Capítulo 11
O ar se encheu de eletricidade com o clique suave da chave trancando a porta. O gesto simples isolou os dois e criou um mundo onde só o que ia acontecer entre aquelas quatro paredes era importante.
Teria sido normal sentir medo de ficar sozinha com uma pessoa que ela mal conhecia, mas a Bia se sentia segura com o Lourenço. Além do mais, um homem daqueles não precisava forçar mulher nenhuma a nada, bastava um estalar de dedos e devia aparecer um bando de assanhadas para se jogar aos pés dele.
Ele se aproximou com passos firmes e os olhos dela foram atraídos para a camiseta delineando cada curva do peitoral, esticada nas mangas que acomodava os braços musculosos, e para a calça jeans apertada em torno das coxas grossas. A moleza que tomou conta do corpo dela, porém, não tinha a ver com beleza física ou músculos definidos. Ela conhecia outros caras tão bonitos quanto ele, ou até mais, mas nunca a atração foi tão avassaladora.
Era uma coisa de atitude, de pele, de alma, que precisava simplesmente ser aceita porque não havia explicação.
Ele sentou do lado dela no sofá apertado e se inclinou para a frente como se fosse segurar sua mão. A Bia prendeu a respiração, mas ele só queria pegar a bolsa do colo dela e colocar de volta no encosto do sofá. Sua mão formigou sentindo falta do toque que não aconteceu.
— Eu tenho mais de uma pergunta pra te fazer — ele disse com a voz num tom profundo. — E eu vou te pedir um favor, se você não quiser me contar alguma coisa, você diz que não quer falar e tá beleza, mas se você responder vai ser com a verdade, pode ser?
— Você vai fazer o mesmo por mim? — Ela espelhou a posição dele, sentando de frente, o joelho dobrado em cima do sofá a meros centímetros do dele.
— Com certeza. — O olhar que ele lhe lançou foi direto e absolutamente sincero.
— Então, tudo bem. O que você quer saber?
— Você veio me dizer que você tá grávida? — A pergunta franca foi feita com suavidade e não carregava nenhuma acusação, mas, mesmo assim, o estômago dela deu uma cambalhota.
— Não, eu não tô grávida. E eu devia ter dado um jeito de ter falado logo que eu cheguei, desculpa. Claro que você deve ter pensado que foi por isso que eu vim.
Pensando bem, aquele sorriso que ele abriu no corredor quando ela tinha chegado não fazia sentido. Ele não deveria ter demonstrado mais preocupação com a perspectiva de saber que tinha engravidado uma desconhecida?
Ele não lhe deu tempo de refletir sobre aquela contradição e lançou a próxima pergunta.
— E por que você veio? Com certeza você tem outros lugares pra ir se esconder do seu ex-namorado?
Ela pensou por alguns segundos, procurando pela resposta mais sincera que ela podia dar.
— Eu já estava pensando em te procurar. Eu queria agradecer por você não ter me deixado dirigir naquele dia. Quando a minha mãe disse que tinha convidado o Diego pra almoçar, eu não sei porquê, mas aqui foi o primeiro lugar que me veio na cabeça.
— Você quis fazer ciúmes nele?
— Não, não foi isso. Ele nem sabe... Eu não contei pra ele de você. — Aquele negócio de ser absolutamente honesta com uma pessoa que ela não conhecia direito estava sendo mais difícil do que tinha imaginado quando concordou em só dizer a verdade, mas ela se obrigou a continuar. — Por covardia, eu admito. Eu não queria ser a vilã da história, mas a razão principal foi porque eu não terminei com ele por causa do que aconteceu entre a gente. Aquela noite foi só o empurrão que faltava pra me fazer tomar uma atitude.
— Eu tinha certeza que você tinha inventado um namorado pra não aceitar meu convite pra sair. Não entra na minha cabeça como uma menina tão bonita podia ter namorado e ser virgem.
— É que eu tinha uma ideia boba de querer esperar pela pessoa certa, e pela hora certa. — Ela baixou os olhos e acompanhou o traçado das flores do seu vestido com o dedo, porque de repente, continuar encarando o Lourenço ficou impossível. — O problema foi que quando eu achei que o Diego era a pessoa certa, ele começou a trabalhar como modelo e não tinha mais tempo pra mim. E a hora certa nunca chegou...
Ele colocou a mão no queixo dela e a obrigou a olhar para ele. O corpo inteiro da Bia se acendeu com o toque sutil e tão leve que quase não parecia estar lá, mas era o Lourenço e como na história em que a princesa percebe o grão de ervilha embaixo de vinte colchões de plumas, a Bia tinha a impressão que sempre ia senti-lo.
— Não é uma ideia boba. E só pra você saber? Se fosse comigo, eu não levava mais que uma semana pra te convencer que eu era a pessoa certa e dar um jeito pra hora ser certa. — Ele a olhou com tanto calor que ela ficou com medo de pegar fogo.
— Na verdade, você conseguiu isso em uma noite.
— Aquela noite, não conta. Você não estava normal. — Ele deu um sorriso de lado.
— Isso é um costume seu? Trazer as meninas que você conhece no bar pra cá?
— Eu tenho dois empregos. Não sobra tempo pra namorar, ter um compromisso, essas paradas. As meninas que eu trago pra casa querem a mesma coisa que eu, sexo sem complicação. Se eu tenho a chance, eu aproveito, por que não? — O Lourenço segurou a mão dela e chegou mais perto. — Assim que eu bati os olhos em você sozinha naquela mesa, eu quis te convidar, mas eu desisti quando eu vi que você estava bêbada. Eu queria muito que você acreditasse que eu não estava mal-intencionado.
