pra esse eu fico. — A Bia se recostou no sofá e encheu a boca de pipoca.
— Que meigo! A família unida e perfeita assistindo TV — o Fred implicou da porta da sala, cheiroso e arrumado. — Parece propaganda de margarina.
— Tá faltando só você. — A mãe fez sinal com o indicador para ele se aproximar. — Não quer assistir ao filme com a gente?
O Fred dobrou a manga da camisa social e olhou o relógio.
— Por que não? — Ele surpreendeu todo mundo ao andar até o sofá e se enfiar entre a Bia e a mãe. — A festa ainda vai estar lá daqui a duas horas.
— Meu Deus! — A mãe colocou a mão no peito. — Meus dois filhos, sexta à noite comigo. Meu coração não vai aguentar.
— Me dá aqui. — O Fred tomou a vasilha de pipoca do colo da Bia.
— A mamãe deu a pipoca pra mim! — A Bia pegou a pipoca de volta e segurou com as duas mãos. O que era exatamente o que o irmão queria, porque, daquele jeito, ela não podia comer mais. Eles brincavam daquilo desde pequenos.
— Eu quero ver se você ainda vai estar feliz assim daqui a cinco minutos. — O pai sorriu para a esposa na outra ponta do sofá e colocou uma pipoca na boca da Bia, que deu um olhar vitorioso para o irmão.
— Puxa saco — o Fred reclamou.
— Silêncio, vai começar. — A mãe fez todo mundo se aquietar.
A Bia deitou a cabeça no ombro do pai, e se ajeitou no sofá. Como sempre, ele estava coberto de razão, ela tinha mesmo tido sorte. Ela podia ter dirigido bêbada e morrido, ou ter caído nas mãos de um psicopata e morrido, ou podia estar com AIDS, ou grávida.
Eles podiam não ser a família mais unida, nem a mais perfeita do mundo, mas qualquer daqueles cenários teria impedido aquele momento perfeito de estar acontecendo e a Bia prometeu silenciosamente para os pais, e para si mesma, tomar decisões mais responsáveis dali para frente.
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A Vivi não deixou a Bia em paz no sábado. Depois de saber que a prima tinha passado a noite de sexta em casa e brigar com ela por estar desperdiçando seu tempo ficando triste por um cara que não merecia, a Vivi a intimou a acompanhá-la a uma festa de aniversário e a arrastou para o shopping para comprar uma roupa nova.
A casa era a mesma em que a Bia tinha conhecido o Diego há pouco mais de sete meses. Ela só se deu conta na hora em que estacionou o carro, mas não ficou com medo de encontrar o ex-namorado. Ele também tinha abandonado os velhos amigos e, com certeza, ia passar a noite de sábado em alguma outra festa mais badalada, do tipo que tinha entediado e irritado e constrangido a Bia na época em que ela era obrigada a acompanhá-lo, cercado de pessoas de quem ela só podia estar muito feliz por não precisar ver nunca mais.
O clima daquela noite era bem diferente do pagode com churrasco da outra tarde. Uma batida eletrônica tocava alto e uma mesa comprida, cheia de garrafas bebidas de todos os tipos e algumas poucas vasilhas com Doritos e batata de saquinho, deixavam claro qual a prioridade dos convidados.
A Vivi e o Marcelo estavam sentados em uma das mesas menores espalhadas pelo quintal e enquanto o Marcelo foi procurar por uma cadeira extra, a Bia cumprimentou quem ela já conhecia e se apresentou para os outros.
— Adivinha quem tá aqui? — A Vivi agarrou o braço da Bia assim que ela sentou na cadeira que o Marcelo colocou do lado dela.
— Quem? — a Bia perguntou, seu estômago se revirando ao suspeitar qual seria a resposta.
Lidar com o Diego exigiria mais energia e paciência do que ela possuía no momento, principalmente quando precisava usar toda a sua concentração para não pensar no Lourenço e na ligação que ela não tinha recebido, e se a mulher que ele iria levar para casa naquela noite era loira, morena ou ruiva.
— O André — a Vivi deu um gritinho, entusiasmada. — O gatinho do curso de inglês, lembra?
— Calma, miga. — A Bia deu uma gargalhada de puro alívio. — Você tem namorado, lembra?
— Eu tenho, você não.
— Eu vim conversar e me divertir. Eu não quero nem beber, nem ficar com ninguém. Não apronta nada, por favor?
— Tudo bem, mas que ele é um gatinho é.
A festa estava ótima, a Bia reencontrou alguns amigos do tempo em que namorava o Diego e seguiu seu plano. Conversou, dançou, recusou os muitos oferecimentos de bebida e as poucas cantadas, e não pensou no Lourenço, pelo menos não o tempo todo.
De vez em quando, o Marcelo e a Vivi sumiam. A Bia preferia não saber para quê, mas não se preocupou, a Vivi sempre ficava bem com o Marcelo.
— Se eu soubesse que você estava aqui, eu tinha chegado mais cedo — uma voz familiar sussurrou no ouvido da Bia ao mesmo tempo em que um par de mãos agarrava sua cintura.
Ela se virou e deu um passo para trás, se soltando do Diego. Ele estava de calça jeans, camisa preta e o cabelo loiro com as pontas um pouco mais claras, como tinha passado a usar depois que virou modelo, coberto por algum produto que deixava as mexas arrepiadas. Que ele era lindo, não dava para negar, mas o friozinho na barriga de antigamente não aconteceu. Aliás, o único sentimento da Bia foi irritação por ele achar que podia ir chegando e pegando.
