Costa
Minhas vias respiratórias ardiam, senti meu corpo se virar para jogar para fora a água acumulada nos pulmões e as lágrimas vindo aos olhos embaçados. Minhas mãos afundaram no que pensei ser areia, quando uma tosse fez tremer até mesmo a espinha de tão forte. Rouca parecia estar raspando todo o caminho para fora do meu corpo, senti os cabelos úmidos grudarem no rosto e quando me virei, vi um vulto escuro e familiar.
— Poseidon?
— Não, o capitão dele. Embora já tenha ouvido essa cantada antes — um riso soou e em seguida tive ajuda para sentar. — Deu sorte arqueóloga. Se não tivéssemos encontrado essa ilhota, duvido que qualquer um de nós estaria vivo agora.
Levantei a mão para a cabeça, com um sibilo de dor — Droga, parece que meu cérebro está querendo sair do meu crânio.
— Com licença — sua mão levantou um pouco dos meus cabelos, os jogando para trás delicadamente —, você deve ter batido com a cabeça. Não parece ter um ferimento externo, mas deixará um hematoma.
O homem que viu o rosto pela primeira vez se sentou ao meu lado, seus olhos eram de um tom amarelado que me lembrava uma pepita de ouro bem polida em contraste com os cabelos escuros que mesmo úmido se mantinha em pé. Estava descalço e com as mesmas vestes que o vi mais cedo enquanto comandava o barco.
A condição de pouca vida parece ter criado na minha cabeça um cenário fantasioso baseado num livro que li e que guardo a sete chaves na cabeceira da minha cama. Fazendo o afogamento resultar num sonho lúcido demais, com uma das minhas cenas favoritas.
— O que aconteceu? — eu estava com a minha roupa de mergulho e recobrando gradualmente as lembranças de afogar no fundo do oceano.
— Uma tempestade nos acertou, se formou tão rapidamente que nem a guarda costeira conseguiu nos avisar a tempo. De repente o professor teve a comunicação cortada com você e quando vimos que não estava subindo, pulei no mar.
— Sem trajes de mergulho?
— Pratico snorkel, foi um pouco perigoso, mas você estava no meio do caminho, então ajudou.
Fiz uma careta pensando no quanto ele havia arriscado sua vida para salvar a minha. A pressão na área de mergulho com cilindro é bem diferente daqueles que praticam a outra modalidade.
Senti um cutucão na minha bochecha — Não adianta fazer essa cara, não vou deixar alguém morrer numa viagem minha, é péssima para os negócios.
— Se você morrer é um problema — rebati —, quem iria tocar os negócios?
— Uma respiração boca-a-boca e já está preocupada desse jeito comigo? Me sinto honrado.
Calor tomou meu rosto me fazendo olhar para o outro lado, abracei meus joelhos afundando as pontas do pé na areia. Tentei não pensar em como ele havia me salvo do afogamento, mas parece que não foi possível. Quando desviei, vi também que ainda havia muitas nuvens escuras de chuva no horizonte, sobre o oceano, um véu branco de chuva se aproximava.
— O que é essa ilha? — perguntei.
— É uma ótima pergunta — respondeu o capitão —, não me lembro de ter qualquer porção de terra acima do mar no ponto onde estava mergulhando.
Ele se levantou e em seguida estendeu a mão para me ajudar a fazer o mesmo.
— Impossível surgir uma ilha do absoluto nada.
— Quem sabe, o oceano é um lugar misterioso — quando me puxou, ele se manteve segurando a minha mão —, meu nome é Kuroo a propósito. Kuroo Tetsurou.
Puxei os dedos nervosamente, engolindo seco. — Obrigada, por me salvar.
— Ao seu dispor — um sorriso gatuno surgiu em seu rosto. Um vento forte soprou fazendo o topo das árvores na praia se agitarem, me forçando a virar de costas para evitar que a areia entrasse nos olhos.
— É melhor procurar um abrigo — Kuroo disse —, aquela tempestade não vai demorar muito para chegar.
