Onda



— Se preparem para partir! Cuidado com o material! Tem muito dinheiro em equipamento dentro dessas caixas, se algo acontecer será tirado do bolso de vocês. Você aí, acha que eu não vi que soltou a caixa descuidadamente?

— Professor se acalme, vai estourar uma veia antes de sequer navegar — coloquei uma caixa no chão do convés com cuidado.

Ergui os olhos para o céu, fazendo sombra para conseguir observar o céu azul sem nuvens e o sol intenso, a brisa estava morna com um cheiro salgado e soprava do mar calmo. Limpei o suor da testa e me apoiei na borda do barco vendo os últimos equipamentos sendo carregados. Faltava pouco para partir.

Coloquei a mão no bolso, e puxei uma moeda dourada. Disforme, com o desenho de um soldado ao lado de três círculos. Um tesouro que meu avô disse pertencer à perdida e lendária cidade de Atlântida.

A água sempre esteve no centro dos maiores mistérios do mundo, do surgir da vida às criaturas escondidas nas sombras das suas profundezas. Desde o começo das eras um livro cheio de memórias indecifráveis, inspirador de mitos e fantasias. Delicado, e equilibrado a perfeição, prendendo em suas ondas um poder altamente destrutivo e completamente imprevisível. Oceano inquieto, e ainda assim, maravilhoso.

Esfreguei o relevo da moeda com o dedo, foram cinco anos pesquisando e procurando investidores para conseguir realizar uma expedição. Com o apoio de satélites e toda a tecnologia que conseguimos decidimos um local, e após dias testando é hoje que mergulhamos para valer.

— E aí gata, pronta para ficar rica?

— Nila — cumprimentei a nossa operadora de equipamentos e geóloga. Os cabelos curtos de um tom de azul brilhavam como nunca, a pele acobreada quase fazia dela uma musa. A garota tirou os óculos escuros pendurados na gola na regata branca, o colocando sobre os olhos.

— Para alguém que está esperando por isso a tantos anos, não parece muito animada.

— Ainda não parece real — respondi —, tudo que a humanidade sabe sobre Atlântida vêm de um punhado de páginas escritas por Platão. Quantas pessoas já a procuraram e não tiveram uma resposta concreta?

— Mas eles não me tinham no time, ou meus sonares olhando todo o leito — a garota lançou um sorriso para mim —, falando em olhar...

Sua voz se tornou baixa e Nila pediu para eu abaixar.

— Se eu fosse você daria uma boa analisada no capitão do navio — disse quase num sussurro —, ele faz seu tipo.

A empurrei para longe e guardei a moeda de volta no bolso — Viemos aqui para trabalhar, então coloque sua bunda na cabine e confira os modelos 3D. Professor Kailan! Todo o equipamento já foi carregado!

Acenei para o homem que estava no segundo andar do barco mudando repentinamente de assunto, o capitão parecia estar ali também. Não cheguei a ver seu rosto, apenas as costas largas e os cabelos escuros.

Minha consciência me alertou para manter o foco, então, logo desviei os olhos para o oceano atlântico cintilante que estávamos prestes a navegar. Aproveitei essa partida para trocar minhas vestes de mergulho e revisar as informações que tinha.

Além das colunas de Hércules, entre montanhas, rica em habitantes, rios e lagos. Existia uma ilha insular com anéis terrestres e portos circulares. É lá que reside o verdadeiro mar, a terra que deve ser chamada de continente. Nessa terra chamada Atlântida, vivem muitos reis que governam para além do continente. Com revelado poderio de valentia e força, se destacou entre os povos na coragem e nas artes da guerra. Vitória sempre os contemplava ao dominar quem os atacava.

Junto de tanta grandeza, um sismo em proporção, um dilúvio que caiu numa noite e um povo engolido de única vez pela terra. Atlântida desapareceu de igual forma, afundada no mar.

Essas palavras de Platão foi o que inflamou pesquisadores através dos séculos para ir atrás da cidade perdida. Que inspirou histórias e levou do mar para terra inúmeras histórias de fantasia.

— Certo — professor Kailan bateu uma palma — Nila, me explique de novo como funciona.

— Estou usando um sonar de varredura lateral, ele tem dois transdutores. Ondas sonoras são emitidas e batem no fundo do mar, o sinal volta direto para o computador mapeando para imagem qualquer anomalia.

— Ótimo, [Nome] quanto tempo?

— Ainda temos 30 minutos para nos aproximarmos das coordenadas, Nila pode colocar o sonar na água em quinze e começar a testar.