As outras meninas não perderam tempo em rodeá-lo e a Bia aproveitou a distração e saiu do grupinho.
— Você não fala mais comigo? — Ele veio atrás.
— Oi.
O tom de voz gelado deveria ter sido suficiente para ele entender que ela não queria papo. Não funcionou.
— Eu estava mesmo querendo conversar com você.
— A gente não tem nada pra conversar.
Ele segurou o braço dela e a obrigou a parar e olhar para ele.
— Você não acha que foi o destino que fez a gente se encontrar aqui, onde a gente se conheceu?
— Destino pra uns, coincidência infeliz pra outros. — A Bia se soltou e continuou até a mesa.
Ela sentou do lado da Vivi enquanto o Diego cumprimentava os amigos.
— Ele ainda tá a fim de você — a Vivi falou baixinho no ouvido dela.
— Eu não posso fazer nada por ele.
— Você gostava tanto dele, acabou tudo?
A Bia deu de ombros. Olhar para o Diego só evidenciava como o Lourenço era mais alto e mais forte, como bastava um toque dele e seu corpo pegava fogo e como era horrível a saudade que apertava e doía forte no peito como nunca tinha acontecido por nenhum outro.
Ela pegou o celular, reflexo automático de toda vez que pensava nele. Nenhuma ligação perdida, mas ela tinha duas mensagens de um número desconhecido. Ela deslizou o botão com as mãos trêmulas. A primeira mensagem tinha quase quarenta minutos.
Droga!
Desconhecido: eu saio do bar às duas, se vc não tiver ocupada a gente podia se ver?
A segunda tinha sido enviada dez minutos depois da primeira.
Desconhecido: claro que vc tá ocupada num sábado à noite. Tranquilo, a gente se fala.
Ela respondeu com o coração disparado e um frio da espinha.
Bia: eu não tô ocupada. Eu não vi a mensagem, desculpa.
Bia: eu passo aí às duas?
Ela segurou telefone com força, esperando a resposta, tão nervosa e ansiosa, que mal reparou que o Diego tinha sentado do seu lado.
— Aconteceu alguma coisa? — Ele a olhou com a testa franzida, provavelmente estranhando o celular agarrado na mão dela, porque, ao contrário dele, quando os dois saíam juntos, a Bia não permitia que nada desviasse sua atenção, e o telefone ficava sempre dentro da bolsa.
— Nada — ela desconversou, mas era tarde. A pergunta tinha ligado a antena da Vivi, que a olhou de rabo de olho.
— Por que você fugiu do almoço no domingo? — o Diego mudou de assunto porque também sabia que se a Bia dizia nada, era fim de papo.
— Eu tinha outro compromisso — ela respondeu distraída, a festa a sua volta desaparecendo, o celular vibrando na sua mão.
Ela hesitou. E se ela tivesse demorado demais e ele não quisesse mais? Talvez ele já tivesse arrumado outra?
Só considerar aquela hipótese devia ter sido motivo suficiente para ela guardar o telefone e esquecer o Lourenço, mas era mais forte que ela.
Desconhecido: tô esperando
Muito mais forte que ela.
A Bia deu um pulo e começou a vestir a jaqueta.
— Eu não acredito que você vai! — A Vivi devia ter lido a mensagem por cima do seu ombro.
— Vai aonde? — O Diego a olhou sem entender.
— Não é da sua conta — a Bia respondeu mais brusca do que deveria, culpa da pressa.
Ela estava no Recreio dos Bandeirantes e tinha cerca de uma hora para chegar em Copacabana. Não era impossível, principalmente àquela hora, mas ela não podia perder tempo. Nem com o Diego, muito menos com a Vivi.
A Bia pegou a bolsa e se despediu de todo mundo com um aceno. A Vivi, persistente e irritante que era, foi andando do lado dela.
— É assim agora? Ele estala os dedos e você abaixa a calcinha?
As palavras da prima fizeram a Bia parar, chocada.
E a lembraram de quantas vezes ela mesma pensou em como bastaria o Lourenço estalar os dedos para aparecer um monte de assanhadas à disposição dele.
Talvez a Bia fosse uma das assanhadas, e daí? Mas ela nunca se perdoaria se não fosse ao menos se encontrar com ele. Não queria dizer que eles iam transar. Ou eles iam. O que ela não poderia aceitar era que a decisão não fosse sua.
— Eu sei que você bebeu, ou coisa pior, e eu vou esquecer que você disse isso.
— Não precisa esquecer, eu não tô tão mal. Bia, ele tá te usando, será que você não vê?
— Como você pode saber?
— Tá certo. Vai. — A Vivi apontou a saída. — Mas faz um favor pra você mesma, convida ele pra voltar pra cá, pra vir conhecer seus amigos. Se ele não quiser e te chamar pra ir pra casa dele, você vai ver no que ele tá interessado de verdade.
Não era má ideia. E que maneira melhor de provar como a Vivi estava errada do que entrar com o Lourenço naquela festa e esfregar na cara dela?
— Tudo bem, eu vou fazer isso. Não vai embora porque você vai conhecer o Lourenço.
— Eu tô esperando ansiosamente — a Vivi falou, sem sinceridade nenhuma.
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