Acompanhar o capitão do barco para uma mata desconhecida, não parecia uma boa decisão, porém eu não tinha muitas escolhas. Ou era confiar no cara que se arriscou para me salvar ou, ficar exposta à tempestade na praia.
Após andar um pouco, ele pareceu achar algo como uma trilha, um caminho onde as árvores eram mais afastadas e permitia duas pessoas andarem lado a lado. Apenas a alguns metros de distância começaram a aparecer algumas formações menos naturais.
Pedras, empilhadas e também em forma de caminho, que continuavam mata adentro.
— São sulcos carrinho — apontei para as faixas fundas que pareciam cortar a ilha — esses cortes nas rochas serviam para transportar pedras maiores. Se colocava pedras circulares dentro como rodas e empurrava.
— E isso significa?
— Que era uma ilha habitada e que possivelmente tem um templo, ou algo parecido.
Kuroo continuou andando — É bom confirmar logo então, a tormenta que se aproxima não vai ser gentil.
Dito isso, escutamos um trovão ressonar acima das árvores, o lampejo da luz mal atravessando as folhas.
— Vamos apressar o passo.
Era uma subida, eventualmente minha hipótese de ter sido uma cidade foi se confirmando, não tive como parar para analisar com mais cuidado todos os objetos e indícios de civilizações que estavam dispostos ali. Mas algumas características pareciam claras, como possíveis tigelas e estátuas quebradas durante o caminho.
— Ali — Kuroo parou depois de subir um degrau mais alto e me ajudar em seguida — parece que está certa. E ainda tem um teto para nos proteger.
Todas as formas dos supostos edifícios eram circulares, com diversos restos de pilares, o templo que estávamos tinha poços e veios fluviais que caracterizavam uma divindade de água.
A chuva chegou até nós e não demorou até que os projetos de cisternas se enchessem e fizesse correr os rios por aquela cidade desconhecida.
— Ei [Nome] — Kuroo me chamou —, acho que você vai querer ver isso aqui.
Do outro lado da parte coberta ele levantou a mão indicando um corredor, andei até ele e o que apontou foi um painel colorido pintado numa parede adjacente.
A figura estava sentada num trono feio de ondas, na mão havia um tridente, diferente do que geralmente era representado. Não tinha barba, mas sim cabelos pretos curtos junto de uma coroa de conchas.
— É um templo de Poseidon — afirmei — explica as meias estátuas de boi com relação ao mito do Touro de Creta. Os cavalos e também as conchas entalhadas nas rochas, está tudo aqui, são simbologias relacionadas ao deus do mar.
— Se eu não soubesse ser seu trabalho, ia pensar que é apaixonada pelo cara.
— Quem? Poseidon? Até parece, pelos mitos e a história pode até ser — respondi e tratei de mudar de assunto ainda tendo uma lembrança vívida do sonho lúcido. — Como uma ilha como essa está tão escondida? Tem certeza que não sabe qual é?
Kuroo fez uma careta — Acha que sou o quê? Por que eu iria esconder uma ilha de uma arqueóloga?
— Interesse próprio? Pode ser mais um pirata do que um bom capitão de expedição arqueológica — cutuquei seu peito o acusando. — Vendendo os itens encontrados na ilha no submundo da história.
O homem segurou minha mão contra o peito, senti seu coração batendo tranquilo — Se eu fosse adepto da pirataria, você devia ficar um pouco mais preocupada, não? Afinal, descobriu minha fonte secreta de vendas, talvez eu tenha que te silenciar aqui mesmo.
A mão livre se levantou para o meu pescoço, levantando a minha cabeça para olhar nos seus olhos. Uma prisão dourada que fazia o resto do ambiente se tornar embaçado e focar apenas neles.
— Mas iria tirar todos meus méritos de te salvar — um riso ecoou cortando até mesmo o som da chuva, nisso ele se afastou —, também não faz sentido eu ser um pirata e deixar todas essas moedas aqui.
Kuroo apontou para o poço na frente da gravura, cheio de água com a sujeira sendo filtrada, pequenos pontos luminosos eram vistos no fundo. Eram oferendas.