— Eu acredito. — Qualquer dúvida que a Bia ainda tinha, sumiu com aquela resposta brutalmente sincera.
— Agora, se você dormisse aqui, e acordasse de bom humor... Aí, era outra história — ele brincou com um brilho nos olhos e um sorriso rasgado.
— Alguém já te disse que você é muito metido?
— Já. — Ele deu uma risada e levantou, puxando a Bia junto com ele. Ela sentiu um frio na barriga quando ele a virou de frente para a pintura, se posicionando atrás dela. — A minha próxima pergunta é sobre o seu quadro. Essa é você?
A Bia olhou a mulher de costas, parada na beira de um precipício, olhando a paisagem cheia de montanhas cortadas por um rio.
— Por que você acha que sou eu?
— A cor do cabelo é igual. — Ele passou a mão pelos cabelos da Bia e ela não conseguiu não se arrepiar. — E ela tá sem blusa, que é uma coisa que eu acho que você gosta de fazer. — Ela não precisava olhar para saber que ele estava sorrindo, e ficou feliz por estar de costas e ele não poder ver como suas bochechas ficaram roxas de vergonha. — E a saia vermelha, que começa como saia e termina escorrendo pelo chão como se fosse sangue. Eu pensei que você podia estar pensando naquela noite.
— Você é muito observador, sabia? — Um choque de surpresa passou pelo seu corpo. — Pintar me ajuda a pensar e eu comecei esse quadro pra tentar lidar melhor com o que aconteceu.
— Você tá na beira do abismo pra pular?
— Não! — A Bia deu uma risada que era mais nervoso que divertimento. — Eu tinha outros planos pra minha primeira vez, mas suicídio não me passou pela cabeça.
— Eu fico aliviado em saber. — Ele a envolveu pela cintura e a puxou para mais perto, apoiando o queixo na cabeça dela. O corpo colado no seu esquentou suas costas de uma maneira deliciosa. — E eu tô nesse quadro?
A Bia quase usou a saída que ele tinha lhe dado lá no começo e disse que preferia não responder, mas a evasiva seria uma resposta tão óbvia quanto admitir a verdade. Se ela pudesse ter adivinhado que eles iam brincar de jogo da verdade e como ele era observador, nunca teria trazido aquela porcaria de quadro.
— Tá.
— Então, eu só posso estar lá embaixo, despedaçado, depois de você ter me empurrado.
— Não. — Ela tentou controlar a respiração, mas o coração traidor batia acelerado, e ele devia estar escutando como ela estava perturbada. Ela precisava se afastar, sair dos braços dele, mas toda sua força de vontade tinha arrumado as malas e ido embora sem dizer tchau.
— Afogado no rio? — ele insistiu. — Enterrado debaixo das pedras nas montanhas?
— Deixa de ser bobo. — Ela deu um tapa de leve num dos braços que a segurava com tanta firmeza. — Eu não tive vontade de te matar. Um estrangulamento de leve, talvez, mas sem óbito.
— Desisto. — Ele deu uma gargalhada. — Eu só tô vendo você e a paisagem. Onde eu tô?
Ele mesmo tinha dado a resposta e a Bia esperou alguns segundos para ver se ele entendia, mas ele continuou calado, esperando, e ela precisou dizer.
— Você é a paisagem.
Ele prendeu a respiração e saiu de trás dela, se aproximando da tela. A ponta do dedo acompanhou o contorno do rio, passando entre as montanhas cinzas e pedregosas, sem vegetação, as da frente iluminadas, e as do fundo se escondendo na escuridão.
O Lourenço era a paisagem desconhecida da Bia, linda e perigosa, que a desafiava a esquecer do medo e ir conhecê-la.
— E essa luz? Tá vindo de você? — ele perguntou tão baixinho que ela quase não escutou, e quando escutou, não acreditou que ele não tinha perdido nem aquele detalhe.
— Eu não tenho muita certeza... — a Bia sussurrou, também. — Mas você falou alguma coisa sobre o sol...
— Estar dentro de você — ele completou e virou de frente para ela, com a determinação de quem tinha um plano e estava pronto para colocá-lo em ação. — Bia, se você não quiser, você tem que me falar agora.
Ele não precisava dizer o quê.
Estava no desejo aceso nos olhos cor de chocolate. Na segurança com que as mãos dele envolveram sua cintura e a puxaram para perto. Nos lábios entreabertos e na tensão dos músculos ansiosos pela sua resposta.
Não tinha sido por aquilo que a Bia foi procurar por ele, no entanto, agora que a oportunidade estava ali, na frente dela, ela entendeu que foi exatamente por aquilo que ela tinha ido.
Todas aquelas semanas em que o Lourenço ocupou seus pensamentos, muito mais até do que o Diego, aquela vontade de vê-lo de novo, de estar perto dele, tudo por um motivo simples. O Lourenço sabia de uma coisa que ela não sabia.
Ele sabia como tinha sido a primeira vez dela.
A Bia podia perguntar e, sem dúvida, as respostas dele seriam sinceras, mas ela não queria se lembrar com palavras. Ela queria saber com toques, com beijos, com sensações e sentimentos, e só tinha um jeito.
— Bia? — A voz rouca parecia esticada, pronta para se romper.
Ele poderia ter derrubado suas defesas com um beijo, devia estar na cara que ela não ia resistir, mas ela se rendeu por ele querer a garantia de que ela tinha certeza.
E ela tinha certeza.
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