Kailan esfregou as mãos e ajeitou os óculos, abaixando os fios grisalhos no topo da cabeça. Já na casa dos seus 60 anos, o professor de arqueologia marinha tinha uma figura esbelta e levemente curvada para frente. Sem esposa ou filhos, dedicou sua vida aos estudos de civilizações antigas. Depois que o contatei para apresentar minha tese sobre Atlântida, nunca mais ficamos sem nos falar.

Enquanto meu pai verdadeiro despreza minha profissão e chama de bobagem, o professor se anima e debate acaloradamente as mais diversas teorias e conspirações sobre a cidade perdida.

Apesar de sentir falta de um apoio familiar, não posso culpar o primeiro, seu ressentimento é justificado. A vontade e a paixão que tenho pelo mito de Atlântida veio de meu avô que passou a vida no mar, quando forçado a deixar as ondas para trás foi tomado por delírios deixando de reconhecer a própria família e resmungando com vozes invisíveis suas descobertas imaginárias.

Assim como o primeiro, já nos últimos meses de vida de meu avô também sofri com suas crises e palavras raivosas, motivadas pela mente deturpada. Porém, mais importante do que as chateações causadas, prefiro me lembrar dos sonhos criados vendo as ondas quebrarem na areia em frente à sua pequena casa de praia. Se não fossem aqueles dias repletos de magia, não estaria onde estou hoje.

— Temos imagens aparecendo — Nila gritou —, embora eu ache que são apenas rochas na areia.

Me aproximei de onde a garota estava e olhei o monitor. Eram imagens de bordas arredondadas com tamanhos diferentes e distância aleatórias — Provavelmente.

— Algo feito por mãos humanas teria mais consistência, retângulos e espaçamentos — apontei para a tela — Até mesmo formas geométricas precisas. Pelo menos dá para conferir que o SALT está funcionando.

— É claro que está — bateu na minha perna pedindo para sair da frente de sua mochila, pegando um caderno cheios de coordenadas marinhas. — Ainda estamos nos aproximando da onde pegamos as evidências maiores da última vez.

Nila puxou um lápis do miolo e em seguida o colocou atrás da orelha, aproximando o rosto da tela. Nas folhas surradas pelo sol e respingos de mar havia descrições precisas das formas mapeadas previamente. A geógrafa conferiu minuciosamente os dados para garantir que estamos no caminho certo e também nenhuma estrutura passou despercebida.

— Estamos nos aproximando do local principal, está vendo como as formas estão se tornando mais únicas? Isso é realmente intrigante — comentou — espera um pouco... Isso aqui não estava aqui antes.

A garota levantou os óculos escuros e em seguida traçou a tela com o dedo, me aproximei para ver o que chamou sua atenção, eram algumas linhas com um aparente erro. Algo parecido como um erro de leitura que fez surgir pequenos quadrados escuros. Em simultâneo, escutei soar dos céus, um trovão.

Ergui a cabeça para ver algumas nuvens se formando, por enquanto, não o suficiente para realizar uma tempestade. O que fazia os barulhos soarem ainda mais peculiares.

— Que merda é essa? — Nila também olhou para cima, chacoalhando os ombros, os esfregando em seguida.

— Deve ter sido apenas um glitch — afirmei.

— Estou com calafrios [Nome], não tenho uma sensação como essa desde que fui ao triângulo das bermudas para conduzir meu doutorado.

Baguncei seus cabelos — É psicológico, mantenha os olhos na tela, devemos parar em pouco tempo.

Respirei fundo ainda olhando para os céus, um vento soprou forte me fazendo virar o rosto. Apesar de não dividir as mesmas crenças com Nila, a mudança repentina de tempo não estava prevista, porém, se fosse de alguma maneira prejudicial à marinha local, iria nos avisar.

— O que a criança está reclamando? — professor Kailan gritou do segundo andar do barco.

— Nada professor — ela mesma respondeu em voz alta mandando um sinal de joia com o dedo, resmungando entre os dentes de forma baixa para ele não ouvir —, nada mesmo. Diga ao capitão para começar a diminuir a velocidade, estamos nos aproximando do local secreto.

Nila mudou a voz nas últimas palavras dando um ar de teoria da conspiração, prendi os cabelos, e terminei de vestir o equipamento de mergulho. Eventualmente o barco foi parando e conforme chegamos no local, consegui ver nas imagens as rochas que pareciam paredes se desenhando.

Parte do que Platão descreveu, círculos concêntricos que formavam uma cidade rodeada de água e um único canal.