— O que me lembra — ele colocou a mão no bolso —, essa aqui é sua.
Sua mão se abriu revelando a moeda de Atlântida que meu avô me deu, aquela que fez eu me afogar em primeiro lugar.
— Não vai me chamar de tola? Por colocar a vida em risco por conta de uma moeda?
— Quem sou eu para falar algo da sua vida? Parece importante, de qualquer maneira, quem tem que se decidir ao que se segurar, e o que deixar para trás é você.
— Está certo sobre isso — suspirei —, e então vamos ficar esperando aqui como náufragos? Devemos procurar uma bola de vôlei para chamar de Wilson?
Kuroo deu uma alta risada — Uma bola de vôlei seria um bom passatempo, mas não. Vamos esperar a chuva passar. Não dá para criar uma fogueira na praia, nem fixar um sinal com a ventania — ele começou a rumar pelo espaço aberto — temos algumas boas horas de dia, apesar de estar escuro, são duas da tarde.
Ele deu uma pausa olhando para o céu — Geralmente essas tempestades passam rápido.
— Parece que você conhece bem o mar.
— Se quero navegar por ele é meio obrigatório — respondeu, me fazendo repensar na pergunta óbvia. Mais uma vez Kuroo riu e se sentou no chão de pedra gasto e sujo. — Vim para Europa ainda pequeno, meu pai resolveu que os mares orientais do Japão eram muito frios para ele.
— Você ainda tem um pouco de sotaque, costuma falar japonês em casa? — questionei.
— Não. Passei boa parte da juventude lá — explicou —, voltei após me formar no ensino médio para assumir os negócios da família.
— E é o que você queria? Ou tinha outro sonho?
Kuroo resmungou — Não me vejo preso num escritório, pode pensar ser apenas uma obrigação. Mas é realmente meu desejo, talvez minha família tenha influenciado, só que no fim a escolha é minha.
Enquanto essa conversa acontecia, gradualmente a chuva foi diminuindo até que tudo que restou foram os pingos acumulados caindo das copas das árvores quando as nuvens se foram. Como o capitão disse, manter os sinais na praia são vitais.
Não muito depois que ele conseguiu acender uma fogueira, fomos visitados por um barco da guarda costeira. O barco dele, Poseidon, havia emitido um sinal de duas pessoas desaparecidas. Sentada num canto no escritório dos agentes marítimos já no cais, com um cobertor sobre os ombros e girando a moeda entre os dedos, fiquei pensando se meu sonho realmente terminaria ali.
Foi quando Nila apareceu correndo e se jogou em mim, me abraçando pelos ombros e chorando como uma criança. Por um momento ela se afastou segurando meu rosto entre as mãos e balbuciando frases desconexas, mais uma vez ela agarrou minha cabeça me forçando a ficar com o rosto sufocado entre seus seios.
Juntei os quatro dedos da mão e acertei sua costela num movimento de lâmina, ela reclamou e me soltou. Arfei por ar mais uma vez.
— Céus, eu me salvei de um afogamento, quer me matar sufocada de novo? — reclamei.
— Pensei que te perdemos — Nila abriu o berreiro esfregando as mãos nos olhos — o capitão desceu e a comunicação foi cortada, depois o barco se afastou e então-
Ela voltou a chorar, bati a mão no seu ombro — Estou bem Nila, não foi dessa vez.
— [Nome]! — mais um grito dessa vez do professor Kailan.
Ele devia estar decepcionado com a expedição falha, esperamos aquele dia por tanto tempo. E até a tempestade tudo estava indo muito bem.
— Desculpe professor, tudo deu errado. Era para ser nossa grande descoberta.
O mais velho colocou as mãos no meu ombro — Prefiro discutir apenas teorias pelo resto da vida, do que perder sua companhia.
— Eu também — Nila nos abraçou ao mesmo tempo —, mesmo professor se comportando como um velho rabugento às vezes.
Os dois começaram a discutir terminando naquela aventura atrás de Atlântida de uma maneira bem diferente daquela que planejamos, e isso já fazia mais de um ano.
Depois do resgate tentamos encontrar a ilha, mas aquela que me lembro pareceu desaparecer do mapa. Aquela que a guarda costeira disse ter nos resgatado não tinha nada a ver com a que tinha gravado na mente. Kailan voltou para a universidade para dar aulas e Nila continua embarcando em qualquer expedição que precise de sua ajuda.
Encontrei meu lugar no museu da cidade, trabalhando na curadoria da exposição sobre os mistérios da cidade perdida de Atlântida e outros mitos que envolvem o mar.
Olhei para o teto do apartamento, o sol nasceu e se convidou para entrar pelas janelas iluminando o ambiente. Do alto, com uma vista do quarto para o mar, conseguia observar a água cintilante e o céu completamente limpo.
O braço cruzado na minha cintura me puxou, um suspiro pesado e sonolento soando do dono dele.
— No que está pensando?
— Na expedição do ano passado — respondi —, sabe que Nila disse no momento em que entramos no barco que o capitão era meu tipo.
Virei na cama para poder ver os olhos de Tetsurou, apoiando as mãos em seu rosto, acariciando a pele com delicadeza. A moeda de ouro que herdei do meu avô ainda tinha boas lembranças, mas agora tinha outros círculos cor de ouro mais importantes na minha vida.
— Sempre achei ela esperta — ele voltou a fechar os olhos, uma das suas pernas subiu nas minhas e a cabeça buscou apoio no meu pescoço. — É por isso que a primeira vez que ela nos viu junto ficou sorrindo para o vento?
Dei risada, deixando os dedos correr os cabelos escuros em sua nuca — Provavelmente.
— Ela disse algo sobre você ter encontrado seu próprio rei do mar.
Meus movimentos pararam por um momento, e sua mão subiu de leve pela minha cintura, contra meu pescoço senti o sorriso nascendo. Engoli seco e mantive os olhos fixos no teto.
— Não sei do que está falando.
— Tem certeza? Tenho a impressão de vi algo parecido com aquele livro nada juvenil que você deixa guardado na cabeceira da cama. Não sabia que a minha namorada gosta de ler esse tipo de coisa.
— Assim como tem livros infanto-juvenil, também tem literatura adulta. Sou uma adulta, o que tem de estranho nisso? — rebati — É envolvente, e bem escrito...
Kuroo levantou a cabeça — Então quer dizer que a sua fantasia é dormir com Poseidon numa cama de bolhas e ter o tridente dele-
— É só uma história! — interrompi — Só porque leio não quer dizer que reflete as minhas vontades sexuais.
Assim que essas palavras deixaram a minha boca, eu a cobri, esse tipo de fala é exatamente o que ele estava esperando. Apoiando a mão no travesseiro ao lado da minha cabeça e se levantando. Tetsurou ajoelhou me mantendo entre suas pernas se sustentando nas pernas definidas para não me esmagar.
— Parece que vou precisar dar duro para tirar esse bastardo do rei dos mares da sua cabeça — ele segurou a barra da camiseta a levantando acima da cabeça e a jogando em cima da cadeira do quarto. — Talvez eu deva mudar o nome do meu barco também.
— Para o quê? Poseidon foi o nome que seu pai deu.
— Meu velho não vai se importar, na verdade, já está na hora. Que tal algo que fará você sempre voltar para mim, para o meu mar e para as minhas ondas?
Tetsurou se inclinou para deixar os lábios encontrar com os meus.
— E o que seria?
— Atlantis.
N/A: Talvez não seja comum para todos, mas "isekai" é um termo usado pra essa transmigração de mundo. Geralmente pra dentro de um jogo, ou no caso dessa AU, pra dentro de um livro. Pelo menos um capítulo hahaha.
Obrigada por ler até aqui, toda essa série é pra agradecer pelo apoio nesses 7 anos de Wattpad (sim a primeira fanfic é de 2016), e os 6.000 seguidores do perfil.
Maricolous termina com 7.147 e três dias de publicação.
Até mais, Xx!
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