— Está pronta? — Kailan perguntou se aproximando.

— Como nunca estive antes — guardei a moeda no bolso especial que ficava amarrado à câmera. Testei o oxigênio e verifiquei as demais medições para garantir que não iria morrer sem ar ou ter a cabeça explodindo pela pressão.

— Quando quiser então — o homem bateu no meu ombro.

Em seguida, depois de respirar fundo e olhar para o horizonte, dei um passo para fora do barco deixando o corpo cair na água. Alguns minutos para me acostumar e então testar o rádio de comunicação e a imagem da câmera.

— Tudo ótimo [Nome] — Nila levantou a mão — pode ir e fazer a sua coisa.

Mordi a válvula de oxigênio, e deixei o corpo afundar. Nem mesmo peixes haviam por ali, apenas uma imensidão azul que ficava mais escura na distância. Acima da minha cabeça para ver somente o casco do barco e a superfície.

Lentamente me aproximei dos discos que eram tão estranhos nas imagens.

Bom, muito bom, nos dê uma imagem mais próxima [Nome], parecem ser restos seccionais de colunas.

Me aproximei das pedras empilhadas no leito procurando exatamente o que ele queria, havia uma possibilidade de serem pedras de moinho — talvez da Idade Romana —, iria depender se no centro haviam quadrados ou círculos.

Para colunas o espaço quadrado no meio das sessões servia para manter a estrutura, é dessa maneira que eram construídas. O motivo para serem quadradas é para evitar se moverem conforme o tempo passasse, pois tinham um centro de madeira. Não parecia ser colunas, como estavam empilhadas era difícil encontrar alguma que mostrasse com clareza o centro.

[Nom-

O som parou, cortando a voz do professor. Virei para cima e vi um imenso clarão, esperei para receber uma nova mensagem. Mas não recebi nada.

Foi então que senti as correntes mudando, é difícil me manter no lugar quanto o próprio oceano está me empurrando para longe do barco. Precisei usar a corrente da âncora para subir, no meio do caminho minha visibilidade caiu e precisei fazer força para me manter e usando mais oxigênio.

Foi nesse instante, num lapso de visão, que vi cintilar de leve com a pouca luz que chegava até ali, a moeda de ouro afundando em direção às ruínas.

Temps- barc- agora-

O oxigênio é suficiente, a força da corrente é o principal problema. Kailan teria que me desculpar, mas não posso perder aquele tesouro e deixar ser engolido pelo atlântico. Ignorando qualquer aviso, voltei a afundar mergulhando atrás do círculo dourado.

Para o meu azar, ele foi pego na corrente e acabou muito mais longe do que a posição original do barco e da âncora. Os clarões de possíveis raios ainda iluminavam a superfície, e a distância se tornou uma preocupação.

Tentando usar as pedras no fundo, me puxei voltando para a corrente. Porém, a minha sorte continuava a se provar inexistente. Uma das nadadeiras prendeu numa fenda entre rochas, enquanto lutava contra a onde que tentava me afastar e soltar o pé, não percebi a âncora que se soltou. Recebi apenas a dor da batida, que arrancou de mim parte do equipamento e me fez soltar o pouco que mantinha próximo da embarcação.

Se até então estava tentando manter a calma, no momento que vi o oxigênio vazar do cabo, perdi completamente a racionalidade. Tentei me livrar dos itens mais pesados como a câmera e alguns medidores. Pressionei o furo, para manter o oxigênio circulando e tentei emergir o mais rápido possível.

O colete salva-vidas não inflou, ansiedade começou a se rastejar no fundo da minha mente, sussurrando venenos em voz baixa, reafirmando algo que eu já sabia. O mar é traiçoeiro, isso também se aplica ao fundo dele.

Forçava as pernas a ponto de sentir os músculos contraindo abaixo da roupa de mergulho, mas a superfície parecia como um sonho distante. Não tinha muito oxigênio, apesar de estar tentando segurar, uma boa parte vazou entre os dedos. Minha visão estava embaçada e por mais que esticasse as mãos em direção à embarcação, o corpo não saía do lugar.

Tomei no último fôlego de oxigênio, os últimos traços de força e nadei como nunca. Brigando contra a força da água e a pressão, lutando com o velho mar para manter a vida. Infelizmente, vontade não vale nada, da realização de um sonho a uma sepultura subaquática.

Me agarrei à moeda a medida que escuridão vinha para me abraçar, tendo como última visão a superfície turbulenta.











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